O governo Lula decidiu não assinar uma declaração conjunta pactuada por 55 países que denuncia os crimes de Daniel Ortega, ditador da Nicarágua, durante uma reunião realizada nesta sexta-feira (3) no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Segundo informações do UOL, representantes do governo brasileiro chegaram a sugerir mudanças no texto final pedindo que houvesse mais espaço para diálogo com a ditadura de esquerda instalada por Ortega. A proposta, entretanto, foi considerada inadequada pelos demais países.
Países como Estados Unidos, Austrália, Canadá, Alemanha e França assinaram o documento, que foi endossada até mesmo por governos latino-americanos de esquerda, como Chile, Peru e Colômbia. O presidente chileno Gabriel Boric, por exemplo, destacou o caráter ditatorial de Ortega na ONU, enquanto representantes do Brasil permaneceram em silêncio.
Segundo a constatação de peritos da ONU, o regime de Daniel Ortega praticou crimes contra a humanidade. "Violações generalizadas dos direitos humanos que equivalem a crimes contra a humanidade estão sendo cometidas contra civis pelo governo da Nicarágua por razões políticas”.
Há uma tentativa em curso para que a comunidade internacional imponha sanções a instituições e indivíduos envolvidos no cometimento dos crimes. "Os supostos abusos – que incluem execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, tortura, privação arbitrária da nacionalidade e do direito de permanecer no próprio país – não são um fenômeno isolado, mas o produto do desmantelamento deliberado das instituições democráticas e da destruição do espaço cívico e democrático", diz trecho do relatório assinado pelos países.
O relatório da ONU afirma que há um padrão de execuções extrajudiciais conduzidas por membros da Polícia Nacional e por grupos armados pró-Ortega. O ditador obstruiu investigações sobre quaisquer mortes relacionadas ao regime. Desde 2018, mais de três mil organizações da sociedade civil foram fechadas pelo governo. Desde o ano passado, o ditador intensificou a perseguição à Igreja Católica ao prender padres e bispos, expulsar freiras missionárias do país e fechar emissoras de rádio e TV católicas.
Relacionamento entre Lula e Ortega está bem documentada
Como mostrou reportagem da Gazeta do Povo, uma das primeiras aproximações explícitas entre Lula e Ortega foi a fundação do Foro de São Paulo, organização que diz em site próprio que foi fundada “a partir de uma convocatória dos ex-presidentes Lula e Fidel Castro a partidos, movimentos e organizações de esquerda em julho de 1990”. Castro foi o ditador de Cuba por 46 anos.
O partido de Ortega, Frente Sandinista de Liberación Nacional (FSLN), é listado como membro, junto ao partido da ditadura venezuelana (Partido Socialista Unido da Venezuela — PSUV). Em 2018, quando o ditador da Nicarágua reprimiu a oposição, com mais de 360 vítimas fatais, o Foro de São Paulo publicou nota em “apoio irrestrito” ao “camarada Daniel Ortega”, denunciando “o vandalismo da direita e das organizações financiadas pela contrarrevolução que, com o apoio do imperialismo ianque, encheram de luto os lares nicaraguenses”.
Em 2007, Lula, na época presidente da República, visitou a Nicarágua após vitória eleitoral de Ortega. Como noticiou na época a BBC Brasil, Lula disse que sentiu uma emoção diferente visitando o país, pois foi lá que conheceu Fidel Castro. “Vivi todo o trabalho que o presidente Daniel Ortega fez para consolidar a Nicarágua como país soberano”, disse Lula na época, prometendo tantos acordos quanto necessários para promover a “justiça social” no país. O próprio nicaraguense fez as vezes de motorista para buscar o amigo no aeroporto.
