A instituição do Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (Sinc), a plataforma para ocupação de cargos comissionados para o governo federal, fortalece o peso do Casa Civil e da Secretaria de Governo dentro da estrutura federal. A implantação do Sinc foi oficializada por meio do Decreto 9.794, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e publicado no Diário Oficial na última quarta-feira (15). O decreto passa a vigorar em 25 de junho.
O Sinc formaliza o rito que deve ser adotado por ministérios, universidades federais e outros órgãos vinculados ao Executivo na hora de nomear um comissionado. Quem for indicado a cargos de confiança no governo passará por uma análise prévia, podendo a contratação ser barrada se não atender a requisitos como experiência profissional e idoneidade.
A contratação de empregados de fora do serviço público e a concessão de funções gratificadas aos concursados são alvo de controvérsia no meio político. As indicações quase sempre são contestadas porque representariam um "inchaço" do Estado e também por serem ferramentas do chamado "toma-lá-dá-cá", que é a cessão de espaço na máquina pública em troca de apoio no Parlamento.
Casa Civil e Secretaria de Governo são comandadas, respectivamente, por Onyx Lorenzoni e Santos Cruz. Lorenzoni é deputado federal licenciado e tem sido criticado por opositores e aliados do governo, que veem falhas no diálogo entre o ministro e o Congresso. General da reserva, Santos Cruz é um dos militares do primeiro escalão do governo Bolsonaro e, recentemente, ficou sob a mira de ataques do filósofo Olavo de Carvalho.
Sistematização
A implantação do Sinc é parte de um processo de prevenção à corrupção que o governo federal implantou ainda na gestão de Michel Temer. Na ocasião, os ministérios foram obrigados a executar planos de integridade com, entre outros tópicos, a menção a possíveis ameaças dentro de suas estruturas. A Casa Civil, em seu plano publicado em novembro de 2018, citou 20 processos sujeitos a riscos – entre eles, as nomeações de funcionários.
O sistema, entretanto, já existia desde 2017, ainda que em caráter não obrigatório. A plataforma foi, desde então, substituindo um modelo de escolha dos funcionários que tinha processos tidos como rudimentares – a sistemática começava com o envio de um e-mail à Casa Civil, em que o órgão que queria o novo empregado informava seu interesse. A partir dali, Casa Civil e Secretaria de Governo desempenhavam os trâmites necessários à contratação, o que se dava sem metodologia rígida.
Com o Sinc, o passo a passo das nomeações passa a ser mais transparente. O tempo despendido em cada etapa pode ser acompanhado pelas equipes envolvidas. Demais passos que já se aplicavam, como análises dos nomes indicados por parte da Controladoria-Geral da União e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), estão mantidos. Também permanece a condição de que a palavra final é da Casa Civil, após pareceres da Secretaria de Governo.
A adoção obrigatória do Sinc tem relação também com o "banco de talentos" anunciado pelo governo federal em fevereiro. O banco, divulgado pelo Planalto como um antídoto ao "toma-lá-dá-cá", reúne currículos de servidores públicos e trabalhadores externos que podem ser posicionados em funções comissionadas da estrutura federal.
O destaque recebido por uma iniciativa de Casa Civil e Secretaria de Governo fortalece os titulares das pastas, que têm passado por ataques.
Na "linha de tiro"
Lorenzoni foi um dos pivôs de um dos mais recentes tumultos do governo Bolsonaro, o "recuo do recuo" dos cortes na educação. Na noite de terça-feira (14), líderes partidários da Câmara – entre eles o do partido de Bolsonaro, Delegado Waldir (PSL-GO) – declararam que ouviram do presidente da República uma ordem para que os contingenciamentos fossem suspensos.
A notícia se espalhou, principalmente porque no dia seguinte o ministro da Educação, Abraham Weintraub, iria à Câmara dos Deputados e protestos haviam sido convocados para todo o país. Minutos depois, entretanto, a Casa Civil desmentiu o anúncio.
O titular da Casa Civil foi também contestado pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) por conta das dificuldades que o governo federal encontra para aprovar a Medida Provisória 870, a que modifica a estrutura da Presidência e dos ministérios. "Se o governo definiu uma MP 870 e o ministro do DEM não consegue os votos do DEM, aí está", escreveu a parlamentar em seu perfil no Twitter.
O DEM, partido de Lorenzoni e que tem outros dois ministros, tem mostrado sinais de insatisfação com o Planalto, e votou pela ida de Weintraub à Câmara e pela retirada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça.
Santos Cruz, por sua vez, foi alvo novamente do "guru" Olavo de Carvalho. Na quinta-feira (16), Olavo disse: "já era previsível para mim a transformação do general Santos Cruz numa espécie de supergovernante. Ele sempre lutou para isso e conseguiu o que queria. Não sei como, não sei que argumentos ele usou com o presidente. Eu sei que, depois de terem sido detectadas condutas irregulares, e até criminosas, ele foi promovido". A fala foi em entrevista ao site Crítica Nacional.
Universidades, ponto de críticas
O artigo 22 do decreto motivou críticas por parte de parlamentares da esquerda. O texto diz que compete à Secretaria de Governo a avaliação de indicação de "dirigente máximo de instituição federal de ensino superior", ou seja, reitores e diretores. Os opositores de Bolsonaro entenderam que a redação indica um ataque à autonomia universitária, com a definição de reitorias subordinada ao aval de Santos Cruz.
PSOL e PSB protocolaram, na Câmara, projetos de decreto legislativo contra o texto. "Claramente esta redação faz parte da guerra ideológica que se tornou a única política pública implementada pelo Ministério da Educação na atual gestão. O governo já se manifestou contrário ao processo de eleição para reitor, não dando garantias de respeito a indicação dos mais votados nos processos democráticos", diz o documento elaborado pelo PSOL.
“É mais uma tentativa de atacar a autonomia das universidades para enfraquecê-las. Isso vai ter o efeito contrário: os protestos vão crescer. E nós, da oposição, vamos lutar para derrubar esse decreto aqui no Parlamento”, endossou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).