As organizações criminosas responsáveis pelo contrabando de mercadorias nas fronteiras brasileiras tiveram, em seis meses, um prejuízo de pelo menos R$ 4,5 bilhões com as operações coordenadas pelo Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Operações Integradas (Seopi). Os números são referentes apenas à operação Hórus no Paraná, um dos cinco pontos de atuação em fronteiras do Projeto Vigia. A operação também atua em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre.
Segundo o coordenador-geral de fronteiras da Seopi, Eduardo Bettini, a estimativa é possível graças a um trabalho de reconhecimento da região feito antes da deflagração da operação, que constatou a passagem de 200 embarcações por dia com contrabando através do Rio Paraná, em Foz do Iguaçu. Bettini diz que a estimativa de prejuízo das organizações criminosas é conservadora, pois considera que as embarcações teriam apenas cargas de cigarro contrabandeado – mais barato que outros produtos, como armas, drogas e munições.
“Se considerar o valor das cargas de cigarro, dá uma negativa de lucro para as organizações criminosas de aproximadamente R$ 4,5 bilhões, só nesse período de bloqueio”, explica o coordenador-geral de fronteiras.
Só no Paraná, já foram apreendidos nos primeiros seis meses do Projeto Vigia 18,7 milhões de maços de cigarros, 145 veículos, 50 embarcações e 3,6 toneladas de drogas, segundo o Ministério da Justiça. “A gente tem conseguido melhorar o resultado das apreensões”, diz Bettini.
As cargas apreendidas pelas forças policiais na fronteira do Paraná com o Paraguai e a Argentina somam R$ 110 milhões, segundo o coordenador de fronteiras. Com o trabalho na região, o país deixou de perder R$ 100 milhões em impostos e tributos.
Segundo estimativa do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) do Ministério da Justiça, o Brasil perde R$ 100 bilhões por ano para a pirataria. Além disso, o dinheiro do contrabando e do tráfico alimenta organizações criminosas como o PCC, por exemplo.
Ao dificultar o contrabando, o governo atua para enfraquecer o poder econômico dessas organizações, que financia outros tipos de crime. Há pelo menos 20 crimes associados ao contrabando, que vão desde a corrupção e lavagem de dinheiro ao roubo de veículos – que também tendem a diminuir com o cerco nas fronteiras.
Operações permanentes na fronteira já trazem reflexos para a população local
Para além dos números de apreensões, prejuízo para organizações criminosas e prejuízo evitado aos cofres públicos, o Projeto Vigia já começa a trazer reflexos para a população que vive nas regiões monitoradas. Segundo Bettini, o primeiro reflexo da presença do Estado nessa região é o aumento de denúncias, que são responsáveis por grande parte das apreensões.
“As pessoas não tinham esse costume de denunciar. Hoje em dia, as denúncias são responsáveis por grande parte das nossas apreensões, coisa que não existia antes. A gente percebe que a população realmente está acreditando no nosso trabalho”, diz Bettini.
Apertar o cerco contra organizações criminosas na fronteira também fez com que o espaço fosse retomado pela população.
“Outro tipo de mudança é o que a gente costuma chamar de salário indireto do policial; é uma satisfação que ele sente que é como se fosse um ganho. São pescadores e pessoas que mandam mensagens em grupos no Whatsapp dizendo que agora podem pescar à noite no rio. O rio tinha uma espécie de toque de recolher a partir das 18 horas”, conta Bettini. “O rio voltou a ser um local seguro. Isso nos dá uma satisfação muito grande”, completa.
Segundo o coordenador de fronteiras, a escassez de mão de obra para trabalho lícitos também diminuiu na região. “Os empresários dizem que voltou a ter mão de obra disponível, por exemplo, em oficinas, em setores em que os empresários tinham dificuldade de encontrar mão de obra de jovens que quisessem aprender algum trabalho”, diz. “Estão deixando a vida do crime.”
Segundo Bettini, havia uma rede de criminosos na região que serviam como olheiros e batedores. O trabalho deles era observar a polícia e avisar integrantes das organizações criminosas. “Quando você pega um jovem e oferece para ele uma possibilidade de ganho tão fácil e substancial, ele dificilmente vai buscar o caminho do estudo e do trabalho. Agora que está diminuindo essa oferta de trabalho ilícito, eles estão buscando o mercado lícito de trabalho”, explica.
