A oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso Nacional deu mais um passo no processo de organização e coordenação do enfrentamento e monitoramento à gestão petista. Opositores da Câmara dos Deputados e do Senado irão anunciar nesta terça-feira (11) a formação de uma estrutura que terá por objetivo fiscalizar as ações do governo, os chamados "ministérios-espelhos".
Cada ministro e ministério de Lula terá um parlamentar responsável "por fiscalizar e apresentar contrapropostas" para a pasta que escolheu para ser 'espelho', explica o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP). Ele atuará nessa tarefa em relação ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
Dessa forma, a oposição vai organizar a divisão de tarefas e promover a fiscalização especializada dos principais ministérios do governo Lula no que diz respeito às políticas públicas e aos contratos públicos, e também quer dar transparência e publicidade à atividade fiscalizatória exercida pelo Congresso.
Os opositores também têm como objetivo promover a participação da sociedade civil na atividade parlamentar fiscalizatória mediante conselhos de especialistas nas políticas públicas e contribuir para o aperfeiçoamento dessas medidas por meio do exame crítico, organizado, especializado e transparente. Outro ponto será o exame crítico dos contratos e gastos ministeriais, por meio do qual se quer incentivar a integridade na gestão da coisa pública.
A criação dos "ministérios-espelhos" é a concretização maturada de uma proposta organizada pelo líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), que iniciou a montagem de uma equipe especializada em diversas áreas para acompanhar criticamente a rotina do Palácio do Planalto e da Esplanada dos Ministérios.
Marinho se inspirou no modelo de "shadow cabinet" (gabinete sombra, em tradução livre do inglês) utilizado em países parlamentaristas, como o Reino Unido. Nele, partidos de oposição rastreiam cuidadosamente ações governamentais e se preparam para assumir o poder em caso de vitória nas eleições seguintes, com propostas alternativas. No modelo original, contudo, o "gabinete" é composto por parlamentares "espelho", que fiscalizam diretamente ministros que são as suas contrapartes no governo.
Quem são os "ministros-espelhos" que fiscalizarão o governo Lula
O anúncio dos "ministros-espelhos" está marcado para as 16h30 desta terça-feira, no Salão Verde da Câmara. O deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), que será o "espelho" do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), promete uma atuação "implacável, programática e estratégica".
"Vamos manter o pique [da organização da oposição] e teremos, naturalmente, mais uma semana de 'bombardeio' [ao governo]", destaca Melo em referência à expectativa de comparecimento de oito ministros de Lula à Câmara, entre terça e quarta-feira (12), em atendimento a convites articulados por opositores do governo.
O deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) será um dos que irão atuar na fiscalização da ações do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A pasta é comandada por Flávio Dino (PSB) na gestão petista.
Ao todo, serão anunciados 23 "ministérios-espelhos", dos quais duas "pastas" terão um trabalho conjunto feito por mais de um parlamentar, segundo um arquivo interno da oposição obtido pela Gazeta do Povo. Confira:
- Economia: deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP);
- Justiça e Segurança Pública: deputados Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e Alfredo Gaspar (União Brasil-AL);
- Educação: deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE);
- Saúde: deputadas Adriana Ventura (Novo-SP) e Rosângela Moro (União Brasil-SP);
- Relações Exteriores: deputado Marcel van Hattem (Novo-RS);
- Transportes: senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS);
- Direitos Humanos: senador Eduardo Girão (Novo-CE);
- Mulher: deputada Chris Tonietto (PL-RJ);
- Defesa: deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP);
- Minas e Energia: deputado Alex Manente (Cidadania-SP);
- Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar: deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES);
- Meio Ambiente: deputado Pedro Aihara (Patriota-MG);
- Planejamento: deputado Gilson Marques (Novo-SC);
- Advocacia-Geral da União (AGU): deputado Sanderson (PL-RS);
- Esporte: deputado Luiz Lima (PL-RJ);
- Trabalho: deputada Any Ortiz (Cidadania-RS);
- Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços: deputado Joaquim Passarinho (PL-PA);
- Agricultura e Pecuária: senadora Tereza Cristina (PP-MS);
- Pesca: senador Jorge Seif (PL-SC);
- Previdência: deputado Samuel Viana (PL-MG);
- Cidades: deputado Amon Mandel (Cidadania-AM);
- Secretaria de Comunicação Social (Secom) e Ministério das Comunicações: deputado Maurício Marcon (Podemos-RS);
- Ciência e Tecnologia: senador Marcos Pontes (PL-SP).
