O ministro Celso de Mello, relator do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as acusações do ex-ministro Sergio Moro de interferência política do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal (PF), deve decidir nos próximos dias se retira o sigilo do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril. O ministro deu um prazo de 48 horas para que o procurador-geral da República, Augusto Aras, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a defesa de Moro se manifestem sobre o assunto.
A defesa de Moro já se manifestou e defendeu a divulgação integral do vídeo. O advogado do ex-ministro diz que "existem manifestações potencialmente ofensivas realizadas por alguns Ministros", mas alega que o vídeo não traz "qualquer assunto pertinente a Segredo de Estado ou que possa gerar incidente diplomático, muito menos colocar em risco a Segurança Nacional".
Bolsonaro, por sua vez, disse nas redes sociais que defende a divulgação apenas do trecho que diz respeito à investigação. “Qualquer parte do vídeo que seja pertinente ao inquérito, da minha parte, pode ser levado ao conhecimento público”, disse.
A gravação foi assistida nesta terça-feira (12) por Moro, integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU), procuradores e investigadores que acompanham o caso, com autorização de Celso de Mello. O ministro também determinou a degravação integral do HD externo apresentado pela União com o vídeo da reunião ministerial.
"Essa determinação é por mim adotada pelo fato de – por não me encontrar em Brasília neste período de pandemia, em razão de compor grupo de risco, embora trabalhando, intensamente, à distância – necessitar, para efeito de conhecimento integral, ter acesso ao que se contém no HD externo em causa, em ordem a poder, então, com plena ciência dos elementos existentes em tais arquivos, decidir sobre a divulgação, total ou parcial", afirmou o decano, em despacho.
O procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, afirmou que vai recorrer da decisão que determinou a degravação do vídeo. De acordo com o blog de Andreia Sadi, do portal G1, Aras disse que a transcrição na íntegra é “desnecessária” e coloca a “soberania nacional” em risco.
Por que o vídeo é tão importante
O vídeo que está em posse do STF pode se tornar um elemento central nas investigações sobre a suposta tentativa de Bolsonaro de interferir politicamente na PF. Em seu depoimento sobre o caso, Moro contou aos investigadores que na reunião ministerial do dia 22 de abril – dois dias antes da demissão do ex-juiz da Lava Jato – Bolsonaro teria pressionado por mudanças na superintendência da PF no Rio de Janeiro e na direção-geral da corporação, até então comandada por Maurício Valeixo.
Moro contou que, durante a reunião, Bolsonaro ameaçou demitir Moro e Valeixo caso não houvesse a troca no comando da PF no Rio. Depois do depoimento de Moro, Celso de Mello determinou que o Palácio do Planalto enviasse ao Supremo uma cópia da gravação do encontro. A AGU pediu que o ministro considerasse, mas não foi atendida.
A reunião contou com palavrões, briga de ministros, anúncio de distribuição de cargos para o Centrão e ameaça do presidente de demissão "generalizada" a quem não adotasse a defesa das pautas do governo.
Celso de Mello já determinou uma perícia no material para verificar a eventual edição do conteúdo ou a seleção e supressão de passagens relevantes.
Para Moro, o material “confirma inteiramente” suas declarações à PF no dia 2 de maio, quando foi ouvido como testemunha no inquérito.
Investigadores que acompanharam a exibição do vídeo na terça-feira (12) avaliam que o conteúdo da gravação complica "gravemente" o presidente Jair Bolsonaro. “O vídeo é ruim para Bolsonaro, muito ruim”, anotou um investigador. “Escancara a preocupação do presidente com um eventual cerco da PF a seus filhos.”
Bolsonaro afirmou que concorda com a divulgação de partes do vídeo da reunião. "Qualquer parte do vídeo que seja pertinente ao inquérito, da minha parte, pode ser levado ao conhecimento público", disse na terça-feira (12), no Twitter.
PF já colheu depoimentos de delegados e ministros
Na segunda-feira (11), três delegados da PF prestaram depoimento no inquérito aberto pelo STF. Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da PF e cuja demissão culminou com a saída de Moro do governo, foi o primeiro a falar, pela manhã em Curitiba. Alexandre Ramagem, que chegou a ser nomeado e teve a indicação barrada para o cargo, e Ricardo Saadi, ex-chefe da PF no Rio de Janeiro, prestam depoimento em Brasília.
Valeixo disse em seu depoimento que não pediu demissão do cargo, ao contrário do que afirmou o presidente, e que Bolsonaro queria um diretor-geral da PF com quem tivesse mais “afinidade”. Ele afirmou que Bolsonaro nunca tratou diretamente com ele sobre a troca de superintendes e nunca pediu relatórios de inteligência, relatórios ou inquéritos policiais.
