A trajetória do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), como eventual candidato ao Palácio do Planalto em 2026 pode ser comparada a um “voo de galinha”. Ele é um dos principais cotados do Partido dos Trabalhadores para disputar a sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso o presidente não possa se candidatar ou simplesmente decida não buscar a reeleição. Mas Haddad se viu desmoralizado nesta semana, depois que Lula sepultou publicamente a aposta de déficit zero feita pelo ministro.
O termo “voo de galinha” é usado por economistas para descrever os períodos curtos de crescimento econômico que marcam a história brasileira, sempre induzidos por fatores temporários e logo depois encerrados repentinamente por falta de bases sólidas para sustentá-lo. Mas ele também pode ser aplicado à curva desenhada pela rápida ascensão e súbita queda do prestígio de Haddad ao longo deste ano.
Inicialmente, Haddad precisou enfrentar a desconfiança de agentes financeiros, mas conseguiu superá-la graças a uma reconhecida postura de diálogo e cooperação com o mercado e com o Congresso. Esse reconhecimento foi impulsionado por um inesperado otimismo, que embalou investidores e consumidores, em meio a indicadores econômicos favoráveis no geral.
No entanto, após a aprovação de algumas pautas da agenda econômica do governo, sobretudo a reforma tributária na Câmara dos Deputados, o entusiasmo em torno de Haddad deu lugar ao desencanto. Nos últimos meses, o declínio se acelerou graças à crescente descrença na meta fiscal para 2024. Tal tendência se consagrou na sexta-feira (27), quando Lula disse que não quer estabelecer uma meta fiscal que o obrigue "a começar o ano fazendo cortes de bilhões nas obras".
O aviso de “pouso da galinha” feito pelo próprio presidente ao desacreditar o esforço fiscal da sua própria equipe econômica sugere a saída de Haddad do páreo entre presidenciáveis da esquerda, fortalecendo, inicialmente, o próprio Lula, ainda visto como a principal alternativa do PT. "O candidato do Planalto em 2026 sempre foi Lula", brinca Juan Carlos Gonçalves, diretor-geral do think tank Ranking dos Políticos.
Mas o ocaso do ministro também alimenta ambições de outros, a começar pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. Nomes nas bolsas de apostas, como os ministros Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) e Rui Costa (Casa Civil), dependem da conjuntura, com desdobramentos de fatos envolvendo o futuro de suas carreiras.
Em julho, Haddad encontrava-se no seu auge, desempenhando um papel ativo nas negociações da reforma tributária e de nova regra de governança para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Até mesmo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o elogiou.
“Eu queria fazer aqui uma vírgula, para enaltecer o trabalho no que diz respeito especialmente ao poder Executivo do ministro Haddad que participou de todas as conversas e foi importantíssimo para dar o subsídio necessário, para que na parte federativa, a reforma [tributária] tivesse caminhos para podermos construir um acordo global", disse Lira em 24 de julho, após aprovação da reforma tributária.
Haddad sente as consequências do "pior emprego do mundo"
Na situação inversa, Haddad encontrou-se com seu pior momento nos últimos dias de outubro. Em entrevista coletiva que deu na última segunda-feira (30), o ministro foi confrontado pelos jornalistas sobre as declarações de Lula em relação à meta de déficit zero em 2024.
Com evidente impaciência, Haddad respondia com desrespeito às perguntas e abandonou a reunião. Talvez tenha percebido por que o seu cargo é considerado “o pior emprego do mundo”, termo cunhado pelo analista político Thomas Traumann em seu livro sobre as dificuldades enfrentadas pelos ministros da Fazenda do Brasil.
No Senado, a principal medida estrutural da sua gestão, a reforma tributária, foi descaracterizada pela ação de vários lobbies, que emplacaram uma série de exceções à alíquota padrão de imposto. No retorno à Câmara, o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) deverá sofrer mais ajustes, sinalizados pelo "maior Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do mundo".
Mas há analistas que acreditam ter havido uma combinação de interesses entre Lula e Haddad que levou o presidente a sugerir uma visão oposta em relação ao equilíbrio das contas públicas. Isso porque, ao dizer que “dificilmente” o governo conseguirá cumprir a meta de déficit zero, prevista no arcabouço fiscal, ele assumiu o ônus da frouxidão fiscal, manteve o papel fiscalista de Haddad e ainda tirou dele a pressão por alcançar um objetivo “ousado demais”.
A conexão entre Lula e Haddad tem se mostrado firme ao longo dos últimos anos e das últimas eleições. O presidente venceu as pressões para fazer o ministro assumir o comando da economia e não criou grandes obstáculos para sua atuação. Quando estava preso em Curitiba, Lula escolheu Haddad para representá-lo nas eleições de 2018. Da mesma forma, em 2022, quando Lula buscou alguém para impulsionar sua candidatura à Presidência em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, delegou a missão de novo ao ministro, que foi candidato ao Palácio dos Bandeirantes.
Piora na avaliação pelo público confirma o desgaste de Haddad
O encanto da chamada Faria Lima – a avenida da capital paulista que reúne escritórios dos principais bancos e corretoras do país – com o ministro da Fazenda durou pouco. Ele foi visto como contraponto positivo às posturas de Lula, tidas como ameaçadoras para a estabilidade econômica, mas, sem conseguir dar segurança à evolução das contas públicas, Haddad e o governo se distanciam do mercado financeiro e passam a depender ainda mais do Congresso.
De acordo com a pesquisa Quaest encomendada pela Genial Investimentos e divulgada na quarta-feira (25), a avaliação do ministro da Fazenda piorou entre os brasileiros, que estão também mais pessimistas em relação à queda da inflação, desemprego e perda salarial. O desempenho de Haddad foi avaliado como regular por 30% dos entrevistados. Para 26%, a gestão é positiva e 26%, negativa. A pesquisa mostra que 50% da população acredita que a economia vai melhorar nos próximos 12 meses (eram 59% em agosto). Mas 29% veem piora (22% na pesquisa anterior) e 18% dizem que ficará do mesmo jeito (eram 16%).
Mas para o cientista político Luiz Filipe Freitas, a candidatura presidencial de Haddad em 2026 ainda não está sepultada. “Estamos chegando ao fim do primeiro ano, tendo em vista uma eleição municipal em 2024, uma reforma tributária e todo um planejamento econômico para os próximos anos”, ressalta. Ele reconhece que as falas incoerentes de Lula geraram desgaste para o ministro e que existe a vontade predominante no PT pela reeleição. “Mas o bom trânsito no Congresso ainda é diferencial de Haddad, o portador da chave do cofre”, disse.
Freitas avalia que, caso o fator idade do presidente, que terá 80 anos em 2026, interfira na decisão sobre a sua candidatura, e a economia, por sua vez, traga boas notícias, Haddad pode voltar ao tabuleiro. Marcus Deois, diretor da consultoria Ética Inteligência Política, acredita que, por ainda estarmos no primeiro ano do governo, "o cenário ainda é absolutamente imprevisível".
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