Senador Davi Alcolumbre (União-AP), à esquerda, e o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), à direita: os dois foram eleitos para as presidências do Senado e da Câmara, respectivamente| Foto: Pedro França/Agência Senado e Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
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A oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta, no momento, o desafio de incluir na pauta de votações do plenário da Câmara o Projeto de Lei 2858/2022, o PL da Anistia, que perdoa os réus do 8 de janeiro de 2023. Para isso, líderes partidários e parlamentares buscam votos suficientes para a aprovação, e para isso esperam contar com o apoio de partidos do Centrão.

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Além de buscar o engajamento da população de direita para pressionar políticos em favor da proposta, a negociação se apoia em acordos costurados nas eleições das presidências das duas Casas do Congresso. Liderada pelo PL, a oposição condicionou o apoio ao vencedor na Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), à aprovação da anistia.

Na Câmara, onde a tramitação do projeto inicia e cuja aprovação teria peso simbólico crucial para impulsionar as fases seguintes - incluindo uma esperada derrubada por veto presidencial -, o tema conseguiu avançar. Motta sinalizou que poderá pautar a votação do PL da Anistia no plenário, desde que os líderes partidários demonstrem ter os votos suficientes para a aprovação.

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O vento a favor do projeto inclui a negociação produtiva com o Centrão, na qual se insere a combinação feita entre oposição e o presidente do PSD, Gilberto Kassab, tornada pública pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) diante de milhares de seguidores que participaram do ato político pela aprovação da anistia, na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, no último domingo (16).

Oposição aposta em ajustes nos bastidores e vê resistência maior restrita à esquerda

Parlamentares e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que boa parte da sociedade já considera excessivas as penas impostas a réus sem antecedentes criminais - que chegam a 17 anos de reclusão. Também há a impressão de que, na prática, só partidos da esquerda fazem duro combate ao projeto, sustentando o slogan “Sem Anistia” e outros mais agressivos.

Ao lado de Bolsonaro, no trio elétrico no Rio, o relator da proposta mostrou confiança no domingo (16) sobre o andamento da pauta. “Quantas vezes decretaram a morte da anistia? Mas, venho trazer uma palavra de esperança: a anistia está mais viva do que nunca e nós iremos aprovar ela aqui no Brasil”, disse.

A resistência da discussão se resumiria agora ao alcance do projeto, cujo conteúdo pode beneficiar Bolsonaro no âmbito da anistia.

Nos bastidores, uma das estratégias em avaliação por parlamentares que ainda não apoiam a medida seria "trocar" a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro devido à acusação de golpe de Estado - sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF) - pela aprovação do projeto da anistia que beneficiaria manifestantes presos e foragidos do 8 de janeiro de 2023. A ideia, porém, deve encontrar resistência da direita, principalmente dos congressistas que apoiam Bolsonaro.

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O ministro Cristiano Zanin, do STF, agendou para 25 de março o julgamento da denúncia contra Bolsonaro e outros sete acusados por suposta trama golpista. Como presidente da Primeira Turma da Corte, Zanin recebeu a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), elaborada e liberada com rapidez pelo ministro Alexandre de Moraes.

Garantia de Alcolumbre dada ao STF cobriria só processos de impeachment

Os primeiros gestos e falas do presidente da Câmara, Hugo Motta, sobre os fatos tratados pela anistia deram impulso às negociações do projeto. Em entrevista poucos dias após sua posse, ele negou que o 8 de janeiro possa ser visto como tentativa de golpe. Motta também recebeu e ouviu relatos em seu gabinete de parentes de presos nos atos na Praça dos Três Poderes.

No Senado, o apoio da oposição a Alcolumbre envolveu o compromisso de garantir o avanço da anistia quando chegasse da Câmara. Há informações de bastidor de que o senador já teria dado ao STF a garantia de enterrar qualquer chance de impeachment contra ministros da Corte. Restaria, pois, cumprir o acordo com a oposição, que exige a aprovação do projeto.

Apesar disso, causou receios na oposição a primeira declaração de Alcolumbre sobre o tema, no rumo inverso de Hugo Motta. Em 20 de fevereiro, o presidente do Senado afirmou que a anistia “não é assunto dos brasileiros” e não deveria ser pauta prioritária. Segundo ele, a denúncia da PGR contra Bolsonaro deve ser tratada estritamente no âmbito jurídico. Contudo, houve uma moderação de seu discurso.

No dia 27, em entrevista à Rede TV, Alcolumbre admitiu uma negociação dos termos do projeto . “Nós temos que fazer uma mediação e uma modulação na questão da anistia. Ela não pode ser uma anistia para todos de maneira igual. E ela também não pode nas decisões do Judiciário ser uma punibilidade para todos na mesma gravidade”, disse.

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Ainda resta outro cálculo político em jogo: mesmo que o projeto passe pelo Congresso, ele pode ser depois questionado no Judiciário. Caso o STF seja provocado, é provável que a anistia seja derrubada, a exemplo de outras decisões com ampla maioria legislativa. Se isso ocorrer, a iniciativa voltaria à estaca zero, mas com acordos políticos no Legislativo devidamente honrados.

Tamanho da manifestação no Rio gera controvérsia e reforça disputa pela anistia

O projeto de anistia do deputado Major Vitor Hugo (PL-GO) concede anistia a todos que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do país desde 30 de outubro de 2022 até o dia de entrada em vigor da Lei. Depois do ato na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para defender o projeto, o próximo está agendado para a Avenida Paulista, em São Paulo, em 6 de abril.

O tamanho da manifestação do Rio gerou divergências. A Polícia Militar do Rio estimou 400 mil participantes, enquanto o Monitor do Debate Público do Meio Digital, do Cebrap, apontou 18,3 mil, e outros levantamentos indicam cerca de 30 mil. Apesar das discrepâncias, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), considera o ato um sinal das ruas para reforçar seu pedido de urgência na votação da anistia.

Durante o evento, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), instou o Congresso a apoiar o projeto. “Estamos juntos para exigir anistia para inocentes que receberam penas desproporcionais. Já temos votos para aprovar. Quero ver quem terá coragem de se opor”, declarou.

Batalha de narrativas em torno da anistia consolida a polarização política do país

O cientista político Ismael Almeida avalia que o projeto de anistia é apenas um aspecto mais visível de uma polarização política consolidada no Brasil, sendo parte de uma guerra de narrativas entre esquerda e direita sobre a suposta tentativa de golpe de Estado. Para ele, o impacto político da proposta legislativa dependerá de como a sociedade percebe esse embate.

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Almeida aponta contradições na guerra de narrativas, como líderes de esquerda que foram beneficiados pela anistia de 1979, mas hoje se opõem à medida por razões estratégicas. “Nos últimos tempos, porém, o debate tem ganhado novos contornos, com os questionamentos sobre a possível prisão de inocentes e a excessiva severidade das penas aplicadas”, diz.

Embora haja ambiente de cautela para evitar confronto com o STF, o analista sugere que uma solução negociada poderia envolver revisão de penas, punição proporcional para crimes graves e garantia da livre expressão. Essa negociação pode, contudo, excluir Bolsonaro da anistia como moeda de troca para dobrar as resistências do Executivo e do Judiciário.

Para Luiz Felipe Freitas, cientista político e assessor legislativo da Malta Advogados, o projeto de anistia dificilmente avançará como deseja a oposição. Ele vê mais chance na alteração da Lei da Ficha Limpa para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro.

“O tempo corre contra a anistia, com o julgamento do STF se aproximando, enquanto a adesão ao protesto de Copacabana divide opiniões – para uns, demonstra força; para outros, sinaliza esvaziamento”, observa.

Segundo Freitas, ministros do STF estariam aliviados com a pressão menor das ruas.

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