Por causa de um grande número de manifestações de protesto e a polêmica na sociedade gerada após a aprovação da urgência do projeto de lei que equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao homicídio (PL 1904/2024), chamado de PL Antiaborto, deputados de oposição acham pouco provável que o assunto possa ser votado nesta semana.
Uma ala mais otimista tenta articular junto às lideranças do Congresso uma nova tentativa de colocar a matéria em votação a partir da próxima semana. Eles querem que o assunto vá a plenário antes do recesso parlamentar, marcado para 18 de julho.
O projeto de lei, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), criminaliza o aborto após 22 semanas de gestação. A nova legislação também tornaria ilegal a assistolia fetal — técnica que utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto antes de sua retirada do útero.
A proposta teve sua urgência aprovada na última quarta-feira (12), podendo ser votada no Plenário da Câmara dos Deputados a qualquer momento. No entanto, a pressão feita por críticos do projeto fez com que a votação do texto fosse deixada para outro momento.
Fontes da oposição ouvidas em reserva pela Gazeta do Povo reconhecem que a repercussão impactou uma possível apreciação do projeto nesta semana, mas afirmam que a estratégia da oposição é tentar votar o texto depois que os parlamentares voltarem à Brasília de festividades juninas que ocorrerão no próximo fim de semana. A expectativa é que a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) intensifique a pressão sobre a Mesa Diretora da Câmara para que a proposta seja votada.
Mas parte da oposição na Câmara acha que essa perspectiva é muito otimista e a discussão do PL Antiaborto pode ficar para o fim do ano, já que a campanha municipal começa em agosto e os parlamentares mais ligados ao centro não querem entrar em temas delicados antes do pleito.
Votação do PL Antiaborto é resposta ao Judiciário
A tramitação do PL 1904/2024 é vista por congressistas como uma resposta do Legislativo ao Judiciário, que possui um julgamento em curso que pode descriminalizar o aborto.
Apesar de pautas de costumes não serem prioridade de deputados do Centrão, a avaliação por parte da oposição é que o projeto relacionado ao aborto dá uma oportunidade para que os congressistas marquem posição contra decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, a eventual votação do projeto é uma reação dos parlamentares pró-vida a uma liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes ao PSOL, que pediu a suspensão da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que impedia o uso da assistolia fetal.
O CFM proibiu o procedimento por ser doloroso e desnecessário, já que bebês com mais de cinco meses podem sobreviver fora do útero e seria possível fazer o parto prematuro. Além disso, com a assistolia, a mulher não deixa de passar por uma espécie de parto do feto morto.
Oposição aproveita desgaste do governo Lula para aprovar pautas de costume
A aprovação da tramitação em urgência do PL Antiaborto, na semana passada, segue na esteira de vitórias obtidas pela oposição contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na última sessão do Congresso Nacional, em 28 de maio, parlamentares de direita conseguiram derrubar os vetos presidenciais à proibição do uso de verbas do Orçamento para um número de ações, incluindo aborto e cirurgia de transição de gênero.
Além disso, a queda da popularidade de Lula em recentes pesquisas também é vista como fator que estimula a oposição a seguir pressionando o Congresso e o governo pela aprovação das pautas de costume.
De acordo com pesquisa publicada pela AtlasIntel no sábado (15), 51% dos brasileiros aprovam o desempenho de Lula. Outros 47% reprovam e 2% não souberam opinar. Em comparação com a pesquisa divulgada em maio, a reprovação do chefe do Executivo subiu 2 pontos percentuais (veja a metodologia abaixo).
Para o cientista político Adriano Cerqueira, docente do Ibmec, a polêmica em torno do PL Antiaborto auxilia a oposição a intensificar o embate contra o governo e projetar sua imagem para o público religioso, que é majoritariamente contra o aborto.
“Lula está em um momento de baixa popularidade, acumulando derrotas no Congresso. Com isso, a oposição viu a oportunidade de avançar a sua agenda, que não é a mesma do governo. Na questão dos costumes, a oposição tem chances de crescer. O aborto é um tema que movimenta muito a opinião pública e unifica, inclusive, católicos e evangélicos”, disse Cerqueira.
Ele reconheceu que o governo também visa se beneficiar dessa discussão para movimentar a base ligada às questões de costumes. No entanto, o movimento se torna mais arriscado por colocar Lula em contraposição com segmentos religiosos.
“No caso do governo, ele encontra a chance de tentar mobilizar um pouco a base petista e parte da imprensa em torno dessa questão. Entretanto, é um tema que tende a desgastar a popularidade de Lula. Vale lembrar que o presidente, na campanha de 2022, se declarou contra o aborto e fez isso sabendo que precisava chegar à maioria do eleitorado, que é bastante sensível nessa questão”, disse o cientista político.
Metodologia da pesquisa citada: O levantamento da AtlasIntel ouviu 3.601 brasileiros, de 7 a 11 de junho. Tem margem de erro de um ponto percentual para mais ou para menos e nível de confiança de 95%.
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