A coletiva organizada por parlamentares brasileiros nos Estados Unidos, nesta terça-feira (12), mostra que a oposição brasileira busca na internacionalização das pautas internas como uma forma de pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a recuar no ativismo judicial. Com as recentes penas aplicadas pela Corte aos envolvidos no 8 de janeiro, os congressistas buscam conscientizar autoridades estrangeiras sobre os atos do tribunal.
O reconhecimento das atitudes do STF por parte do deputado americano Chris Smith durante a coletiva, que acusou a Corte de censura, indica que os congressistas brasileiros conseguiram, em certa medida, maior atenção de agentes internacionais do que em ocasiões anteriores.
A crítica feita pelo bilionário Elon Musk, fundador da Tesla e dono do X (antigo Twitter), sobre a prisão do motoboy Wellington Luiz Firmino endossa a percepção dos deputados de que suas denúncias estão sendo ouvidas. Firmino foi condenado pelo STF a 17 anos de prisão. No 8 de janeiro de 2023, ele subiu 28 andares e ficou isolado no alto de uma das torres do Congresso por mais de uma hora.
Questionado sobre a importância do evento em frente ao Parlamento americano, o deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS) ressalta que o objetivo do ato era estimular o Legislativo dos EUA a pressionar o governo brasileiro.
“Esse evento é fundamental para que nós possamos levar ao mundo o conhecimento do que está acontecendo de fato no Brasil. Inclusive, pressionar as autoridades dos Estados Unidos, em particular no Parlamento americano, a pressionar o governo daqui, a tomar as atitudes necessárias nas reuniões bilaterais com o governo brasileiro, para defender a democracia e a liberdade”, disse Van Hatten à Gazeta do Povo.
Ele também afirmou que a relação entre Brasil e EUA é importante para a recuperação do Estado de Direito no Brasil. “Nós somos nações, historicamente falando, aliadas. Os Estados Unidos são a maior democracia das Américas, o Brasil sempre foi a segunda maior. Com nossa democracia sob risco, com a ditadura do Judiciário, é importante que as nossas relações históricas possam ser normalizadas com a recuperação da democracia e do Estado de Direito no Brasil”.
O ato em frente ao Capitólio americano é o segundo movimento da oposição no cenário internacional em menos de um mês. Em 24 de fevereiro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) discursou na CPAC 2024 e criticou os abusos do Judiciário no Brasil. Ele citou a prisão de idosos e mulheres grávidas que estavam no 8 de janeiro e a censura sofrida pela oposição em criticar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para o cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte (MG), o posicionamento de ministros do STF acentua a necessidade da oposição de levar os acontecimentos internos para o exterior. Recorrentemente, deputados e senadores de oposição têm relatado que sentem pressionados e até perseguidos pelo Judiciário brasileiro.
Cerqueira cita a declaração do ministro Gilmar Mendes, do STF, feita ao GloboNews, na segunda-feira (11), na qual o magistrado afirmou que o Supremo está “combatendo” a “extrema-direita”.
“Esse ano está sendo muito positivo para a direita aqui no Brasil, principalmente por conta desse clima percebido por eles de perseguição política. Declarações como essa do Gilmar Mendes agravam ainda mais essa percepção da oposição. Ele não qualificou o que ele entende que seja extrema-direita, só disse que o STF está combatendo nitidamente essa corrente política”, salientou o cientista político.
Ato nos EUA traz mais benefícios políticos do que jurídicos
Analisando a movimentação da oposição, o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), afirma que a busca por apoio estrangeiro faz parte da estratégia política de aumentar a relevância das reivindicações.
“Toda vez que alguém, dentro de uma arena política doméstica, se sente prejudicado no seu direito ou cerceado nas suas liberdades, é natural que se procure apoio estrangeiro e que se busque todos os meios para questionar a legitimidade do governo que o opositor considera ser arbitrário, que esteja agindo de maneira ilegal à margem dos princípios constitucionais, no caso das democracias”, disse o cientista.
Ele também explica que, apesar de ser um movimento importante, o apelo a órgãos internacionais não garante uma reviravolta jurídica para as questões levantadas pela oposição.
“Esse tipo de movimentação, do ponto de vista mais fundamental, não traz uma perspectiva de mudança jurídica para a situação das pessoas que estão envolvidas com o 8 de janeiro, por exemplo. No entanto, isso é visto como algo que traz atenção política, que mobiliza, sobretudo em tempos de redes sociais”, acrescentou.
Desde 2020, oposição pede ajuda estrangeira contra excessos do STF
A escolha de levar ao exterior os acontecimentos domésticos não é nova. Desde 2020, a oposição apela às instâncias internacionais contra os excessos do Supremo Tribunal Federal (STF). Em fevereiro daquele ano, o Instituto Nacional de Advocacia (Inad) levou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), uma denúncia contra o ministro Dias Toffoli, que, por decisão judicial, havia obtido acesso a dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas.
