As lideranças das maiores facções criminosas do Brasil, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), tentam se articular para fazer frente a políticas "antimáfia" defendidas pelo ministro da Justiça Sérgio Moro e por membros do Ministério Público e da Justiça.
Nesse cenário, a divulgação no último dia 6 de uma conversa entre membros do PCC, captada em uma escuta telefônica da Polícia Federal, abriu uma polêmica: o conteúdo da fala de um criminoso dava a entender que a facção teria negociado com o PT, supostamente quando o partido comandava o Planalto.
“Pra você ver, o PT com nóis (sic) tinha diálogo. O PT tinha diálogo com nóis cabuloso, mano, porque… situação que nem dá pra nóis (sic) ficar conversando a caminhada aqui pelo telefone. Mas o PT tinha uma linha de diálogo cabulosa com nóis (sic)”, disse o preso segundo áudio divulgado pela TV Record.
Mas não há nenhuma prova de que tal negociação tenha mesmo ocorrido envolvendo o partido e a cúpula da facção, segundo promotores e autoridades envolvidos no caso. Eles classificam tal negociação como muito pouco provável. Em uma nota, o PT também negou envolvimento com a facção.
A Polícia Federal não deu mais detalhes da operação que gerou a escuta. O envolvimento da facção com partidos não era o objetivo principal da ação, que visava desvendar um sistema secundário de arrecadação de dinheiro para o PCC, por meio da venda de rifas.
A reportagem de TV com o áudio da conversa do criminoso foi citada na conta do Twitter do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o que aumentou a controvérsia sobre o caso.
A conversa gravada ocorreu em abril e era entre o preso Alexsandro Roberto Pereira e um criminoso que estava em liberdade.
"O preso conhecido por 'Fascínora' (Pereira) que cumpria pena em Piraquara, no Paraná, não pertence à cúpula do PCC, logo não teria condições de saber se havia diálogo da cúpula, presa na Penitenciária 2 em Presidente Venceslau (SP) até o dia 13/2, com o PT ou mesmo outro partido político”, disse à Gazeta do Povo o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público em Presidente Prudente (SP), principal órgão que investiga o PCC atualmente.
Isolamento das lideranças
O golpe mais duro contra as facções criminosas nos últimos anos têm sido o isolamento de suas lideranças em presídios federais.
A ação mais significativa desse tipo começou a ser articulada em novembro de 2018, ainda no governo de Michel Temer (MDB), quando o Gaeco de Presidente Prudente pediu a transferência da cúpula do PCC da Penitenciária II de Presidente Venceslau para presídios federais.
Havia indícios de que criminosos pretendiam usar armas de guerra e mercenários internacionais para resgatar os chefes do PCC daquela unidade prisional. O promotor Gakiya passou a ser ameaçado pelo PCC e hoje anda o tempo todo sob escolta policial.
Segundo documentos obtidos pela reportagem, Lourival Gomes, o então secretário da Administração Penitenciária de São Paulo, foi contrário às transferências. Mas unidades de elite da Polícia Militar foram para a região com armas pesadas, emprestadas pelo Exército.
O secretário do governo de Márcio França (PSB) temia que o PCC realizasse nova série de atentados, como os ocorridos em 2006 contra forças policiais paulistas, e também não achava adequado que as transferências ocorressem no fim do ano, quando centenas de presos saíam dos presídios beneficiados pela saída temporária de Natal.
As transferências foram por isso postergadas para o governo seguinte, de João Doria (PSDB), que as realizou só após receber ordem da Justiça em fevereiro.
O recém eleito governo de Jair Bolsonaro providenciou as vagas nos presídios federais para os transferidos. Não cabia aos governos federal ou estadual determinar ou negar as transferências, mas sim ao Judiciário.
Mas, quase simultaneamente às transferências, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, editou uma portaria endurecendo as regras nas penitenciárias federais. Ela dificulta que detentos usem o direito a visitas de familiares para transmitir ordens às suas organizações, pois restringe o contato a parlatórios e videoconferências.
Também em fevereiro, em um café da manhã com jornalistas, Bolsonaro disse que havia ouvido um áudio obtido por setores de inteligência que mostrariam interesse do PCC em relação ao atentado à faca de que foi vítima em setembro de 2018, durante a campanha eleitoral.
