Depois de mais uma operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) contra um deputado - desta vez o alvo foi o líder da oposição na Câmara, Carlos Jordy, do Partido Liberal - parlamentares voltam a cobrar a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Abuso de Autoridade, para investigar excessos praticados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Os deputados de oposição e até mesmo integrantes da base aliada ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), insatisfeitos com repetidas intromissões do Judiciário no Legislativo, se apressaram na coleta de assinaturas para instalar a comissão ainda antes do fim de 2023, depois da morte de Cleriston Pereira de Souza, que estava preso no presídio da Papuda, em Brasília, por suposta participação nos atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2024. O Ministério Público Federal, inclusive, já havia se manifestado pela soltura dele.
A CPI foi proposta inicialmente em 2022 pelo deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS), mas foi deixada para depois em função do fim da legislatura. A iniciativa foi retomada no meio do ano passado sem conseguir as assinaturas necessárias para ser protocolada: 171, o equivalente a 1/3 dos deputados. O número necessário foi alcançado no fim do ano, quando o pedido foi protocolado junto à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, mas a instalação da CPI ainda não ocorreu. Isto porque o ano legislativo também estava para terminar, e não houve deliberação do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para a criação da comissão, a qual voltou a ganhar fôlego nos últimos dias.
Nas redes sociais, Marcel Van Hatten prestou solidariedade a Jordy, que foi surpreendido com mandados de busca e apreensão no seu gabinete, em Brasília (DF), e na sua residência, em Niterói (RJ). Van Hatten disse que "esse ataque não foi a ele [Carlos Jordy] somente, foi a toda a oposição e à democracia", e cobrou posicionamento dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na mesma publicação, o deputado lembrou que a CPI já foi protocolada e deve ser prioridade máxima no início dos trabalhos legislativos, no próximo dia 2 de fevereiro.
O vice-líder da oposição na Câmara, deputado Maurício Marcon (PL-RS), disse à Gazeta do Povo nesta segunda-feira (22) que os parlamentares irão se reunir nesta semana e "definir estratégias constitucionais para reagir ao que aconteceu" com Jordy. Assim como Van Hatten, Marcon questionou o silêncio dos presidentes da Câmara e Senado em relação ao episódio.
Com relação à Comissão Parlamentar de Inquérito do Abuso de Autoridade, ela precisa ser lida em plenário por Lira para ser instalada. Somente após a leitura poderão ser indicados os membros, ocorrerá a eleição do presidente e do vice, além de ser designado o relator.
Entre os fatos que a CPI quer investigar estão operações contra empresários que trocaram mensagens por aplicativo sobre suposto golpo de Estado; o caso do próprio líder da oposição, Carlos Jordy, o qual foi ligado a mensagens sobre os atos do 8/1; o bloqueio de contas bancárias de pessoas e empresas suspeitas de financiar os atos; a censura a parlamentares e à imprensa; e ainda o chamado inquérito das Fake News, instaurado em 2019, e utilizado para determinar mandados de busca e apreensão e até bloqueio de perfis de políticos e influenciadores.
Senadores assinam manifesto e vão discutir operação com o STF
A liderança da oposição no Senado Federal - que na semana passada divulgou uma nota pública em repúdio à fase da operação Lesa Pátria, da Polícia Federal, que mirou o deputado Carlos Jordy - vai se reunir nesta quarta-feira (24) com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso. Entre os assuntos, o senador Rogério Marinho (PL-RO), líder da oposição na Casa, deverá abordar a ordem de busca e apreensão determinada pelo ministro Alexandre de Moraes contra o líder da oposição na Câmara.
Durante o encontro, também deverá ser abordada a necessidade de que as investigações obedeçam direitos e garantias individuais, prerrogativas de mandato parlamentar, o devido processo legal e a autonomia e respeito entre os Três Poderes, pontos defendidos no manifesto divulgado e assinado por oito líderes de oposição no Senado Federal.
No texto, os parlamentares reforçaram que são contra os atos de depredação ocorridos no 8 de janeiro de 2023, episódio que a PF ligou a Jordy ao deflagrar a operação contra ele.
"Nosso compromisso com a democracia é inabalável. Condenamos categoricamente os atos de violência e depredação ocorridos em 08.01.2023. E participamos ativamente do esforço pelo aprofundamento das investigações no âmbito do Parlamento, inclusive de omissões flagrantes de autoridades do governo federal", ressaltou a nota.
Prova usada para busca e apreensão pela PF é falsa, diz Jordy
O mandado de busca e apreensão contra Carlos Jordy sido determinado com base numa troca de mensagens entre o deputado e Carlos Victor de Carvalho, para supostamente incitar os atos do dia 8 de janeiro. Mas o deputado disse nas redes sociais que a foto que mostrava Carvalho nas manifestações que terminaram com a depredação de prédios públicos em Brasília era, na verdade, da posse do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019.
A própria defesa de Carvalho disse que ele teria alterado a foto, para dar a impressão de que teria estado na capital federal durante as manifestações de 8 de janeiro, e que "tudo não passou de uma brincadeira".
Apesar da pressão, presidente da Câmara vai tentar evitar crise com STF
A determinação de busca nas dependências da Câmara dos Deputados, em pleno recesso parlamentar, acabou pegando o Congresso de surpresa e foi mais um episódio de interferência do Judiciário no Legislativo.
Mesmo assim, o cientista político Adriano Cerqueira, da Universidade Federal de Ouro Preto, avalia que o presidente da Câmara, Arthur Lira, deverá evitar se comprometer com um dos lados na questão, tanto governo quanto oposição, em relação à CPI.
Segundo ele, a atuação de forma mais independente é mais confortável no momento para Lira. O analista lembra que o presidente da Câmara pretende fazer um sucessor em 2025 e para isso precisará do apoio do governo.
"A CPI do Abuso de Autoridade, caso venha a ser instalada, vai ser fruto de negociações. O governo tem sabido manobrar, mesmo em CPIs que vão contra seu interesse, [para que] consiga gerar maioria. Então, eu acho que qualquer medida tomada deverá ocorrer após a retomada dos trabalhos, e análise do contexto político", afirmou o analista.
Vice-líder do PL, o deputado Alberto Fraga, do Distrito Federal, é outro parlamentar que questiona o silêncio do presidente da Casa, diante dos últimos acontecimentos envolvendo o deputado Carlos Jordy. "Demonstra a arbitrariedade e abuso de poder por parte do Sr. Alexandre de Moraes. Lamentamos até o silêncio do Arthur Lira, o que ele tem que entender é que quando se desmoraliza um deputado federal, o presidente também é desmoralizado".
Sobre a instalação da CPI, o parlamentar acredita que a interferência do Judiciário no Legislativo precisa urgentemente ter um ponto final, "para que todos verdadeiramente sejam iguais perante a lei".
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