O Programa Verde Amarelo, lançado pelo governo Bolsonaro na semana passada, tem o objetivo de estimular a criação de 4 milhões de vagas de emprego entre 2020 e 2022. O foco são os jovens de 18 a 29 anos que ainda não conseguiram emprego registrado em carteira. Bem recebido pelo empresariado, o programa suscitou algumas dúvidas entre especialistas que atuam na área. As medidas, previstas na Medida Provisória nº 905/19, já estão valendo, mas dependem do aval do Congresso para se manterem válidas.
Confira alguns pontos sobre as vantagens, os questionamentos levantados e a situação do emprego hoje no Brasil:
Emprego Verde Amarelo
Contrato de trabalho voltado para pessoas de 18 a 29 anos em primeiro emprego, com remuneração de até 1,5 salário mínimo, por um prazo de 24 meses. Não é permitida substituição de mão de obra, apenas novas contratações, no limite de 20% do total de funcionários. A empresa ganha desoneração na folha e a redução no custo da mão de obra fica entre 30% e 34%, conforme apresentação do Ministério da Economia, que prevê a criação de 1,8 milhão de vagas até 2022. Para subsidiar esse benefício, o governo indicou a cobrança de INSS sobre o seguro-desemprego.
FGTS
Nos contratos do Emprego Verde Amarelo, o percentual que as empresas vão depositar na conta de FGTS do trabalhador cairá de 8% mensais para 2%. Além disso, no caso de demissão sem justa causa, a multa paga ao funcionário será de 20% do valor do saldo. Nos demais contratos, já em vigor ou futuros, a multa de 40% sobre o saldo não sofre modificação. Mas a equipe do presidente Jair Bolsonaro retirou o pagamento de multa extra de 10%, que era revertida para a União e alimentava o caixa do FGTS.
Trabalho aos domingos e feriados
Atualmente, o trabalho aos domingos e feriados depende de acordo entre trabalhadores e empregadores. O Ministério da Economia informa que 75% da indústria não possui acordos coletivos. Com a medida do governo, o empregador pode determinar o trabalho aos domingos e a folga semanal remunerada do trabalhador em outro dia da semana. O governo fala em gerar 500 mil empregos até 2022.
Microcrédito
Segundo dados do Ministério da Economia, entre as pessoas que recebem até 1 salário mínimo por mês, apenas 11% são tomadoras de crédito. O plano é eliminar algumas exigências, como atendimento presencial, e estimular a participação de bancos digitais no mercado de microcrédito. Para financiar, uma resolução do Conselho Monetário Nacional determina o aumento de depósitos destinados ao microcrédito.
Reabilitação e pessoas com deficiência
Apresentando o número de que apenas 2% das pessoas que recebem benefício por incapacidade são reabilitadas no Brasil, o governo pretende ampliar a reabilitação física e profissional para reinserção dessas pessoas no mercado de trabalho. Além disso, modifica a legislação para contratação de pessoa com deficiência, permitindo que temporários e terceirizados sejam contabilizados na cota do empregador, além de excluir da base de cálculo de postos de trabalho que envolvam periculosidade. Com essas duas ações, o governo estima criar 2,5 milhões de vagas até 2022.
Inovações trabalhistas
Na MP 905/19, o governo federal modificou o índice de reajuste de débitos trabalhistas, o que permitirá que as estatais da União economizem cerca de R$ 37 bilhões nos próximos cinco anos. Também foram criadas novas normas para a fiscalização trabalhista: limitação da emissão de termos de ajustamento de conduta; travas para embargos e interdições; e simplificação e flexibilização de multas.