Ele disse que o PCC não estava envolvido na ação mas tinha interesse em que ele fosse morto para não vencer a eleição.
A iniciativa de isolamento das lideranças das facções não partiu do governo Bolsonaro, mas foi apoiada por ele. Por isso, as lideranças do PCC e do CV começaram a tentar se organizar para fazer frente à portaria que endurece o tratamento aos detentos nos presídios federais e a eventuais futuras medidas de combate a facções, segundo o promotor.
Porém, disputas pelo controle de penitenciárias e rotas de tráfico de drogas e armas têm dificultado esse entendimento.
As facções vão tentar influenciar a política nacional?
Não neste momento, especialmente na esfera nacional dos grandes partidos e no ambiente de definição de políticas públicas, segundo o procurador Márcio Sérgio Christino, que se especializou em investigar o PCC e é co-autor do livro “Laços de Sangue. A História Secreta do PCC" (Editora Matrix, 2017).
Segundo Christino, diferente da máfia italiana, o PCC e o CV nunca deram indícios de que pretendem entrar na política.
“O PCC, que é a maior facção do Brasil, não quer ir para uma atividade (política) onde ele não tem controle. Ele não quer se expor, atrair mais atenção para suas atividades. E o PCC tem 20 e poucos anos, a máfia italiana tem mais de um século”, disse.
"Eles também não têm objetivos políticos, como tinha por exemplo o Pablo Escobar [criminoso que comandou o tráfico de drogas na Colômbia por meio do Cartel de Medelin e chegou a ser eleito para um cargo no congresso em 1982]”, disse.
Questionado se as facções poderiam realizar atentados nas ruas para influenciar a política, o procurador opinou: “Eles (criminosos organizados) abandonaram a política de atentados porque não querem ficar contra a sociedade. E se fizerem isso, a reação das autoridades será muito forte”.
O procurador não descartou, porém, que as facções brasileiras tentem entrar na política majoritária do país se surgir oportunidade para isso no futuro.
A influência das facções na política local
Na esfera política local e regional do país, a realidade é outra. As facções já tentaram eleger ou cooptar candidatos e membros da administração pública. Um exemplo é o do prefeito de Embu das Artes, pequena cidade na região metropolitana de São Paulo, Ney Santos (PRB), que foi cassado em 2018 por suspeita de envolvimento com o PCC. Ele era suspeito de usar dinheiro do tráfico de drogas, mas na época negou as acusações.
Em 2016, a Polícia Civil de São Paulo prendeu e acusou líderes do movimento de luta por moradia MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) de usar a organização como fachada para traficar drogas para o PCC no centro de São Paulo.
Um membro de um órgão oficial de defesa de direitos humanos também foi preso por receber dinheiro do PCC para tentar prejudicar a polícia com acusações falsas.
No Rio de Janeiro, facções criminosas e milícias (organizações formadas por policiais corruptos e criminosos) controlam áreas de favelas onde tentam manipular os votos da população e influenciar as eleições locais.
Dessa forma, conseguem colocar seus membros em prefeituras e órgãos públicos com a finalidade de facilitar o cometimento de crimes – especialmente aqueles ligados à grilagem de terras e exploração imobiliária, segundo disse à Gazeta do Povo, sob condição de anonimato, uma fonte de alto escalão da segurança do Rio.
Em 2018, por exemplo, uma parceria do Ministério Público com a intervenção federal no Rio levou à prisão do então prefeito de Japeri, Carlos Moraes, o presidente da Câmara Wesley George e de um vereador, todos do PP. Eles apoiavam uma facção criminosa evitando até a realização de operações policiais.
Esse tipo de ação de combate ao crime teria arrefecido durante o governo de Wilson Witzel (PSC), segundo a fonte. Procurados, a polícia e o Ministério Público do Rio não comentaram o caso até o fechamento desta reportagem.
Foi no Rio de Janeiro, inclusive, que a primeira facção criminosa do Brasil começou a operar entre os anos de 1960 e 1970. Ela surgiu no presídio da Ilha Grande,a partir da convivência entre criminosos comuns e guerrilheiros e presos políticos ligados à esquerda durante o regime militar. A Falange Vermelha se transformou depois no atual Comando Vermelho.
Mas, segundo autoridades que investigam as facções nos dias de hoje, não há indícios de ligações delas com os partidos políticos majoritários de esquerda atualmente.
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