Em 2021, o jornalista Allan dos Santos, do Terça Livre, levou ao mesmo órgão uma denúncia contra Alexandre de Moraes, após sofrer diversos tipos de censura e sanções por causa dos inquéritos do Supremo.
Já em 2022, a deputada Carla Zambelli (PL-SP), que foi censurada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), levou seu próprio caso à OEA.
No mesmo ano, após advogados denunciarem uma série de abusos do STF, a CIDH chegou a pedir informações sobre o inquérito das fake news ao Supremo.
No ano passado, uma comitiva de parlamentares - formada pelos senadores Eduardo Girão (Novo-CE), Magno Malta (PL-ES) e Carlos Portinho (PL-RJ), e o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) - encaminhou à Organização das Nações Unidas (ONU) um dossiê sobre a situação dos presos do 8 de janeiro. A iniciativa ocorreu após familiares e advogados dos detidos relatarem uma série de denúncias de abusos e ilegalidades nas penitenciárias da Papuda (masculina) e Colmeia (feminina), em Brasília.
Apesar da sequência de mobilizações da oposição, ainda não houve avanços nesses organismos internacionais quanto a essas reclamações.
Cenário internacional favorável à direita dá fôlego à oposição
O evento de 12 de março se soma a outros três acontecimentos que animaram a oposição brasileira a reverter o cenário político nacional: a eleição de Javier Milei, em dezembro de 2023, na Argentina; a elegibilidade do ex-presidente Donald Trump dos EUA, confirmada pela Suprema Corte americana em fevereiro; e o desempenho do Chega, partido que representa a direita nacionalista, nas eleições portuguesas.
No caso da vitória do presidente argentino, a expectativa da oposição é que a derrota da esquerda em um país importante da América Latina possa levar a um "efeito dominó" na região, semelhante ao observado em 2016, quando Maurício Macri foi eleito na Argentina.
Em 2023, a vitória de Milei foi amplamente comemorada por personalidades da direita brasileira, como foi o caso do senador Flávio Bolsonaro (PL-RS). "Que a Argentina seja um exemplo e apenas a primeira de muitas mudanças para melhor no nosso continente. Milei é um passo decisivo rumo à liberdade da América Latina", publicou o senador na época.
A elegibilidade de Trump, por outro lado, alimentou as esperanças de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em uma eventual reversão de sua inelegibilidade, declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em junho do ano passado. Em publicação no X, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) afirmou que, após Trump, "Bolsonaro é o próximo" - em uma referência a uma hipotética participação do ex-mandatário nas eleições em 2026.
Ainda assim, aliados políticos do ex-presidente brasileiro e especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que a inelegibilidade de Bolsonaro dificilmente será revertida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Já nas eleições em Portugal, ocorridas em 10 de março, a oposição brasileira comemorou o resultado obtido pelo Partido Chega, liderado por André Ventura. A sigla saiu de 12 parlamentares para 48. "Parabéns ao Andre Ventura e ao Partido CHEGA pelo excepcional resultado na eleição para o Parlamento em Portugal", disse o deputado Carlos Jordy (PL-RJ), líder da oposição na Câmara dos Deputados, em suas redes sociais.
Como não conseguiu o mínimo de cadeiras (115) para indicar o primeiro-ministro, a Aliança Democrática (AD), que angariou 79 assentos no Parlamento Português, precisa se aliar a outro partido para governar o país. A legenda pode fazer coalizões com o Chega, partido da direita nacionalista - que conquistou 48 cadeiras -, ou com o Partido Socialista (PS), de centro-esquerda - que elegeu 77 parlamentares.
Deputados de oposição destacam importância da coletiva
Ao ser questionada sobre importância de um ato em frente ao Congresso dos EUA, a deputada Bia Kicis (PL-DF) afirmou “ter certeza” que as denúncias apresentadas pelos deputados sobre o comportamento do STF irão “reverberar no mundo”.
“Apesar do cancelamento da nossa audiência na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados americana, foi muito importante a nossa participação, em especial na coletiva de imprensa acompanhada por dois deputados republicanos (Chris Smith e María Elvira Salazar). Também tive oportunidade de fazer uma entrevista para o Epoch Times e explicar o que está acontecendo no Brasil. Tenho certeza de que nosso movimento irá reverberar muito aqui nos Estados Unidos e no mundo”, disse Bia.
Na avaliação do vice-líder da oposição, o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS), o motivo principal dessa coletiva foi mostrar o estado da democracia brasileira para o mundo.
“Não existe democracia no mundo que prenda, por exemplo, uma pessoa por 11 meses e depois o próprio juiz que a prendeu a considera inocente, dentre tantas outras violações que estamos presenciando. Acredito que o foco mesmo é denunciar tais absurdos”, disse Marcon.
Para o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), a participação da oposição brasileira em um ato com a oposição americana foi “histórica”. “Precisamos expor ao mundo o ativismo judicial que o Brasil está vivendo. A repercussão no mundo será enorme”, disse o parlamentar.
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