Como foram definidos os "ministros-espelhos" e o que esperar da atuação
Sem um "primeiro-ministro" para liderar a atuação dos "ministérios-espelhos", seus integrantes foram definidos por afinidade e atuação na respectiva "pasta" ministerial, esclarece o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP). "Eu sou forte na parte econômica e tributária, e também na de relações exteriores e defesa [nacional]", destaca.
Orleans e Bragança diz que sua atuação se dará primordialmente com membros de seu gabinete, mas esclarece que a oposição está alinhada e disposta a atuar de maneira conjunta em áreas de mútua afinidade com outros "ministros-espelhos". "A função de ter um ministério paralelo é, primeiro, fazer a cobrança como deve ser feita. Segundo, é já criar uma experiência parlamentarista, o Brasil está inexoravelmente indo para este lado. Terceiro, é focar deputados na sua ação, e é importante você ter um deputado ou outro que tenha foco de ação e de uma maneira mais explícita", sustenta.
O deputado do PL considera que o Brasil está "indefeso" e peca pela "omissão" na área de defesa nacional. "Os militares falam da falta de recursos, mas eu penso que é falta de alocação correta e definição de que tipo de Exército a gente tem, que ainda adota um modelo antigo, mas as Forças Armadas estão ficando cada vez mais modernizadas no mundo e estamos muito atrás na corrida tecnológica. Nossa função é monitorar o que o Ministério [da Defesa] está fazendo e propor mudanças, ajustes, ver se está tudo condizente", comenta.
Já o deputado Joaquim Passarinho tem uma área de atuação forte nos setores de Minas e Energia e também na área de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, até mesmo por sua atuação em frentes parlamentares ligadas à defesa de setores produtivos e do empreendedorismo. Como "ministro-espelho" do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) — que também é o titular do Mdic —, ele se compromete a promover uma fiscalização e oposição construtiva.
"Farei pedido de audiência ao ministro até para dizer que não há uma definição de chegar lá e fazer oposição por fazer, mas sim acompanhar se o ministério está trabalhando, se as propostas faladas dão certo, se têm andamento ou não", afirma. "Se o governo fizer coisa que a gente acha que está errado ou trabalhando de maneira errada, vamos denunciar e tentar consertar os rumos", acrescenta.
Passarinho destaca que a própria composição dos integrantes e dos partidos que integrarão os "ministérios-espelhos" denota o interesse da oposição em promover um trabalho de fiscalização firme e criterioso, mas construtivo. "Não tem um único partido político certo, é uma mistura. A grande maioria é um pessoal mais de centro, centro-direita, que não quer discutir [em torno do ex-presidente Jair] Bolsonaro, mas sim fazer um apanhado do que acontece no governo [Lula] e fazer a critica construtiva", diz. "Até para dizer se o governo tem boas ideias e dinheiro, ou não, e por que", complementa.
Quais os compromissos firmados pelos "ministros-espelhos"
Até por se tratar de um modelo inaugural para o Brasil do ponto de vista pluripartidário, os "ministérios-espelhos" estão preparados para aprender com erros e acertos, e analisar os efeitos obtidos e corrigir as falhas ao longo do caminho. Para isso, seus coordenadores definiram compromissos e práticas de fiscalização.
A ideia é que cada "ministro-espelho" designe ao menos um assessor parlamentar de seu gabinete para atuar nas atividades e incentive a sociedade civil a participar de sua "pasta", de modo a contribuir para as atividades de fiscalização. Também ficou definida a meta de divulgar relatórios trimestrais sobre a avaliação das atividades do ministério espelhado, sempre na primeira segunda-feira de cada trimestre.
Outro compromisso firmado é a divulgação anual, na primeira quinzena de março, de um relatório de avaliação sobre as atividades das pastas fiscalizadas referente ao ano anterior. Os "ministros-espelhos" também deverão participar de reuniões bimestrais, em que irão compartilhar aprendizados e estratégias.
O deputado Maurício Marcon classifica a fiscalização de um governo como uma das mais importantes funções de um parlamentar, sobretudo em um terceiro governo Lula. "Tendo em vista que hoje o nosso país é novamente governado por uma força política com histórico completamente manchado e confessadamente movido por um espírito de vingança, a atividade fiscalizatória ganha ainda mais importância", destaca.
Para isso, ele entende que a definição dos compromissos e metas será importante para que a oposição tenha um bom grau de unidade estratégica, possa explorar o melhor de cada parlamentar e evitar retrocessos. "Vamos dividir tarefas e coordenar as ações de fiscalização de contratos e políticas públicas do governo Lula. A ideia é estimular a integridade na gestão pública e evitar a consumação de retrocessos com os quais o governo petista ameaça o Brasil, defendendo os princípios e valores básicos da Constituição: Democracia, Estado de Direito e independência e equilíbrio entre os poderes, por exemplo", sustenta.