INSS de desempregado
Para subsidiar a desoneração do primeiro emprego de jovens, o governo determinou a cobrança de alíquota previdenciária de 7,5% de quem recebe seguro-desemprego. A medida foi bastante criticada por onerar uma pessoa vulnerável, que perdeu trabalho. Além disso, o recolhimento de INSS é vinculado a um gasto futuro: os meses em que o trabalhador recebeu o seguro poderão ser contabilizados para fins de aposentadoria, o que hoje não ocorre. Algumas decisões judiciais, no entanto, autorizavam a incorporação desse período como tempo de contribuição à Previdência – mesmo que até agora não houvesse qualquer contribuição por parte do desempregado.
Bancários
Um artigo da Medida Provisória nº 905/19, que instituiu o Programa Verde Amarelo, amplia a jornada de trabalho de funcionários de bancos, casas bancárias e na Caixa Econômica Federal. Só aqueles que operam caixa continuam trabalhando por seis horas. Para os demais, só será considerada extraordinária a jornada que superar oito horas. Na quinta-feira (14), a Caixa comunicou seus funcionários de que "as medidas para implementação da jornada legal já estão em curso”. O banco ainda informa que iniciou os estudos para escolher a melhor forma de implementação do aumento da jornada, para permitir a adequação de todos os envolvidos. A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) se posicionou contra a MP e disse que levaria o assunto para ser debatido com a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban).
Registro profissional
A MP do Programa Verde Amarelo acaba com exigência de registro para 11 carreiras. São elas: jornalista, artista, corretor de seguros, publicitário, atuário, arquivista e técnico de arquivo, radialista, estatístico, sociólogo, secretário e guardador e lavador autônomo de veículos. O registro profissional é o cadastro exigido do trabalhador para o exercício legal da profissão. Tem a finalidade de garantir que os profissionais atendam exigências estabelecidas por lei. “A ideia é eliminar de todo o marco regulatório a necessidade de registro de todas as profissões”, disse o secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcomo, no lançamento do programa.
Empregadores
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) publicaram notas apoiando as medidas anunciadas pelo governo federal. Ambas destacaram a possibilidade de trabalho aos domingos, com repouso semanal em outro dia da semana. O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, ponderou que o principal motor do mercado de trabalho é o crescimento sustentado.
Burocracia reduzida
Para o cientista social e consultor em relações de trabalho José Pastore, professor na Universidade de São Paulo (USP), o Contrato Verde Amarelo tem condições de incentivar as contratações, na medida em que simplifica e reduz de forma “profunda” as despesas que as empresas têm na hora de contratar. Ele faz um contraponto com programas anteriores lançados pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 e Dilma Rousseff em 2011. “Para admitir um jovem desempregado, as empresas não precisarão fazer convênios com o Ministério do Trabalho e não terão tantas exigências sobre que tipo de trabalhador contratar como nos programas anteriores. Havendo interesse, elas simplesmente contratam, sem tanta burocracia”, afirmou em artigo publicado em seu site pessoal. Segundo ele, a desoneração da folha “é um alívio substancial” e dá mais segurança para as empresas, em especial, pequenas e médias. “Do lado do trabalhador desempregado, abre-se para ele uma oportunidade de emprego formal, momentaneamente com menos proteção, mas com prioridade de treinamento e chance de se transformar em um contrato padrão, com todas as proteções”, observa.
Justiça do Trabalho
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) divulgou nota em que afirma que “o governo parece confundir o custo fiscal das empresas com agressão aos direitos básicos dos trabalhadores”. A entidade diz ainda que dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que “nenhuma tentativa pautada na ilusória premissa da flexibilização de direitos resultou na criação de novos postos de trabalho”. A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) afirmou em nota que repudia “a indevida e inconstitucional interferência do Poder Executivo na atuação do Ministério Público do Trabalho” por meio da MP 905/19. O Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que está criando um grupo de estudos para analisar em profundidade todo o Programa Verde Amarelo.
