| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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A reversão de duas condenações e dez ações remanescentes no Superior Tribunal Eleitoral (TSE) se interpõem entre a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro e o seu retorno às urnas. Diante do calvário que o ex-mandatário enfrenta no Judiciário, a aposta de seus aliados para que volte a ser elegível está no Congresso. Para tanto, eles têm investido na aproximação com os candidatos à presidência da Câmara e do Senado, visando a obtenção da maioria no Congresso para aprovação de uma lei de anistia.

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Analistas políticos ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que as possibilidades e caminhos efetivos para que Bolsonaro volte a disputar eleições envolvem a superação desses desafios jurídicos e se somam às questões políticas. E também serão influenciadas pelo resultado das eleições municipais deste ano e pela conjuntura econômica do país.

Além disso, as recentes declarações de magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a anistia aos presos do 8/1 e uma eventual reversão da inelegibilidade Bolsonaro indicam que, apesar das articulações políticas, o Legislativo pode ser derrotado pela Corte se avançar com eventuais projetos.

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Nesta sexta-feira (28), o ministro Alexandre de Moraes afirmou que “quem interpreta a Constituição é o Supremo Tribunal Federal", dando a entender que o Judiciário terá a palavra final sobre a anistia aos acusados.  "Quem admite anistia ou não é a Constituição Federal e quem interpreta a Constituição é o Supremo Tribunal Federal", disse Moraes. Já na terça-feira (25), o ministro Gilmar Mendes afirmou ser “muito difícil” anular a inelegibilidade de Bolsonaro via STF.

Além disso, a atual presidência da ministra Cármen Lúcia no TSE, que passará o cargo para o ministro Nunes Marques (indicado por Bolsonaro) antes das eleições presidenciais de 2026 podem ser decisivos para que o ex-presidente volte a ser elegível.

Até o momento, Bolsonaro acumula três condenações por inelegibilidade. A primeira ocorreu em junho de 2023, quando ele foi tornado inelegível por 8 anos por uma reunião realizada com embaixadores, no Palácio da Alvorada. Na época, o então mandatário criticou as urnas eletrônicas.

Em outubro do mesmo ano, Bolsonaro e o general Braga Netto foram condenados pelo plenário do tribunal à inelegibilidade por oito anos pelo alegado uso eleitoral das comemorações de 7 de setembro de 2022.

Uma semana depois, em decisão individual, o ministro Benedito Gonçalves voltou a condenar os dois pelos mesmos fatos, mas em outro processo movido sobre o episódio. Esta condenação foi revertida pelo ministro Raul Araújo no último dia 11 de junho.

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Anistia aos presos do 8 de janeiro também pode beneficiar Bolsonaro

Um dos caminhos vistos pelos parlamentares de oposição para que Bolsonaro possa ter de volta seus direitos políticos é a anistia aos presos do 8 de janeiro. A avaliação dos aliados é que, antes do presidente, é necessário criar um clima de perdão aos condenados pelos atos daquela data.

Há diversos projetos de lei diferentes sobre o tema a espera de serem analisados em conjunto na Câmara. Alguns propõe anistia aos cidadãos que participaram dos atos e outros dizem que Bolsonaro também deve ser beneficiado. No último dia 5 de junho, o deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) foi escolhido pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) para relatar o projeto que vai discutir todas essas propostas.

Paralelamente a esta iniciativa, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, também tem buscado pré-candidatos à presidência da Câmara para negociar uma possível anistia. Como mostrou a Gazeta do Povo anteriormente, Costa Neto está em negociações com os principais candidatos à vaga, incluindo Marcos Pereira (Republicanos-SP), Elmar Nascimento (União-BA) e Antônio Brito (PSD-BA). A ideia é que o PL apoie quem se comprometa a levar a anistia ao plenário em 2025.

Em outra frente, o deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) apresentou o PL 3317/2023, que concede anistia aos condenados por ilícitos cíveis eleitorais ou declarados inelegíveis desde outubro de 2016, após a decisão do TSE em inabilitar eleitoralmente Bolsonaro.

Outros dois projetos foram apensados ao texto de Sanderson: o PL 3352/2023, que concede anistia aos candidatos presidenciais em 2022 que tenham sido processados, condenados ou com registro cassado; e o PL 5847/2023, que anistia candidatos que tiveram o registro cassado por declarações acerca da urna eletrônica.

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No momento, o projeto de Sanderson também se encontra na CCJ da Câmara, mas aguarda designação de relator. Apesar do colegiado ser presidido pela deputada Carol De Toni (PL-SC), a expectativa é de que qualquer tipo de proposta de anistia tenha andamento somente quando as condições políticas na Casa sejam favoráveis.

Oposição aposta nas eleições para reverter situação de ex-presidente

Para criar as condições favoráveis à aprovação dos projetos no Congresso, a oposição ao governo aposta em duas frentes para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro: a primeira é a já mencionada eleição para presidência da Câmara, marcada para 2025. A estratégia é condicionar o apoio da oposição ao candidato que se comprometer em dar andamento aos projetos de anistia, tanto dos presos do 8 de janeiro, quanto de Bolsonaro.

Apesar da estratégia, nos bastidores, a oposição entende que a votação do PL 3317/2023 pode não ocorrer em um primeiro momento, mesmo sendo acordado com o futuro presidente da Casa. No entanto, aliados de Bolsonaro esperam que os projetos fiquem posicionados de forma mais positiva para uma eventual oportunidade de votação.

