O governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tenta com gestos, tons e decisões encontrar o melhor caminho para construir sua base política e pavimentar a governabilidade pelos próximos quatro anos, ainda que isso possa desagradar uma parcela mais conservadora de seu eleitorado. A escolha de seus secretários, os recentes encontros com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a negação do rótulo de "bolsonarista raiz" são exemplos disso.
Na última sexta-feira (2), Tarcísio se reuniu com o ministro Alexandre de Moraes, do STF, para discutir a crise na segurança pública de São Paulo. O futuro governador também participou de um jantar com ministros de Cortes superiores e se sentou ao lado do ministro Luís Roberto Barroso, do STF.
Na terça-feira (6), Tarcísio também conversou com Moraes e outros magistrados da Suprema Corte durante o evento de posse de dois novos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até aí nada demais, não fosse o fato de Tarcísio ter sido eleito com o apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL), que travou uma queda de braço com o STF ao longo do seu governo.
O ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro disse na segunda-feira (5) que não entraria em uma guerra "ideológica e cultural" em seu futuro governo. "Eu nunca fui 'bolsonarista raiz'. Comungo das ideias econômicas, principalmente desse governo Bolsonaro. A valorização da livre iniciativa, os estímulos ao empreendedorismo, a busca do capital privado, a visão liberal. Sou cristão, contra aborto, contra liberação de drogas, mas não vou entrar em guerra ideológica e cultural", disse à CNN Brasil.
Os mais próximos de Tarcísio dizem que as sinalizações do governador eleito são formas de "corrigir" alguns "erros" cometidos por Bolsonaro, desde a construção da base política de seu governo ao relacionamento com representantes de outros poderes, que foi quase sempre conflituoso.
Diferentemente de Bolsonaro, que iniciou a montagem de sua equipe ministerial em negociações com frentes parlamentares, não partidos, Tarcísio começa a construção de seu secretariado travando diálogos diretos com dirigentes e presidentes partidários.
Até o momento, foram anunciados em sua equipe integrantes do PL, Republicanos e PSD, a exemplo do próprio presidente nacional da legenda, Gilberto Kassab, que assumirá a Secretaria de Governo. Também há conversas com PP, PSDB, União Brasil e MDB, que tem a deputada federal eleita Simone Marquetto (SP) na transição.
Ao iniciar de antemão a construção de sua base, o entorno político de Tarcísio entende que ele dá sinalizações de desapego às "narrativas" do eleitorado mais conservador e crítico às negociações políticas. "Para alimentar a militância, Bolsonaro demorou mais de um ano para construir sua base porque ficou preso à narrativa de 'antissistema', mas ele sempre teve algum relacionamento com o Centrão, até pela experiência na Câmara. Nesse sentido, Tarcísio começa bem já corrigindo esses erros para ter tranquilidade para realizar um bom governo", diz um aliado do governador eleito.
A lógica de não cometer "erros" também se aplica ao diálogo aberto com ministros do STF e à desassociação ao "bolsonarismo raiz". Os gestos e a fala não foram bem acolhidas pela base mais fiel de Bolsonaro e geraram críticas de eleitores e apoiadores nas redes sociais.
Mas mesmo alguns parlamentares que apoiaram Tarcísio e discordam de suas recentes manifestações contemporizam e evitam polemizar. "Eu não vou criticar o Tarcísio, não é o momento de dividir. Ele fez um papel importante de trazer o Kassab para perto a fim de não deixar o PSD na mão do [presidente eleito] Lula. É a análise que tem que ser feita e a que tem sido adotada por quem não quer criticá-lo. É a avaliação mais política, fria e pragmática a ser feita", diz, reservadamente, uma liderança do PL paulista.
Qual é a importância dos gestos de Tarcísio para a governabilidade
De forma unânime, o entorno político mais próximo e demais integrantes da base de Tarcísio avaliam ser natural esse afastamento do "bolsonarismo raiz" sob a argumentação de que esse é o perfil do governador eleito, o de um técnico, não político. O coordenador do gabinete de transição, Guilherme Afif Domingos (PSD), minimiza a fala. "Ele disse o que existe: ‘eu não sou um bolsonarista raiz. Sou bolsonarista’. De raiz são aqueles que militavam no bolsonarismo até antes que o próprio governo", disse na terça-feira (6).
A despeito da naturalidade com a qual a fala é avaliada, há uma concordância de que os gestos são positivos para a construção de governabilidade e até para a montagem da base. "Ele vai tentar manter boa interlocução com o Judiciário, com a Assembleia [Legislativa de São Paulo], com o Arthur Lira [presidente da Câmara] e o próprio Lula", analisa o deputado federal Fausto Pinato (PP-SP).
Segundo disse o governador eleito à CNN Brasl, "é fundamental ter uma conversa com o governo federal" e afirmou que "obviamente" dialogaria com Lula "quando for chamado, depois da posse, sem problema nenhum". Pinato classifica Tarcísio como alguém "competente" e "preparado", e entende que ele fará uma boa gestão pautada no pragmatismo político.
