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A oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso elaborou dez argumentos técnicos para embasar um possível processo de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Esses pontos estão no pedido de destituição de Moraes a ser protocolado a partir da segunda-feira (9). A coleta de assinaturas para o pedido de impeachment ocorrerá até o dia 7 de Setembro, data da manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo marcada para pedir a derrubada do ministro.
Os argumentos pelo impeachment de Moraes levam em conta decisões equivocadas e abusos do ministro em diversos processos. Eles foram organizados após a divulgação de mensagens vazadas de assessores do ministro, que sugerem uso inadequado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em investigações do STF.
A troca de mensagens sugere que houve supostamente adulteração de documentos, prática de pesca probatória, abuso de autoridade e possíveis fraudes de provas. Os alvos escolhidos sofreram bloqueios de redes sociais, apreensão de passaportes, intimações para depoimento à PF, entre outras medidas. Tudo isso era feito via WhatsApp, sem registros formais.
O escândalo ganhou mais força na semana passada com a decisão do ministro de suspender a rede social X (antigo Twitter) no Brasil e ameaçar a população com multas de R$ 50 mil para quem entrar na rede social usando VPN (rede virtual privada). Juristas apontam que a decisão do ministro está repleta de irregularidades, como a punição de milhões de brasileiros que não são parte no processo e não foram notificados, entre outras.
Um relatório que circula entre parlamentares de direita, ao qual a Gazeta do Povo teve acesso, apresenta ao menos 10 justificativas para realizar o impeachment de Moraes por inadequação ao cargo e por crimes de responsabilidade. São eles:
1. Violações de direitos constitucionais e humanos
Alexandre de Moraes tem sido acusado de tomar decisões que contrariam direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como a liberdade de expressão, a privacidade e o devido processo legal. A censura a veículos de imprensa e plataformas digitais, culminando com o bloqueio do X, e a quebra de sigilos bancário e telefônico sem justificativa robusta são alguns dos exemplos de violações. A agressão ao princípio constitucional do livre pensamento e da livre expressão já teria sido manifestada quando da censura a influenciadores de direita, de restrições ao X e na perseguição a empresários que, pelo WhatsApp, conversavam sobre a eleição de 2022 de forma privada.
2. Desrespeito ao devido processo legal e ao sistema acusatório
As decisões judiciais de Moraes têm sido vistas como afrontas ao princípio do devido processo legal, ao ignorar garantias processuais, como o direito à ampla defesa e ao contraditório. O uso excessivo de medidas cautelares sem fundamentação adequada e a supressão de etapas processuais básicas, além da mistura dos papéis de parte, investigador e julgador, seriam sinais de erosão do sistema acusatório. Nessa argumentação se inclui ainda a condenação de manifestantes pelo STF mesmo sem terem foro privilegiado. O Supremo só pode julgar casos de pessoas com foro privilegiado, como políticos e altos funcionários públicos.
3. Abusos de poder
Moraes tem sido denunciado por exceder suas atribuições como ministro do STF de forma abusiva, tomando decisões que ultrapassam os limites de suas funções e da Constituição. Exemplos incluem a abertura de inquéritos sem provocação do Ministério Público e a condução de investigações com foco em opositores políticos e até desafetos, o que configura um uso excessivo do poder judicial para fins pessoais e partidários.
Ainda em abril de 2020, ele teria incorrido em abuso de autoridade e crime de responsabilidade ao sustar ato do presidente Jair Bolsonaro de nomeação do delegado Alexandre Ramagem (PL-RJ), hoje deputado, para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. O episódio de 2023 envolvendo discussão com turistas brasileiros em Roma pode entrar nessa linha de argumentação também.
4. Prevaricação e responsabilidade na morte de preso
O ministro é acusado de ignorar providências quanto à situação de Cleriston Cunha, mais conhecido como Clezão, preso no 8 de janeiro, que morreu de infarto no Presídio da Papuda, em Brasília, no fim de 2023. Clezão, que não esteve presente na Esplanada dos Ministérios, faleceu sob custódia, apesar dos muitos pedidos da defesa e do Ministério Público para que cumprisse pena em regime aberto, justificado por seus graves problemas de saúde. O episódio levantou questões sobre possível negligência e falta de ação do ministro para garantir a integridade física dos detidos.
5. Desrespeito ao Código de Processo Penal
Moraes tem sido criticado por utilizar a prisão preventiva como instrumento de coerção, visando obter delações premiadas, em vez de aplicá-la como medida cautelar excepcional. Tal prática pode ser interpretada como um desvio do propósito original da prisão preventiva, tornando-se um meio de pressão indevida sobre os acusados. Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, disse em declaração vazada que o magistrado é “a própria lei”. Críticos de Moraes dizem que ele manteve Cid preso até que ele concordasse em delatar Bolsonaro.
6. Desconsideração de pareceres da Procuradoria-Geral da República
Em várias ocasiões, Alexandre de Moraes ignorou pareceres da Procuradoria-Geral da República que recomendavam a concessão de liberdade a presos relacionados aos distúrbios de 8 de janeiro de 2023. Essa desconsideração pode ser vista como afronta à função do Ministério Público e ao equilíbrio entre poderes.
7. Anulação de prerrogativas dos advogados
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) começa a se posicionar de forma mais explícita contra algo que já vem sendo alvo de queixas há anos por profissionais do direito. Há acusações de que Moraes teria desrespeitado em várias situações as prerrogativas dos advogados, sobretudo nos inquéritos do 8 de janeiro, ao restringir o acesso a autos processuais, ao dificultar a defesa de réus e até mesmo negar qualquer manifestação de defensores em processos. Tais ações comprometeriam o direito à defesa e ao processo penal justo.
8. Negativa de prisão domiciliar ou liberdade provisória para presos
Moraes é criticado por não conceder prisão domiciliar ou liberdade provisória a presos que apresentam graves problemas de saúde e outros casos previstos pela legislação, como a de mães responsáveis pelo sustento e cuidado de filhos menores de idade, contrariando o princípio da dignidade humana e a jurisprudência que garante tratamento diferenciado a presos em condições específicas.
9. Prolongamento indevido de prisões preventivas
Moraes tem sido acusado de prolongar a prisão preventiva de indivíduos sem que o Ministério Público tenha apresentado a denúncia formal contra eles. Essa prática é vista como uma violação ao princípio da razoabilidade e pode ser vista como forma de prisão arbitrária, usada como meio de punição prévia.
10. Violação dos direitos políticos de parlamentares
Há alegações de que Alexandre de Moraes teria agido para suspender os direitos políticos de parlamentares no exercício de suas funções, como a prerrogativa de terem suas manifestações protegidas pela imunidade dada pela Constituição. A derrubada de perfis em redes sociais e outras medidas restritivas estariam interferindo diretamente na representatividade popular e no funcionamento do Legislativo. Essa interferência é vista como uma ameaça à independência entre os Três Poderes e à própria democracia.
Ainda em junho de 2020, determinou a quebra do sigilo bancário de 10 deputados e um senador, contrariando o artigo 53 da Constituição, segundo o qual parlamentares são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos.
Condenação de Moraes por abusos colocaria em risco todas suas decisões
A expectativa dos oposicionistas é de que o impeachment de Moraes possa ocorrer ainda na atual legislatura, antes das eleições gerais de 2026, em razão da escalada de abusos cometidos pelo ministro. Nos bastidores, comenta-se que o “custo Moraes” - manter o apoio político ao juiz - se elevou significativamente nas últimas semanas. Esse peso alcança agora não só o espectro conservador, mas a mídia tradicional, políticos e intelectuais de esquerda e até membros do STF, que se sentem incomodados.
Os assessores da oposição ressaltam que, após eventual confirmação do impeachment de Moraes, espera-se por uma série de anulações de suas decisões, seguindo a chamada teoria jurídica do fruto da árvore envenenada. Por essa perspectiva, o poder excessivo concentrado nas mãos de Moraes por meio do interminável inquérito das fake news, que preside há mais de cinco anos no STF, acabou “envenenando” todos os processos.
Quando mensagens trocadas pelos assessores de Moraes vieram à tona, a solidariedade do STF ao ministro foi unânime, mas isso não implica que todos concordem com a amplitude e duração do inquérito das fake news. O professor de Direito Constitucional e especialista em liberdade de expressão André Marsiglia entende que os demais ministros se veem como “reféns da jurisprudência de exceção instalada no Brasil”.
Segundo ele, se a Corte decidisse, por exemplo, que Moraes deveria se declarar impedido de presidir o inquérito contra o ex-assessor Eduardo Tagliaferro, para investigar o vazamento das mensagens, apenas isso poderia desencadear um efeito dominó, invalidando condenações e atos conduzidos pelo magistrado nos últimos cinco anos e meio.
Especialista aponta necessidade de mudança no rito de impeachment de Moraes
Para o cientista político Ismael Almeida, embora o impeachment de ministros do STF seja algo crucial para a democracia, seus procedimentos formais estão distorcidos. Ele lembra que a Constituição e a Lei 1.079/1950 (Lei do Impeachment) determinam que o Senado deve processar e julgar ministros por crimes de responsabilidade, com a Mesa Diretora decidindo sobre a aceitação ou não das denúncias. No entanto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apoiado por pareceres técnicos da Advocacia da Casa, que examina o mérito das denúncias, arquiva-as de forma unilateral, desrespeitando a lei e o princípio da colegialidade.
“Essa manobra concentra ainda mais poder em uma única pessoa e enfraquece a legitimidade do processo”, salienta. Almeida defende que o Senado deve revisar esse procedimento para garantir que o impeachment seja conduzido de acordo com os princípios democráticos e as leis vigentes. Para isso, há uma Proposta de Resolução (PRS), a 11/2019, parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Oposição pode pedir urgência para votação de impeachment no Senado
Apesar da resistência de Pacheco, o senador Eduardo Girão (Novo-CE), que vem organizando um abaixo-assinado contra Moraes e liderando o pedido de impeachment, anunciou nesta terça-feira por meio de sua assessoria que pode protocolar um pedido de urgência para a votação do pedido de impeachment de Moraes logo após protocolá-lo na próxima segunda-feira. O senador afirmou que o abaixo-assinado já conta com mais de 1,3 milhão de assinaturas. Contudo, o requerimento de urgência também pode ser bloqueado por Pacheco.