Projeto Vigia tem cinco pontos de atuação
O Projeto Vigia atualmente atua em cinco estados de forma permanente. Esse, inclusive, é um dos diferenciais das operações, segundo Bettini. “É uma mudança no conceito das operações de fronteira. Nós tiramos aquelas operações episódicas, onde havia movimentação grande de recursos, pessoal e equipamentos para a região de fronteira, e essas operações permaneciam por pouco tempo. Nós mudamos esse conceito. Trabalhamos com equipes menores, mais especializadas. Trabalhamos com fusão de equipes, instituições integradas. E nosso conceito agora é de operações permanentes, não temos data e não vamos sair da região onde a gente está atuando.”
O fato de a operação ser permanente, porém, não quer dizer que ela seja estática, segundo o coordenador. “Conforme o crime for sendo controlado nessas regiões e conforme ele for migrando para outras regiões, nós também vamos migrando. Nosso programa é completamente adaptável”, diz Bettini.
Além do Paraná, as forças policiais atuam também no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Em Rondônia, o Projeto Vigia chegou há pouco mais de uma semana e já foram apreendidas sete armas e quatro caminhões com madeira ilegal e motosserras. No Acre, que também passou a ter ações do projeto recentemente, em apenas dois dias de operação foram apreendidas drogas anabolizantes.
O Projeto Vigia deve chegar ainda neste ano ao Rio Grande do Sul. Também há previsão de deflagração de uma operação permanente no Amazonas.
Perfil do contrabando varia em cada estado
O perfil dos produtos contrabandeados é diferente em cada uma das regiões onde o Projeto Vigia atua, segundo o coordenador-geral de fronteiras. No Paraná, é mais comum o contrabando de cigarros e eletrônicos, além do tráfico de armas e munições.
No Mato Grosso do Sul, o Projeto Vigia identificou maior incidência do tráfico de maconha. Também passam por ali armas e contrabando. Já no Mato Grosso, o que mais é apreendido, segundo Bettini, é cocaína.
O contrabando relacionado a crimes ambientais é mais comum em Rondônia. Enquanto isso, pelo Acre, entram no país remédios falsificados e drogas.
Atuação do Ministério da Justiça nas fronteiras
O Projeto Vigia garante autonomia para as forças policiais locais atuarem no combate ao contrabando. O papel do Ministério da Justiça é de governança, coordenação das operações, capacitação de pessoal a fornecimento de equipamentos, diz Bettini.
O dinheiro para tudo isso, segundo o coordenador de fronteiras, vem do próprio crime. “O dinheiro vem, muitas vezes, do próprio crime. No caso da Senad [Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas], que é uma grande parceira da Seopi e está fazendo um aporte de dinheiro para nós, que é dinheiro que vem de leilões de veículos e imóveis do tráfico”, explica.
Desde o início do ano, a Senad já arrecadou R$ 55,1 milhões para o Fundo Nacional Antidrogas. Boa parte desses recursos vieram de leilões de bens apreendidos em investigações do tráfico de drogas e será usada para equipar as fronteiras. O governo também assinou uma Medida Provisória, que já foi aprovada pelo Congresso, para agilizar a venda desse tipo de bens. A meta da Senad é leiloar pelo menos 20 mil bens só neste ano.
Além disso, o Projeto Vigia também recebe aportes do Exército, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e do Fundo Nacional de Segurança Pública (Funasp). “Também estamos buscando outras fontes de recurso, por exemplo, trabalhar junto com a Senacon e com o FNDD, tentar obter recursos através de editais do Fundo Nacional de Direitos Difusos. Por exemplo, a operação tem um lado forte, principalmente quando a gente vai trabalhar no Norte, em relação ao crime ambiental, e isso impacta diretamente nos direitos difusos”, explica Bettini.
As ações na fronteira também contam o orçamento próprio da Seopi. E o Ministério da Justiça também busca alavancar os recursos através de arredação pelos estados. “Nós fizemos uma cartilha de emendas parlamentares como sugestão para os estados de emendas para levar recursos para os estados de fronteiras. Temos uma cartilha que totaliza R$ 170 milhões, onde os estados podem, através da bancada do estado ou da região, através das emendas, direcionar recursos para as fronteiras”, diz Bettini.
A estimativa do Ministério da Justiça é aplicar, até o final do ano, cerca de R$ 44 milhões em operações permanentes nas fronteiras do país.