"Acho que ele nunca seria ingrato à questão bolsonarista. Agora, não quer dizer que ele vai seguir a linha bolsonarista, até porque ele sentiu que essa linha perdeu a eleição para si mesmo. E vai querer fazer alguns ajustes mais equilibrados", pondera. Pinato é uma das lideranças do PP paulista que acredita que as sinalizações de Tarcísio não "fecha pontes" com Bolsonaro e a base conservadora, a despeito de suas críticas ao que considera como "excessos ideológicos". O parlamentar entende que é possível manter uma postura mais ao centro e à centro-direita sem "criar confusão desnecessária", como, para ele, levou Bolsonaro à derrota nas urnas.
O deputado considera que a fala de Tarcísio possibilita um "novo desenho" da centro-direita política. "Ele é inteligente e preparado e tem tudo para fazer um bom governo, se consolidar como um grande governador e, quem sabe, até pensar em um projeto maior", afirma. Apesar dos elogios, Pinato reforça, porém, que, mesmo tendo sido o primeiro partido de centro a apoiar Tarcísio no segundo turno, o PP ainda não está formalmente integrado à base governista.
"Nossa base é muito forte na questão da segurança pública e no agronegócio, tanto a federal quanto a estadual em São Paulo. Nós estamos esperando o chamado do governador. Quem está credenciado a essas tratativas é o presidente [do PP paulista] Maurício Neves, que já está em contato com o futuro governador", diz.
O deputado avalia, no entanto, que Tarcísio está bem assessorado e tomará boas decisões sobre a composição de seu governo. "O Marcos Pereira [presidente nacional do Republicanos] e o Kassab são alguns dos vários maestros que estão com ele. São caras experientes, que, como estiveram na base [de Bolsonaro], estão querendo aprender com os erros passados", analisa.
O MDB, PSDB e União Brasil são outros partidos que também apoiaram Tarcísio no segundo turno, mas ainda não estão formalmente na base. O deputado federal Júnior Bozzella (União Brasil-SP), vice-presidente do diretório paulista, contemporiza o cenário e elogia os comentários recentes do governador eleito, que, para ele, favorecem a construção da base.
"Tarcísio tem sinalizado que irá conseguir se desvencilhar do bolsonarismo e construir o efeito da direita moderada, que foi o que eu procurei incentivar lá atrás", diz. "Faço votos por ele, que faça um bom governo e seja uma opção nesse espectro político. Mais do que qualquer outro, tem se mostrado bastante coerente, competente, independente, uma pessoa de visão e caráter, que não é refém e não se colocou no colo do bolsonarismo", acrescenta Bozzella. O União Brasil negocia com Tarcísio, o Republicanos e o PSD o controle da Secretaria de Habitação.
Quais nomes estão confirmados na equipe do governador eleito
O coordenador do gabinete de transição, Afif Domingos, disse que não há "porteira fechada para ninguém" e assegurou que os partidos que ainda não estão integrados na base, poderão ser inseridos no governo de Tarcísio. Também assegurou que o governo eleito está receptivo a indicações, desde que sejam nomes técnicos.
"Pelos anúncios feitos, todos são de altíssimo nível técnico. Foi a promessa do nosso governador. Logicamente, você está no governo político, para tanto existe uma secretaria de governo que vai cuidar da negociação, da conversação com partidos desde que o indicado tenha currículo para a missão", disse Afif.
O ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro tem procurado compor seu secretariado com nomes de confiança, técnicos e políticos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi um dos nomes convidados para assumir a Secretaria de Fazenda. O chefe da equipe econômica do governo federal recusou o convite, mas Afif, que foi seu assessor especial, acredita que ele pode aceitar um convite para assumir um posto de conselheiro da pasta.
A equipe econômica de Tarcísio deve ser chefiada pelo economista Samuel Kinoshita, que foi assessor de Guedes na Economia. O presidente da Petrobras, Caio Paes de Andrade, aceitou o convite e vai chefiar a secretaria de Gestão e Governo Digital. Ele é outro com passagem pelo governo federal, onde foi titular da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.
Dos secretários anunciados até quarta-feira (7), quatro são políticos: Kassab, que ocupará a Secretaria de Governo; Eleuses Paiva (PSD), médico e ex-deputado federal e ex-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), que vai chefiar a Secretaria de Saúde; Capitão Derrite (PL), deputado federal, que será o titular da Secretaria de Segurança Pública; e Roberto de Lucena (Republicanos), deputado federal, que irá para a Secretaria de Turismo.
O nome escolhido para chefiar a Casa Civil compõe a "cota pessoal" de Tarcísio. Trata-se de Arthur Lima, técnico que foi diretor da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) do Ministério da Infraestrutura quando o governador eleito era ministro do governo federal. O nome escolhido para assumir a Secretaria de Educação é Renato Feder, empresário e atual secretário de Educação do Paraná.
A procuradora federal Natalia Resende, da Advocacia-Geral da União (AGU), vai chefiar a recém-criada supersecretaria que englobará logística, transportes, infraestrutura e meio ambiente. Ela foi consultora jurídica do Ministério da Infraestrutura. A jornalista Lais Vita, assessora de imprensa de Tarcísio, vai assumir a Secretaria de Comunicação.
O engenheiro e economista Lucas Ferraz, atual secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, vai assumir a Secretaria de Assuntos Internacionais. Já o economista Rafael Benini, ex-diretor de planejamento da EPL e ex-auxiliar de Tarcísio na Infraestrutura, vai assumir a Secretaria de Parcerias Privadas.
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