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Após a confissão do ex-diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Saulo Moura da Cunha, que admitiu ter adulterado relatório de inteligência a mando do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Marco Gonçalves Dias, a disputa entre governo e oposição na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro gira agora em torno da possibilidade de haver mais autoridades federais omissas no episódio. Segundo disseram integrantes da oposição no colegiado à Gazeta do Povo, o roteiro imaginado pela maioria governista na CPMI precisou se ajustar às revelações provocadas por requerimentos dos parlamentares oposicionistas aprovados em plenário mediante acordo.
Gonçalves Dias não teria tomado qualquer medida diante da iminência dos atos de vandalismo no Palácio do Planalto, apesar da série de alertas recebidos, incluindo um telefonema horas antes de Cunha falando da convicção sobre os ataques. Para a oposição, há, contudo, uma hierarquia de omissões, e o esforço de investigação deverá ser para identificar outros prováveis nomes que permitiram a violência, incluindo o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta ordem.
Enquanto isso, o governo mostra-se pressionado quando Dino recusa-se a enviar imagens do Palácio da Justiça, sede de seu ministério, no dia dos atos, e quando seus representantes na CPMI já reconhecem a omissão de Gonçalves Dias, numa clara estratégia para evitar que cresça a lista de autoridades omissas no caso. A revelação do ex-diretor da Abin - de que o ex-ministro do GSI pediu para retirar o seu nome da lista dos destinatários de alertas - levou os governistas a passarem a chamá-lo finalmente de omisso, como reconheceu a deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ).
Ela fez questão de frisar: “ele [Gonçalves Dias] foi exonerado pelo presidente Lula”. Mas a parlamentar ignorou o fato de ele ter saído formalmente “a pedido” e somente após o vazamento em 19 de abril de imagens do Palácio do Planalto que haviam sido colocadas sob sigilo pelo próprio governo, as quais mostravam o ex-responsável pela defesa do prédio interagindo com invasores.
A tendência agora é de que o depoimento dele, inicialmente negado pela relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), e depois colocado para o fim da fila, possa ser antecipado. Também é dado como certa a inclusão do nome do general na lista dos indiciados do relatório final da comissão.
Omissão é tão criminosa quanto ação, ressalta Esperidião Amin
O senador Esperidião Amin (PP-SC) ressaltou que às 19h40 do dia 6 de janeiro todo o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) - ou seja, 48 agências - recebeu a notícia de que haveria invasão do Congresso e de outros prédios da Praça dos Três Poderes.
“Nosso dever é investigar as omissões porque tanto a investigação do STF, Polícia Federal e autoridades do Distrito Federal não estão sendo tão ágeis quanto têm sido no caso das ações. Mas, do ponto de vista legal, omissões são tão criminosas quanto as ações”, disse.
Depoimento de Anderson Torres é estratégico para os dois lados
A identificação de Gonçalves Dias como o "indivíduo responsável pela abertura da porta" do Palácio, conforme sugere uma afirmação do próprio presidente Lula e frequentemente lembrada pelo senador Espiridião Amin (PL-SC), torna o depoimento de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL) e ex-secretário do Distrito Federal, especialmente estratégico para oposição e também para o governo. Previsto para ocorrer na próxima terça-feira (8), esse depoimento foi amplamente solicitado desde o início da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro.
Por ainda estar sendo investigado pelos inquéritos que apuram os atos de vandalismo, objeto central de apuração da comissão, Anderson Torres tem o direito de permanecer em silêncio, mas já se especula que ele não irá optar por esse caminho. O depoimento promete ser longo e tenso, especialmente se ele não se recusar a responder às perguntas.
Por 117 dias, Torres ficou preso no 4º Batalhão de Polícia Militar, no Guará (DF), sob a suspeita de negligência nos atos contra as sedes dos Três Poderes, após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 8 de janeiro, o ex-ministro foi demitido da Secretaria de Segurança do Distrito Federal, e, dois dias depois, Moraes emitiu uma ordem de prisão preventiva, a pedido da Polícia Federal (PF), porém Torres estava de férias nos Estados Unidos. Ele foi detido imediatamente ao chegar ao Aeroporto Internacional de Brasília, em 14 de janeiro.
Em 11 de maio, Moraes considerou o parecer favorável à revogação da prisão preventiva do ex-secretário, apresentado pela Procuradoria Geral da República (PGR). Atualmente, Torres está sujeito a medidas cautelares, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica.