A Odebrecht abriu investigação interna para identificar eventuais delitos cometidos por seu ex-CEO Marcelo Odebrecht em meio à briga que trava com o pai, Emílio, e os atuais executivos pelo comando do grupo, apurou o jornal "O Estado de S. Paulo".
Dias atrás, o novo presidente da companhia, Ruy Sampaio, disse ao "Valor Econômico" que Marcelo fez "e continua fazendo" chantagem com a empresa, em busca de "dinheiro e poder". Na sexta (20), o ex-CEO foi demitido do grupo por justa causa, a pedido do pai. Como funcionário, ele recebia perto de R$ 100 mil por mês. A demissão foi comunicada por e-mail.
Os resultados da investigação interna, aberta nos últimos dias e conduzida pelo escritório Veirano Advogados, devem ser conhecidos em até dois meses e serão entregues ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Departamento de Justiça (DoJ) dos EUA, onde Marcelo firmou acordo de delação premiada.
A investigação foi pedida pelo conselho de administração do grupo, por meio do comitê de conformidade do conglomerado, e também vai apurar eventuais irregularidades de executivos e ex-funcionários do grupo.
Uma das bases da investigação é um documento secreto, assinado pela Odebrecht e Marcelo no dia 16 de novembro de 2016, duas semanas antes do fechamento do contrato de leniência do grupo e de 77 delatores com o MPF. No documento, em que as partes se obrigam a manter em sigilo por 20 anos e ao qual o jornal "O Estado de São Paulo" teve acesso, Marcelo exigiu, como contrapartida ao aceite da delação, o recebimento de R$ 143 milhões – além do pagamento da multa de indenização, que foi de R$ 73,4 milhões.
Deste total de R$ 216,4 milhões, cerca de R$ 70 milhões foram pagos por meio de um título de previdência (VGBL) emitido pela seguradora Sul América em nome da mulher de Marcelo, Isabela, e de suas três filhas. O pagamento aos familiares de Marcelo foi efetuado no dia 29 de novembro daquele ano, dois dias antes da assinatura final da leniência da Odebrecht.
Pelas regras da delação, o colaborador é obrigado a revelar todo o seu patrimônio. Segundo apurou o "Estado", Marcelo não teria revelado o título de previdência às autoridades, o que configuraria uma violação da delação, uma vez que houve a transferência de recursos para familiares, condição também aceita pela Odebrecht.
Nos termos do acordo secreto, a Odebrecht alega que o acerto foi feito porque a delação de Marcelo era "imprescindível para a continuidade das atividades empresariais" do grupo.
Caso seja provada a violação, o acordo de delação premiada poderá ser rescindido. Na prática, isso significa que o delator perde sua imunidade frente aos crimes praticados. Conforme estabelecem os termos da delação, os depoimentos, documentos e provas apresentados à Justiça são mantidos.
Marcelo Odebrecht foi condenado a mais de 30 anos de prisão por crimes de corrupção, mas o acordo de delação premiada reduz os efeitos da punição. Preso na operação Lava Jato em junho de 2015, ele passou à prisão domiciliar em dezembro de 2017 e progrediu para o regime semi-aberto em setembro deste ano.
Outra linha investigatória, segundo apurou a reportagem, é a formação de um "poder paralelo" de executivos com funções duplas dentro de várias empresas do grupo Odebrecht, que estariam colaborando para municiar Marcelo com informações sobre o conglomerado. De acordo com uma fonte, a nova direção do grupo demitirá, até janeiro, esses executivos.
A investigação apura também outras violações ao acordo de delação. Segundo apurou o "Estado", Marcelo também mantém contato com outros delatores, prática vedada.
Procurado, Marcelo Odebrecht afirmou, por meio de sua assessoria, que "esta é mais uma atitude rancorosa e vingativa por parte de Ruy Sampaio [presidente do grupo desde segunda-feira (16)] em retaliação à petição que recém- protocolei na PGR sobre o Refis da Crise e atos de obstrução à Justiça. Posso assegurar que, de minha parte, não existe nenhuma ilegalidade a ser ainda comunicada às autoridades".
Na autodeclaração entregue à PGR, Marcelo denuncia fatos contra seu cunhado Maurício Ferro, casado com Mônica Odebrecht, e que foi ex-vice-presidente jurídico da companhia; além de Newton de Souza, ex-executivo do grupo, braço direito de Emílio. A Odebrecht e o escritório Veirano não comentaram o assunto.
Briga entre pai e filho preocupa credores da Odebrecht
A briga entre pai e filho pelo poder do grupo Odebrecht, que está em recuperação judicial, se acentuou com a demissão por justa causa de Marcelo Odebrecht na sexta. O grupo alega que Marcelo foi exigindo mais recursos do que previamente combinado, fazendo ameaças aos executivos. Essa disputa acabou levando à troca de comando, com a saída de Luciano Guidolin e a entrada do novo presidente do grupo, Ruy Sampaio.
Homem de confiança de Emílio, Ruy Sampaio acusa Marcelo de chantagear e montar um esquema de extorsão dos atuais executivos em busca de "dinheiro e poder" para voltar ao comando do grupo.
A disputa famíliar preocupa os credores da empresa, que entrou em recuperação judicial, com dívidas declaradas de R$ 55 bilhões. O plano de reestruturação deve ser votado em janeiro.
"Houve um escalada de rancor e vingança por parte de Ruy Sampaio", diz Marcelo
Após ser demitido, Marcelo Odebrecht pediu à diretoria de compliance do grupo o afastamento do diretor presidente Ruy Sampaio, por violação de conduta. Em troca de mensagens com diretores da área de governança, obtida pelo "Estado", o empresário afirmou que a medida é importante para "restabelecer a normalidade na condução dos negócios da empresa, neste momento de profunda gravidade".
Segundo ele, por trás da demissão está sua decisão de protocolar na Procuradoria Geral da República (PGR) uma autodeclaração sobre os temas divulgados na mídia nos últimos dias.
Para Marcelo, trata-se de uma retaliação pessoal e caracteriza mais uma grave obstrução à Justiça. “Fica evidente que por causa da autodeclaração houve esta escalada recente de rancor e vingança por parte de Ruy Lemos Sampaio.”
No e-mail enviado a Olga Pontes, chefe de compliance da Odebrecht, Marcelo afirma que Sampaio, na qualidade de diretor presidente da empresa, se utiliza de informações protegidas e entregues no âmbito do compliance e dos comitês de ética, a que teve acesso na condição de conselheiro, para tomar ações contra o denunciante. “Essa violação representa, por si, afronta definitiva ao Código de Conduta da Odebrecht e à sua governança”, o que justificaria seu afastamento.
A briga entre Marcelo e Sampaio se intensificou com a troca de comando da Odebrecht, no início da semana. Luciano Guidolin, que estava à frente do grupo desde maio de 2017, foi substituído por Ruy Sampaio, desafeto de Marcelo e homem de confiança de Emílio, o patriarca da família Odebrecht.
Na quinta-feira (19), o vazamento de uma série de e-mail de Marcelo azedou ainda mais o clima com seu pai. Nas mensagens, ele afirmava que Emílio era o responsável pela recuperação judicial da empresa. No dia seguinte, Sampaio concedeu entrevista e afirmou que Marcelo havia feito chantagem com o grupo para assinar o acordo de delação com o Ministério Público Federal. Em troca, teria recebido R$ 240 milhões.
Nos e-mails enviado ontem aos diretores de compliance, Marcelo afirma que sua minuta de petição havia vazado na mídia e, por isso, protocolou a autodeclaração na PGR. “Ontem [quinta-feira] passei o dia inteiro tentando apagar o fogo que espalharam na mídia. Missão quase impossível com tanto incendiário querendo prejudicar a empresa, proteger seus próprios interesses e explodir relações familiares.”
No fim do dia, Marcelo voltou a escrever para os diretores inconformado com as declarações da empresa de que sua demissão havia sido definida pelos monitores externos independentes do Ministério Público Federal e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ).
“Acabei de saber pela imprensa que a empresa está se posicionando dizendo agora que minha demissão foi por conta dos monitores. O que obviamente não condiz com o comunicado enviado diretamente por Ruy Sampaio.”
Marcelo completa ainda que o tema estava suspenso até que “se avaliasse com o DoJ a questão da manipulação dos meus relatos que a própria empresa confirmou em carta assinada por meu pai [Emílio], Newton de Souza, Adriano Jucá e Mauricio Ferro”.
Para completar, o empresário diz ainda que há mais de quatro ano não tem nenhum poder de direito ou de fato dentro da empresa, estando completamente afastado das decisões e com dificuldade de obter informações necessárias para a efetividade de seu acordo.
“Hoje, na prática, só posso fazer o que qualquer cidadão pode: expressar minha opinião. O que acho que no fundo amedronta, é que todos sabem que na qualidade de colaborador, tendo assumido meus erros e com toda minha vida tendo sido devassada, me expresso sem amarras, comprometido apenas com a verdade e na busca do que é o certo.”
E termina: “Vou continuar nessa linha, e só indo a empresa pontualmente quando demandado, como fiz até agora, tendo ido aí pontualmente e em apenas 11 ocasiões desde que pude sair de casa em setembro, ao contrário do que procuram propagar”.
Em nota, a Odebrecht, por sua vez, informou que o Conselho de Administração da empresa acatou a recomendação dos monitores do MPF e do DOJ dos EUA. "A decisão de demissão, portanto, foi do Conselho de Administração, composto por cinco membros, dos quais três independentes", informou o grupo.