A oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Câmara articula a convocação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), para prestar esclarecimentos sobre a política econômica do governo e se posicionar sobre as recentes críticas de Lula e de parte da base governista contra a autonomia do Banco Central (BC) e a gestão do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto.
O objetivo da oposição é responder à altura as críticas e movimentos do governo e da esquerda de forma estratégica. O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), por exemplo, protocolou na quarta-feira (8) um requerimento para que Campos Neto seja convocado pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e explique a política monetária do país.
Os requerimentos de convocação são diferentes dos de convite e são usados politicamente como formas de "enquadrar" a autoridade em questão, uma vez que, na convocação, existe a obrigação de comparecimento sob pena de incorrer em crime de responsabilidade. É com o mesmo intuito que os opositores planejam uma convocação de Haddad, a fim de emparedar Lula e seu governo tendo seu chefe da equipe econômica como intermediário.
"Só vamos esperar passar o carnaval e, assim que as comissões estiverem instaladas e os trabalhadores voltarem tudo certinho, podemos propor isso", diz o deputado federal Evair Vieira de Melo (PP-ES), que é cotado para assumir a liderança da minoria na Câmara, um espaço de oposição ao governo vigente.
O parlamentar propõe uma oposição programática e estratégica contra Lula e sustenta que o regimento da Câmara permite o instrumento do convite e até o da convocação a um ministro de Estado. O parlamentar cita, porém, a proposta de um convite, que poderia ser negado por Haddad. "A oposição não tem dificuldade em fazer convite de uma audiência pública e posso ser até o autor de um convite", destaca.
A proposta de convite não inviabiliza uma posterior convocação, mas outros opositores discordam da estratégia. O deputado federal Sanderson (PL-RS), por exemplo, fala em convocar não apenas Haddad, mas também o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. "Vamos pedir a convocação dos dois, para que possam responder sobre essa questão do Banco Central, como também sobre a questão da substituição do atual presidente do Banco dos BRICS, um economista respeitado, pela [ex-presidente petista] Dilma Rousseff", sustenta.
O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) é outro a defender a ideia. Ele entende e concorda com as críticas de Lula ao atual patamar da taxa básica de juros (Selic), de 13,75% ao ano, mas discorda sobre a forma como o PT tem se posicionado. Para ele, o partido constrói uma narrativa de associar Campos Neto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e de responsabilizar o presidente do BC pelos juros elevados.
"O PT tenta criar uma narrativa de politização do Banco Central de que tem um bolsonarista na presidência que teria interesses do não crescimento do país [pare prejudicar Lula]. Então, se o PT acha que Bolsonaro tem a presidência do BC, Lula tem a liderança da Fazenda", comenta. "Se eles querem politizar convocando o presidente Campos Neto para fazer politização, nós também vamos convocar o homem de Lula [Haddad]. E aí, cada um vai ter o seu espaço para defender a sua política econômica", complementa Otoni.
Movimento da oposição a Haddad agrada até deputados independentes
Além da oposição, a ideia de que Haddad esclareça sua política econômica é defendida por alguns parlamentares mais independentes em relação ao governo, sobretudo em um contexto de debate sobre a política monetária com Campos Neto. O deputado José Nelto (PP-GO) é um dos entusiastas da ideia.
"Tem meu apoio integral, porque eu estou no Congresso nem para agradar bolsonarista, nem petista. Estou no Congresso na defesa do Brasil, na defesa do povo. Será o grande momento de debatermos por que o Brasil não abre o mercado financeiro para todos os bancos do planeta. Qual é o motivo? São as leis trabalhistas? Outras leis? O que o governo e o Banco Central podem fazer a respeito disso? O que os bancos internacionais querem do Brasil?", comenta Nelto.
O parlamentar defende uma ampla abertura do sistema financeiro, como ocorre nos Estados Unidos e em outras economias desenvolvidas, e promete atuar em defesa de um amplo debate sobre o tema por meio de convites a Haddad e Campos Neto. "Vamos colocar os 'pingos nos is' para discutir a saída para quebrar os monopólios dos bancos no Brasil e abrir o mercado", comenta.
O deputado manifesta seu interesse em questionar Haddad e Campos Neto sobre as políticas econômica, do governo, e monetária, do BC, a exemplo de como é feita a avaliação da taxa Selic e a composição do Comitê de Política Monetária (Copom) da autoridade monetária. Nelto reitera, porém, seu entendimento de aproveitar a ocasião para abrir um debate sobre o sistema financeiro. "O sistema financeiro é tão perverso que manda no presidente da República, no ministro da Fazenda, no Banco Central e até no Congresso Nacional", critica.
O deputado Evair de Melo acha interessante a ideia de uma mesa redonda entre o ministro da Fazenda e o presidente do BC. "Podemos fazer um convite para que o Haddad possa debater com o Roberto Campos em uma mesa redonda sobre o tema [política monetária do Banco Central e sua autonomia]", diz Melo. "Vai até dar tempo para o Haddad estudar. Vai ser, no mínimo, divertido e democrático", provoca o parlamentar da oposição.
Como a oposição a Lula no Senado se posiciona sobre postura do governo
Autor do projeto de lei (PLP 19/2019) que originou a lei que assegurou a autonomia ao BC, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) se diz "totalmente favorável" ao convite não apenas a Haddad, mas também a Campos Neto. "O Campos Neto para que a gente possa dissipar todas essas dúvidas que existem ainda e para que ele possa se defender e explicar aos senadores", destaca.
O senador tucano esclarece, porém, que, como autor da lei, elaborou um dossiê que planeja entregar nesta semana a cada senador para esclarecer sobre a autonomia do BC. "É um pequeno relatório sobre o que é um Banco Central autônomo e os avanços obtidos [com a lei]. É bom ele [Campos Neto] falar", diz.
Valério explica que a própria lei que assegura a autonomia prevê que o presidente da autoridade monetária deve comparecer ao Senado uma vez a cada semestre para apresentar "relatório de inflação e relatório de estabilidade financeira, explicando as decisões tomadas no semestre anterior".
Sobre um convite a Haddad, Valério defende sob o argumento de que é preciso "entender o que ele realmente quer". "Porque o Haddad diz uma coisa, embora depois ele seja repreendido, e o Lula diz outra em relação principalmente à autonomia. O Parlamento é a Casa para que a gente possa esclarecer e tirar as dúvidas que prejudicam e deixam tensos os brasileiros", diz. O PSDB adotou a oposição contra o governo Lula.
A base do governo no Senado já manifesta um interesse semelhante ao organizado na Câmara. O líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), afirmou na quarta-feira que a base planeja convidar Campos Neto para debater sobre os juros na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
A expectativa do senador é de que Campos Neto atenda ao convite. "Depois do carnaval, a CAE o convidará [o Campos Neto] para debater a questão dos juros. Ele virá, como sempre veio", declarou o líder do PSD.
Alencar esclareceu ter uma boa relação com o presidente da autoridade monetária e defendeu as críticas feitas por Lula. "A crítica do presidente Lula é aos juros altos. Se ele [Campos Neto] baixar o juro, o presidente vai dizer que ele é o melhor presidente [do Banco Central] do mundo", comentou.
Opositores criticam a postura de Lula e entendem que se tratar de uma forma de pressionar a renúncia de Campos Neto. "Para forçar a saída do presidente do Banco Central, Lula quer alegar incompetência. Campos Neto ajudou o Brasil a superar a inflação no cenário pós-pandemia! Inventa outra, presidente! Só para lembrar, o Banco Central é independente", destacou o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS) em publicação no Twitter.
Líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN) usou as redes sociais para assegurar que a oposição fará sua parte para "defender as conquistas estruturantes do país". "Em vez de governar, Lula continua dizendo lulices: sabota a economia atacando a autonomia do Banco Central, a modernização dos marcos regulatórios e, agora, a capitalização da Eletrobras”, disse no Twitter.
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