Os acordos vieram: em 2009, foi concluído um plano de construção da Usina Hidrelétrica de Tumarin com investimento de 500 milhões de dólares com participação do BNDES (banco estatal brasileiro). Corrigindo com a inflação e a cotação atual do dólar, equivalem a R$3,6 bilhões hoje. O plano era da Eletrobrás e de uma empresa afiliada à empreiteira Queiroz Galvão. Em 2014 e 2016, o diretor presidente da Queiroz Galvão foi preso pela operação Lava Jato, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa e tentativa de obstrução de investigação. O Tribunal de Contas da União (TCU) impediu o repasse de recursos para a construção da hidrelétrica em 2016. Na época, o orçamento tinha subido para US$1,2 bilhão (R$7,7 bilhões hoje).
Em matéria de 28 de julho de 2010, o site G1 informou que Lula expressava intimidade com o ditador: brincou que ambos integrariam um “eixo do mal” durante uma recepção oficial a Ortega. A matéria especula que seria uma menção direta ao termo do presidente americano George W. Bush para seus adversários na Guerra do Iraque: sinal de uma irmandade em oposição aos Estados Unidos, bandeira comum na esquerda latino-americana. “Nossa relação é parte integrante de um eixo latino-americano e caribenho, em franca expansão, que busca modelos de desenvolvimento progressistas”, disse o petista.
A única interrupção aparente de apoio de Lula a Ortega, desde a fundação do Foro de São Paulo, foi em uma entrevista que Lula deu à jornalista Sabina Berman, do México, em julho de 2021. Berman citou Ortega explicitamente como exemplo de uma esquerda antidemocrática do continente. Na resposta, Lula faz elogios à democracia sem mencionar Ortega, e alega que disse a Hugo Chávez (Venezuela) e Álvaro Uribe (Colômbia) apenas, não a Ortega, que “toda vez que um governante começa a se achar insubstituível e toda vez que um governante começa a se achar imprescindível, está surgindo um pouco de ditadura naquele país”.
O mês de novembro de 2021 é crucial para entender que a relação amistosa de Lula e do PT com o regime de Ortega perdura até hoje. Defendendo Ortega em uma entrevista ao jornal El País, Lula perguntou “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder, e Daniel Ortega não? Por que Margaret Thatcher pode ficar 12 anos no poder, e Chávez não?” No dia 10, o PT apagou discretamente uma nota de apoio a Ortega depois que ele foi “eleito” para seu quinto mandato, resultado amplamente considerado fraudulento, com todos os opositores do ditador presos ou exilados.
Em vídeo publicado no dia 30 do mesmo mês no próprio canal de Lula no YouTube, de uma entrevista realizada pelo grupo gaúcho de comunicação RBS, o jornalista Leandro Staudt perguntou a Lula se Nicarágua, Venezuela e Cuba são democracias. O candidato respondeu mencionando as eleições da Venezuela, em que a oposição teria ganhado mais votos, porém, segundo ele, ela teria perdido para o ditador Maduro por se dividir em partidos demais. No mesmo mês, uma Missão de Observação Eleitoral da União Europeia, a primeira em 15 anos, publicou relatório em que declarou que “a falta de independência judicial e o desrespeito pelo Estado de direito afetaram negativamente a igualdade das condições de concorrência e a equidade e transparência das eleições” venezuelanas.
Lula também explicou que sua declaração anterior, comparando Ortega a Merkel, na verdade era uma comparação da longevidade de mandatos de primeiros-ministros no parlamentarismo ao tempo mais curto considerado normal para presidentes, no presidencialismo. A jornalista Rosane de Oliveira, presente na entrevista, aproveitou a comparação para informar que “no caso específico, o que o Daniel Ortega fez foi prender os adversários, esta é a diferença”. Driblando o assunto, Lula respondeu: “mas eu não vi vocês ficarem incomodados quando eu fui preso injustamente”.
Ortega não é consenso entre comunistas. A Liga Internacional de Trabalhadores Quarta Internacional, que existe desde 1982, acusa Ortega de ser um traidor em artigo republicado em 2018, e diz que os jovens do país “são mortos por um governo isolado e que carece de qualquer vestígio de legitimidade”. Enquanto isso, no site do Partido dos Trabalhadores de Lula, não há artigos críticos marcados com o nome de Ortega, apenas artigos elogiosos.
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