Em seu caso específico, de ser o "ministro-espelho" ligado às áreas de comunicação, ele atribui a afinidade com o setor à sua defesa da liberdade de expressão. "Que, com a internet, passou por um processo de democratização do acesso à informação. Isso incomoda muito aquelas elites políticas e econômicas que pretendem controlar o discurso alheio, calar e censurar opositores e concorrentes e minar a liberdade de manifestação em nosso país", comenta. "Os brasileiros podem esperar de mim e de meu gabinete uma firme oposição a esse tipo de iniciativa corrupta e totalitária e, por isso, uma atuação sempre em evolução e articulada com o restante do grupo na fiscalização da comunicação do governo Lula", acrescenta.
Como os "ministérios-espelhos" planejam fiscalizar o governo Lula
Os "ministros-espelhos" deverão promover a análise das políticas públicas adotadas pela pasta fiscalizada, promover análise comparativa das políticas públicas com a de outras administrações nacionais ou internacionais, atuais ou anteriores, além de formar grupos de especialistas da sociedade civil para a análise de políticas públicas do ministério espelhado.
Outras práticas de fiscalização previstas são a promoção de análise do orçamento, contratos e gastos públicos do ministério espelhado; a formação de grupos de especialistas da sociedade civil para a análise das políticas públicas; a realização de sugestões de medidas alternativas ou de aperfeiçoamento das políticas públicas existentes; a investigação e análise a respeito dos beneficiários intermediários e finais das emendas parlamentares do ministério espelhado, bem como dos locais em que são aplicados os recursos.
Também existe a ideia de formar grupos de cidadãos para a análise do orçamento, contratos e gastos públicos do ministério espelhado; a formulação de relatórios contendo análises das secretarias do ministério espelhado, de sua organização e composição; a análise da vida profissional, política e de antecedentes criminais dos ministros espelhados e seus secretários; e a realização de sugestões de políticas públicas alternativas ou de aperfeiçoamento das políticas públicas existentes.
O deputado Gilson Marques diz que a experiência com as práticas de fiscalização não é nova para ele e os deputados do Novo na Câmara. "Nós, na legislatura passada, éramos o único [partido] que tinha um setor específico de fiscalização e, mesmo com a bancada reduzida, ainda permanecemos muito atuantes", destaca.
Com três deputados e um senador, o Novo é o único partido a ter todos os seus integrantes do Congresso entre os "ministérios-espelhos". Marques enfatiza que a legenda se notabilizou pela judicialização de propostas consideradas ilegais e entende que a experiência pode ajudar todo o grupo opositor a replicar a linha de atuação contra o governo Lula.
Qual é a linha de atuação que opositores planejam adotar com o governo
Antes mesmo do anúncio programado, deputados e senadores conversavam entre si em grupos de parlamentares, inclusive compartilhando ideias e promovendo análises de viabilidade de ações contra o governo Lula, ou mesmo de auxílio e troca de experiências. A ideia, agora, é ampliar isso no modelo de "ministérios-espelhos".
Na prática, o grupo de fiscalização vai promover uma coordenação junto às estratégias já organizadas pela oposição. A ideia, portanto, é que os "ministros-espelhos" atuem para a convocação de audiências públicas e entrevistas coletivas; requisitem informações; e provoquem o governo por meio das comissões especializadas ou nas comissões de Fiscalização e Controle da Câmara e do Senado; e promovam a interlocução com as comissões temáticas do Congresso relacionadas ao ministério espelhado.
Também há o interesse de que o grupo abra editais para a inscrição de especialistas e cidadãos interessados em participar de conselhos de fiscalização e envie a apuração de possíveis irregularidades que tiver conhecimento ao Ministério Público, à Polícia Federal (PF), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Oposição também quer comissão externa para monitorar governo
Os opositores também querem promover uma comissão externa para fiscalizar o governo. O objetivo é que a comissão possa realizar o deslocamento para a fiscalização, usar a estrutura da casa para reservas de plenário para a realização dos trabalhos na Casa legislativa, bem como da estrutura de áudio e vídeo de transmissão via internet.
A comissão externa poderá definir a quantidade de membros e sua composição sem observar a proporcionalidade partidária. Para fiscalizações em território nacional, será permitido o afastamento autorizado por oito sessões e de 30 sessões para a fiscalização no exterior. Seus membros ficarão responsáveis por auxiliar a aprovação de requerimentos de informação; convidar ministros e membros do governo para audiência pública; realizar audiências públicas, produzir relatórios parciais e finais com a ajuda da consultoria legislativa da Casa.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF