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Rogério Marinho, oposição
Em discurso, à tribuna, senador Rogerio Marinho (PL-RN).| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A oposição no Senado Federal conseguiu impedir nesta semana que o governo criasse uma brecha na lei de ajuda ao Rio Grande do Sul que poderia minar os esforços de implementar uma política de austeridade fiscal no país. O "jabuti" (apelido dado a medidas inseridas arbitrariamente em uma lei sobre outro assunto) estava na redação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 85/2024 que condiciona a prorrogação das dívidas (moratória) de estados em situação de calamidade ao reconhecimento do Congresso Nacional.

Esse projeto de lei altera o artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que proíbe a operação de créditos entre os entes da federação, mas permite que ocorra em casos onde haja financiamento de despesas e o refinanciamento de dívidas. Com o PLP aprovado no Senado, as exceções são ampliadas para estados e municípios em situação de calamidade pública.

Na prática isso significa que estados como o Rio Grande do Sul podem suspender temporariamente o pagamento de dívidas com o governo federal por causa de um desastre natural como as enchentes. O projeto possibilita que o Rio Grande do Sul não pague por três anos rua dívida com a União. A suspensão do pagamento e dos juros no período devem liberar ao Rio Grande do Sul cerca de R$ 23 bilhões para serem usados nos esforços de reconstrução das áreas afetadas pelas enchentes.

Originalmente o texto deixava a critério do governo a escolha de estados e municípios que poderiam ser beneficiados pela moratória - o que foi considerado como um “jabuti” na redação. Para o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado e autor da emenda, a redação enviada pela Câmara abriria espaço para que estados e municípios que não estão em calamidade pública pudessem pedir o benefício.

Ele apontou o problema e negociou com lideranças do governo para que uma emenda fosse feita no texto do Projeto de Lei Complementar para corrigir o problema e deixar claro que apenas o Congresso pode reconhecer a situação de calamidade que justifique a suspensão do pagamento de dívidas. A emenda foi aprovada na quinta-feira (17). O texto da PLP deve ser sancionado pelo presidente.

“O povo gaúcho merece toda a nossa solidariedade e apoio neste difícil momento, e atuamos neste sentido, afim de assegurar um socorro fiscal responsável. Impedimos que o governo usasse a calamidade no Rio Grande do Sul como desculpa para abrir a porteira do endividamento irresponsável para todos os estados. Nossa emenda, acolhida pelo relator, garante que apenas os estados em situação de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional sejam legitimamente beneficiados, garantindo responsabilidade e socorro fiscal em situações realmente necessárias", disse o senador à Gazeta do Povo.

No texto da emenda, Marinho lembrou que o artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal estipula que estado de calamidade pública reconhecida em âmbito nacional precisa ser aprovado pelo Legislativo após pedido feito pelo Executivo. No último dia 8 de maio, o Senado aprovou o reconhecimento para o caso do Rio Grande Sul, vítima de fortes chuvas e enchentes.

O "jabuti" já havia sido aprovado pelos deputados na Câmara sem que a oposição percebesse.

Aprovação da emenda contou com apoio do governo

A aprovação da emenda proposta por Marinho contou com o aval do governo e ocorreu sem resistência. Por outro lado, a percepção nos bastidores é que isso aconteceu porque a Receita Federal, órgão ligado ao Ministério da Fazenda, não estava a par da amplitude do Projeto de Lei Complementar enviado pela Câmara. Em um momento onde o governo investe na pauta arrecadatória, a manutenção do texto original poderia comprometer as contas públicas.

“A assessoria do Ministério da Fazenda está aqui e, também, a do nosso gabinete. Eles conversaram muito com a assessoria do líder e chegaram ao entendimento de que dá, baseado na Emenda 3, para fazer uma emenda de redação que resolve essa questão, para que fique - digamos - mais afunilado para a situação do Rio Grande do Sul, e não tão abrangente como estava. Eu entendo que tem toda uma lógica, por isso eu acato a emenda, conforme combinado”, disse o senador Paulo Paim (PT-RS), relator do PLP no Senado.

Projeto garante maior controle sobre as contas públicas

Para o advogado Marcos Jorge, mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP e coordenador jurídico do escritório Wilton Gomes Advogados, o PLP aprovado pelo Senado, juntamente com a emenda citada, impõe maior controle em relação a autorização concedida à União para postergar o pagamento de dívidas de entes federativos afetados por calamidades.

A responsabilidade sobre o benefício estaria compartilhada entre os poderes. Com isso, não basta o município ter o aval do Congresso Nacional, mas precisa ter aprovado os requisitos técnicos por parte da União.

“Como se extrai através de uma análise técnica jurídica, o que se cria com a norma é uma competência discricionária para a União avaliar a possibilidade de conceder ou não, ao ente federativo requerente, o direito de postergar o pagamento das dívidas com o Governo Federal e a redução da taxa de juros. Ou seja, a União não será obrigada a deferir todo e qualquer pedido dos entes que se encontram nessa situação, ela está, a partir da nova legislação, autorizada ou não a conceder o benefício”, disse o advogado.

Ele acrescenta: “Por estas e outras regras contidas no texto, certamente, a proposta garante um maior controle sobre as contas públicas, e só pode ser buscada, em sede administrativa, ou extraordinariamente judicial, por entes que estejam exclusivamente em estado de calamidade, decorrente de eventos climáticos extremos, reconhecidos pelo Congresso Nacional.”

PLP busca frear judicialização dos estados

Ao afunilar o benefício para o Rio Grande do Sul, atualmente único estado em calamidade pública com reconhecimento federal, o PLP aprovado pelo Senado também buscou colocar um freio em eventuais judicializações feitas por estados e municípios para postergar o pagamento de dívidas - situação que ocorre com frequência.

Em 27 de abril, o governo do Estado do Rio de Janeiro acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a cobrança de R$ 188 bilhões em dívidas do Estado com a União. A ação, de autoria do governador Cláudio Castro (PL) afirma que houve cobranças indevidas e imposição de regras “leoninas” por parte da União por causa de ações e omissões do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e Sérgio Ricardo Calderini Rosa, ex-secretário de de Avaliação, Planejamento, Energia e Loterias.

Em 19 de abril, o governo de Minas Gerais, chefiado por Romeu Zema (Novo), pediu ao STF a prorrogação por 180 dias no pagamento da dívida de cerca de R$ 165 bilhões do estado com a União. O pedido foi atendido em parte pelo ministro Kássio Nunes, que concedeu 90 dias. O caso está no plenário do Supremo.

Na avaliação do procurador do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) Cristiano Pimentel, a emenda inserida pelos senadores pode conter a judicialização feita por gestores estaduais e municipais.

“Essa alteração é mais uma salvaguarda e impede que o Poder Executivo possa decidir sozinho que estados podem ser beneficiados, além do Rio Grande do Sul. Vários estados têm buscado no STF suspender ou reduzir o pagamento de suas dívidas, usando de múltiplos argumentos, desde interpretações criativas de regras legais até supostas situações emergenciais vividas nas localidades”, disse o procurador.

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