A oposição está tentando travar uma guerra jurídica contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde o início do governo foram oficializados sete pedidos de impeachment, 120 ações na Procuradoria-Geral da República (PGR) e quase 20 pedidos de informações no Congresso.
Mas, a enxurrada de ações, requerimentos e pedidos de impedimento por crime de responsabilidade não necessariamente levarão a um processo que resulte no afastamento do presidente. Isso porque o impeachment é, acima de tudo, um processo político, que, por vezes, pouco depende dos argumentos jurídicos levantados.
Por enquanto, não há condições políticas para que ele aconteça com cerca de 100 dias de governo, avalia o cientista político e sociólogo André César, analista da Hold Assessoria Legislativa. Os pedidos contínuos de impeachment teriam o objetivo de pressionar a gestão petista, em uma espécie de guerrilha política, destinada a ir desgastando aos poucos o governo.
Fora isso, os autores das medidas, por vezes parlamentares de pouca relevância política, se beneficiam dos holofotes da mídia quando as protocolam.
As derrotas mais concretas impostas pela oposição ao governo federal até agora foram aprovações de convites de ministros para comparecimento à Câmara dos Deputados. Mas, a situação do governo pode piorar se a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar os atos de vandalismo de 8 de janeiro foi instalada no Congresso. A ideia dos opositores é tentar provar que o governo teria sido omisso no episódio.
A instalação, porém, depende da leitura do pedido de abertura da CPMI por parte do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em uma sessão conjunta do Congresso. A primeira do ano deve ocorrer em 18 de abril, após a viagem à China, da qual será integrante, assim como Lula, ministros, outros parlamentares e empresários.
Declarações de Lula motivaram a maioria dos pedidos de impeachment
Das 120 representações contra Lula, 70 foram arquivadas pela PGR e 50 estão sob análise da procuradoria, informa o site Metrópoles. Outras foram arquivadas por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sem parecer da PGR, a exemplo das que pediam a investigação de Lula por colocar em dúvida a operação que descobriu um plano de sequestro do senador Sergio Moro (União Brasil-PR) pela facção criminosa PCC.
Quanto aos pedidos de impeachment, mais da metade foi motivada por declarações públicas do petista:
- Os últimos dois foram apresentados recentemente após Lula ter tido que, enquanto esteve preso, pensava em se vingar de Moro, e também por ele colocar em dúvida a credibilidade do trabalho da Polícia Federal (PF) nas investigações sobre o plano contra o ex-juiz e a família dele. Um deles foi proposto pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS) e o outro leva as assinaturas de 33 deputados federais.
- Outros dois pedidos foram protocolados pelos deputados Sanderson (PL-RS), presidente da Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado da Câmara, e Evair Vieira de Melo (PP-ES), e citam declaração polêmica de Lula na Argentina. Em sua primeira viagem internacional como presidente, o petista voltou a dizer que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi um "golpe de Estado", desprezando o processo legal ocorrido em 2016.
Os pedidos de Sanderson e Melo foram arquivados com base no regimento interno da Câmara, pois foram apresentados ao fim de janeiro de 2023, antes do início da atual legislatura, que começou em 1º de fevereiro.
Os outros três pedidos abordam:
- Um suposto processo de licitação para compra de móveis de luxo;
- A responsabilização de Lula pelos atos de vandalismo em 8 de janeiro;
- A tentativa do petista em impedir a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os ataques e a suposta omissão do governo.
Além de Lula, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), é um dos alvos dos opositores na CPMI do 8 de janeiro. Ele é acusado de ter sido informado antecipadamente sobre riscos à segurança na data, segundo denúncia apresentada pelo deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP).
Constitucionalista avalia procedência nos recentes pedidos de impeachment
A advogada constitucionalista Vera Chemin, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisadora do Direito Constitucional, avalia que há procedência no mais recente pedido de impeachment contra Lula em razão do que dizem a Constituição e a Lei 1.079/50 sobre crimes de responsabilidade.
Para a especialista, Lula pode ser enquadrado por dois crimes de responsabilidade: contra o livre exercício dos poderes constitucionais, "ao ter usado de violência ou ameaça contra algum representante da nação", no caso do senador Sergio Moro; e contra a probidade na administração, "pela procedência de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" por uma ofensa proferida contra o parlamentar em uma entrevista.
As duas possibilidades de crime de responsabilidade estão previstas nos incisos 2 e 5 do artigo 85 da Constituição, e nos incisos 6 e 7 do artigo 9º da Lei 1.079. "As afirmações feitas em público pelo atual presidente não deixam dúvidas sobre a possibilidade real de ser enquadrado em crime de responsabilidade", destaca Vera. "Inquestionavelmente, as afirmações remetem a uma ameaça a um membro do Poder Legislativo, além de divulgar uma fake news, ao observar que o perigo concreto representado pelo crime organizado em face de Moro seria uma armação do senador", complementa.
A constitucionalista entende que as falas de Lula incitam publicamente o ódio contra Moro e denotam uma "intenção escancarada" de "vingança generalizada" ao senador. Ela também reforça seu entendimento a outros trechos de alerta do pedido de impeachment, como a tentativa de destituição do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o que considera uma tentativa de desvirtuar a Lei das Estatais com o objetivo de promover nomeações políticas que não poderiam ascender a cargos públicos em razão de impedimentos legais.