Regulação excessiva
O professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ellery Jr, que é crítico ferrenho do PT e foi chamado para auxiliar na formatação do plano econômico de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral, foi um dos economistas a se levantar contra o Programa Verde Amarelo. “É de longe a pior das propostas de Paulo Guedes. Acrescentar distorções e regulações no mercado de trabalho (com direito a fiscalização para saber se a empresa cumpriu as travas?) vai na direção oposta da agenda reformista. Triste”, afirmou no Twitter.
Também nessa rede social, o professor associado da Universidade de Oxford Gabriel Ulyssea afirmou que a proposta é “mais uma política ruim acompanhada de uma previsão delirante de criação de empregos”. Segundo ele, as evidências mostram que “políticas ativas de mercado de trabalho tradicionais têm efeitos muito limitados e temporários sobre emprego”, e que há soluções mais modernas para incentivar o primeiro emprego de jovens, um problema mundial.
Primeiro emprego
Com a desoneração da folha prevista no Emprego Verde Amarelo, o governo quer facilitar a contratação de jovens, os quais tradicionalmente têm dificuldade para conseguir o primeiro emprego. A taxa de desocupação no Brasil chegou a 12% no segundo trimestre de 2019. Considerando apenas a faixa etária de 18 a 24 anos, por exemplo, o percentual sobe para 25,8%. Entretanto, a desoneração da folha e a limitação salarial em R$ 1,5 mil é um tipo de medida com muito gasto e pouca eficácia, avalia Gabriel Ulyssea, da Universidade de Oxford. Segundo ele, no mundo inteiro se discutem formas de facilitar o primeiro emprego de jovens, e há soluções mais modernas do que a apresentada pelo governo brasileiro. Ele cita um estudo recente que aponta que o subsídio no transporte e treinamento para se candidatar a empregos são duas medidas baratas e mais eficientes para os mais novos entrarem no mercado de trabalho.
Oportunidades para jovens
Apesar da alta taxa de desemprego entre os mais jovens, o mercado de trabalho formal é voltado para essa faixa etária. Mesmo durante a recessão econômica entre 2015 e 2016, o saldo de contratações de pessoas com 18 a 24 anos é o que sustentou o mercado de trabalho desde 2010. Na faixa de 25 a 29 anos, houve mais fechamento de vagas durante a crise, mas mesmo assim o saldo dos últimos nove anos é positivo. Entre os trabalhadores de 30 a 39 anos, também houve piora do cenário entre 2015 e 2016, seguida de leve recuperação, mas com dinamismo muito inferior do que ocorreu para os mais jovens, como mostram dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia.
O peso da experiência
Com o avanço da idade, o mercado de trabalho vai ficando mais restrito. O emprego formal para a faixa de 50 a 64 anos está se reduzindo continuamente desde 2011. Na faixa de 40 a 49 anos, a retração teve início depois, em 2014, mas também se mantém contínuo. O governo federal pretendia incluir as pessoas com mais de 55 anos no Emprego Verde Amarelo, com desoneração da folha, mas recuou diante da impossibilidade de encontrar uma fonte que cobrisse o custo fiscal da medida – para qualquer receita da qual se abra a mão, é preciso indicar como ela será compensada.
Renda deprimida
O emprego formal também está eliminado as vagas com salários mais altos, uma tendência observada desde 2010. De lá para cá, apenas as faixas iniciais, de até 0,5 salário mínimo, e de 0,5 a 1 s.m. registraram saldo positivo constante. Além de afetar cada trabalhador individualmente, a depressão da massa salarial no Brasil prejudica o crescimento econômico. A consultoria A.C Pastore & Associados fez um cálculo do rendimento médio real habitual do brasileiro entre o fim da recessão e agosto de 2019: crescimento de apenas 1,8% no período. “Há uma elevada correlação entre as vendas reais do comércio no sentido restrito e a massa salarial (...) A piora qualitativa do mercado de trabalho limita o crescimento da massa salarial, e reduz o crescimento do consumo”, aponta boletim de agosto da consultoria.
Com informações de Fernanda Trisotto e Roger Pereira