A segunda opção avaliada é batalhar para conseguir a maioria no Congresso Nacional em 2026. A estratégia vem sendo anunciada pelo próprio Valdemar nos últimos meses. A expectativa é impulsionar o partido nas eleições municipais deste ano para criar uma plataforma ampla e consolidada para as próximas eleições.

Força do capital político de Bolsonaro será testado em eleições municipais deste ano

Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Bolsonaro ainda possui um capital político relevante e que será testado nas eleições municipais.

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“A chance de Bolsonaro voltar a ser considerado elegível depende de uma conjunção de fatores. A primeira delas, a meu ver, vai ser o nível de importância e de influência de Bolsonaro nas eleições municipais. É uma espécie de teste de força”, disse Elton. Ele também lembrou que o cenário econômico do país pode influenciar em uma eventual elegibilidade do ex-presidente.

“A segunda condição é a situação da economia nacional. A situação econômica do governo Lula é bastante delicada e a tendência, segundo os principais observadores, estudiosos e analistas, é de piora do cenário fiscal. Ou seja, déficit das contas públicas, prejuízo da balança comercial e alta do câmbio. O prognóstico negativo da economia pode fazer com que as elites políticas, econômicas e empresariais brasileiras considerem Bolsonaro como espécie de seguro anti-Lula”, disse o cientista político.

Indefinições sobre anistia a Bolsonaro podem levar a outras candidaturas da direita

Com as indefinições sobre o andamento do PL que concede anistia a Bolsonaro, a oposição, que inicialmente pregava Bolsonaro como único candidato, já admite abertamente a substituição do ex-mandatário na corrida. Em 15 de junho, Valdemar disse que Bolsonaro decidirá os candidatos a presidente e vice de seu partido em 2026.

“Nós queremos o (Jair) Bolsonaro candidato a presidente do Brasil pelo PL. Agora, se ele não for, quem decide quem vai ser o candidato a presidente é o Bolsonaro. Quem decide quem vai ser o candidato a vice-presidente é o Bolsonaro”, disse o presidente do PL em propaganda partidária.

Para a oposição, ganhar maioria no Congresso, especialmente no Senado, vai além da mera possibilidade de aprovar projetos de anistia. O objetivo também é impor um freio em abusos praticados pelo Supremo através de eventuais processos de impeachment contra ministros. Sendo o Senado, a Casa responsável pela abertura desses, o Partido Liberal, de acordo com Costa Neto, trabalha para eleger ao menos 25 das 52 vagas disponíveis na eleição de 2026. Dos 13 senadores da bancada, cinco irão disputar reeleição em 2026.

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Quantidade de ações torna elegibilidade de Bolsonaro via Justiça pouco provável

A retomada da elegibilidade de Bolsonaro pela via judicial, apesar da anulação de uma condenação, é vista como um cenário improvável. Apesar da nova composição do TSE ser avaliada como menos refratária ao ex-presidente, o número de ações contra Bolsonaro na Corte é tido como principal obstáculo.

Ao todo, 16 ações foram movidas pedindo a inelegibilidade de Bolsonaro. Desse número, seis já foram julgadas: três condenaram Bolsonaro - sendo que uma delas foi anulada - e outras três foram rejeitadas pelo TSE em outubro do ano passado. Estas últimas pediam a condenação de Bolsonaro pela reunião com governadores e cantores na biblioteca do Palácio da Alvorada e pela realização de lives dentro da residência presidencial.

As outras 10 ações dizem respeito ao 7 de setembro, ao discurso de Bolsonaro na Organização das Nações Unidas (ONU), ao suposto tratamento privilegiado na rádio Jovem Pan e ao suposto uso da máquina pública em benefício próprio. Elas ainda dependem de julgamento.

A chegada da ministra Cármen Lúcia no comando da Corte chegou a ser avaliada por aliados do ex-presidente como uma oportunidade para um distensionamento entre Bolsonaro e o TSE. No entanto, ao assumir o cargo de presidente, a magistrada indicou que manterá a linha dura adotada por Moraes.

“O que distingue esse momento da história de todos os outros é o ódio e a violência agora usados como instrumentos por antidemocratas para garrotear a liberdade, contaminar escolhas e aproveitar-se do medo como vírus e adoecer pela desconfiança cidadãs e cidadãos”, afirmou Cármen Lúcia em discurso de posse no último dia 3 de junho.

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Cenário para retorno político de Bolsonaro pode se complicar com caso das joias

Por outro lado, o comando do TSE sob o ministro Nunes Marques, marcado para 2026, é avaliado como uma possível janela para que a situação eleitoral de Bolsonaro seja amenizada. O magistrado foi um dos dois indicados pelo ex-presidente ao STF. No entanto, outras pendências com a Justiça podem complicar uma elegibilidade do ex-mandatário.

Além das ações na Justiça Eleitoral, o possível indiciamento no caso das joias sauditas também é avaliado como outro fator que pode dificultar qualquer reviravolta da inelegibilidade via Judiciário. Essa expectativa é compartilhada pelo advogado Breno Carrilho, especialista em Direito Eleitoral. Para ele, a quantidade de ações pode inviabilizar a situação do ex-presidente.

“Em um cenário hipotético, se as outras duas condenações de Bolsonaro forem anuladas, o ex-presidente pode recuperar sua elegibilidade. No entanto, é importante considerar que a elegibilidade não depende apenas da ausência dessas condenações específicas. Bolsonaro enfrenta, pelo menos, outras cinco investigações no Supremo Tribunal Federal que, se resultarem em condenações, poderiam novamente torná-lo inelegível”, disse o advogado.