"Os deputados também alertam para a incapacidade governamental, de forma totalmente imparcial, digo que há uma incapacidade de prever, planejar, organizar e executar um projeto de curto, médio e longo prazo para o país", comenta. Vera destaca que sua análise é estritamente jurídica e não toma por base o cenário político.
A especialista destaca ainda o seu entendimento de que o governo comete crime de responsabilidade contra a lei orçamentária, também previstos na Constituição e na Lei 1.079. Ela atribui isso ao novo arcabouço fiscal e ao excesso de gastos promovido e sinalizado pelo governo. "Estão extrapolando todos os limites", critica.
Analista político não vê cenário político para a abertura de impeachment
Apesar das condições jurídicas citadas, o cientista político e sociólogo André César, analista da Hold Assessoria Legislativa, avalia que não existem as condições políticas para se avançar com um pedido de impeachment de Lula na Câmara.
Embora o petista ainda não tenha montado sua base na Câmara, é improvável um impeachment avançar com cerca de 100 dias de governo. Em início de mandato, é comum presidentes da República contarem com índices minimamente satisfatórios de aprovação junto à sociedade.
Apesar de Lula ter registrado o pior índice de reprovação de seus três mandatos, seu governo é aprovado por 38% da população no primeiro trimestre deste ano, aponta o Datafolha. No mesmo período da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o índice era de 32% e a oposição da esquerda a ele havia protocolado dois pedidos de impeachment.
Na prática política, portanto, é improvável a possibilidade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acolher a abertura de impeachment contra o petista no momento. "Hoje, não temos instrumentos ou material para viabilizar, mas tem o espaço para fazer barulho", destaca André César.
O analista político alerta, contudo, que a falta de base de Lula e a desorganização do governo nos 100 primeiros dias alimentam ainda mais a oposição. "Esses pedidos de impeachment são para pressionar, é assim que funciona, e isso se acentua em um governo que não tem maioria e lida com uma oposição que não é pequena", diz.
O cientista político avalia que o novo arcabouço fiscal pode ser a "tábua de salvação" de um governo enfraquecido. "Ainda não é um 'desgoverno', mas o caminho não está bom e, nesse jogo de pressionar o Lula, daqui a dois meses, esses números de impeachment e ações podem ir para 10, 15, 20 ou 30 nos próximos dois meses se o cenário não melhorar", destaca.
Oposição também avança com requerimentos contra Lula no Congresso
Além de todos os instrumentos de pressão contra Lula, a oposição na Câmara e no Senado também protocolou 18 requerimentos de repúdio, sobre falas de Lula em relação a Moro, e de informações sobre gastos de viagens e uma suposta liberação de recursos de emendas parlamentares não impositivas — ou seja, de execução não obrigatória no orçamento — que sucederam o orçamento secreto.
Três requerimentos protocolados na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado pediam a moção de repúdio por falta de decoro à fala de Lula em relação à operação que descobriu um plano de sequestro do senador Sergio Moro. Um deles foi aprovado e gerou a primeira nota de repúdio aprovada na comissão.
Outro requerimento pede ao ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, esclarecimentos sobre matérias veiculadas pela imprensa que apontam uma suposta solicitação de R$ 331 milhões de emendas de bancada estadual discricionária (RP2), que substituíram o orçamento secreto.
A solicitação foi distribuída para a relatoria do 1º vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), que deu parecer favorável, e aprovada por Arthur Lira na sexta-feira (31). Com isso, o titular da Casa Civil deve responder o pedido de informação no prazo de 30 dias, sob pena de enquadramento em crime de responsabilidade. A prestação de informações falsas também sujeita o ministro ao enquadramento nesse crime.
O ministro-chefe da Casa Civil de qualquer governo é alguém da mais alta confiança do presidente da República e requerimentos direcionados a ele são uma forma indireta que a oposição tem de "enquadrar" o chefe do Executivo federal. Por essa mesma lógica, a Câmara aprovou um requerimento que convida Rui Costa a ir à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara esclarecer a ameaça de Lula a Moro, quando o presidente falou em "foder" o senador.
Também há requerimentos de informações no Senado e da Câmara para que o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, esclareça os gastos da viagem de Lula à China; pedidos de esclarecimentos de Rui Costa sobre os gastos de Lula com uma suíte presidencial, em janeiro, quando já era presidente da República e poderia usar uma das residências oficiais; pedido de informação ao ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, a respeito do encontro entre Lula e a primeira-dama, Rosângela da Silva, com influenciadores digitais e celebridades em 8 de fevereiro.
Também há requerimentos que demandam ao Itamaraty informações sobre doações a título de presentes do exterior a Lula e Dilma em todos os mandatos exercidos. Um desses pedidos foi encaminhado em 3 de abril pela 1ª Secretaria da Câmara ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que terá até 3 de maio para responder.
Os requerimentos contra Lula são de autoria dos deputados Carlos Jordy (PL-RJ), líder da oposição, Nikolas Ferreira (PL-MG), José Medeiros (PL-MT), Kim Kataguiri (União Brasil-SP), Marcel van Hattem (Novo-RS), Felipe Francischini (União Brasil-PR), Diego Garcia (Republicanos-PR), Gilvan da Federal (PL-ES), Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), Silvia Waiãpi (PL-AP), Evair Vieira de Melo e do senador Cleitinho (Republicanos-MG).
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