Ramagem, por sua vez, afirmou que sabe do "apreço e respeito" que tem com a família Bolsonaro, mas negou ter qualquer tipo de "intimidade pessoal" com os filhos do presidente. O delegado informou que só frequentou a residência da família "para fins profissionais" e que a foto de réveillon ao lado de Carlos Bolsonaro foi apenas uma "confraternização".
O diretor da Abin negou que tenha sido indicado para efetuar "missões específicas" para Bolsonaro, como a de obter informações de investigações da PF em andamento.
Na terça-feira (12), foi a vez de três ministros do governo prestarem depoimento: Augusto Heleno (GSI), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
Luiz Eduardo Ramos afirmou que Bolsonaro queria "interferir em todos os ministérios" para "melhorar a qualidade de relatórios de inteligência" recebidos por ele. Na reunião de 22 de abril, o presidente disse que, a "título de exemplo", se ele não estivesse satisfeito com sua segurança pessoal realizada no Rio de Janeiro" poderia trocar "até o ministro" responsável, que no caso seria Augusto Heleno, do GSI.
De acordo com Ramos, a escolha deste "exemplo" por Bolsonaro pode ter levado a uma "interpretação equivocada por parte de algum ministro, incluindo o ex-ministro Sérgio Moro".
"Para melhorar a qualidade dos relatórios, na condição de Presidente da República, iria interferir em todos os ministérios para obter melhores resultados", descreveu Ramos. "O presidente afirmou "vocês precisam estar comigo" e que era necessária união para o Governo atingir seus objetivos".
Luiz Eduardo Ramos mudou sua versão no depoimento à Polícia Federal sobre declarações do presidente Bolsonaro envolvendo a troca de comando da corporação.
Próximos passos da investigação
Nesta quarta-feira (13), a PF segue ouvindo testemunhas do caso. Serão ouvidos Carlos Henrique de Oliveira Sousa, ex-chefe da PF no Rio, convidado por Rolando Alexandre para a diretoria-executiva da PF; Alexandre da Silva Saraiva, chefe da PF no Amazonas também envolvido na primeira crise pública entre Moro e Bolsonaro.
Também a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) deverá esclarecer a troca de mensagens com Moro em que pede ao ex-ministro que aceite a mudança na direção-geral da PF solicitada por Bolsonaro e, em troca, diz que se comprometeria 'a ajudar' com uma vaga no STF.
A única oitiva determinada por Celso de Mello e não agendada ainda é a do ex-chefe da PF em Minas Gerais, Rodrigo Teixeira.
No último fim de semana, o decano autorizou que Polícia Federal designe novas audiências caso seja necessário reinquirir as testemunhas diante do conhecimento do que se passou na reunião ministerial de 22 abril.
O presidente Jair Bolsonaro também pode ser convocado a depor.
Caso a PGR resolva oferecer uma denúncia contra o presidente ao final da investigação, há um ritual a ser cumprido que envolve a autorização da Câmara dos Deputados e o afastamento de Bolsonaro.
Veja como funciona:
- Se a PGR oferecer denúcia contra o presidente, o STF envia a denúncia para a Câmara.
- O presidente da Câmara envia uma notificação ao Palácio do Planalto e envia a denúncia para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
- Na CCJ, o presidente tem dez sessões do Plenário para apresentar uma defesa prévia.
- A CCJ tem o prazo de cinco dias para votar um relatório.
- O parecer é encaminhado ao Plenário e o presidente da Câmara tem que marcar a votação para a próxima sessão.
- São necessários os votos de dois terços dos deputados (342) para autorizar a abertura de uma ação penal contra o presidente.
- Se os deputados não autorizarem, a denúncia fica em stand by até o fim do mandato do presidente.
- Se a Câmara autorizar a ação penal, o STF vota em plenário se aceita ou não a denúncia da PGR;
- Se o STF aceitar a denúncia, Bolsonaro é afastado do cargo até o processo ser concluído, pelo prazo máximo de 6 meses. O vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB) assume a presidência do país.
- Se Bolsonaro for absolvido, volta a ocupar o cargo de presidente. Se for condenado, perde o cargo definitivamente e perde os direitos políticos.
Caso não sejam encontradas provas suficientes para indiciar ou denunciar Bolsonaro, Moro pode entrar na mira da PGR. O ex-ministro pode ser denunciado por denunciação caluniosa ou crime contra a honra, por exemplo. Nesse caso, Moro responde a um processo na Justiça comum, em primeira instância, já que não tem foro privilegiado.
Com informações de Estadão Conteúdo
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