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Ministro da Justiça

Oposição tenta derrubar decreto de Lula sobre armas após Dino se negar a fazer concessões

Flávio Dino
Primeiro ministro de Lula convidado a dar explicações à Câmara, Flávio Dino teve de esclarecer ações do governo na segurança pública. (Foto: Isaac Fontana/EFE)

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A oposição na Câmara dos Deputados subiu o tom contra o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB) sobre armas. Deputados opositores aprovaram na quarta-feira (29) um requerimento que possibilita a votação de um Projeto de Decreto Legislativo que susta os efeitos do decreto editado em 1º de janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O documento suspendeu ou restringiu uma série de ações relacionadas a armamento.

Na prática, a medida de Lula tornou sem efeito um decreto de maio de 2019, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que regulamentava a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e munição. Na prática, a medida de Lula também suspendeu direitos de atiradores que já vigoravam antes da gestão Bolsonaro.

Dino esteve na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara para se explicar sobre diversos assuntos na terça-feira (28), inclusive sobre a questão do registro e comercialização de armas.

Ele fez apenas pequenas concessões aos deputados de oposição, como postergar até maio o prazo para que consumidores registrem novamente as armas compradas durante a gestão Bolsonaro. Por isso, deputados opositores passaram a atacar diretamente o decreto de desarmamento feito por Lula.

O novo Projeto de Decreto Legislativo da oposição tem que ser aprovado nas comissões e em plenário para revogar um decreto presidencial. O deputados de oposição ouvidos pela reportagem não souberam informar se o projeto terá ou não que passar por análise no Senado.

Dino atendeu apenas 3 das 12 reivindicações da oposição

O pacote do petista suspendeu os registros para a aquisição e transferência de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores, chamados de CACs e particulares, restringiu a quantidade de aquisição de armas e de munições de uso permitido, suspendeu a concessão de novos registros de clubes e de escolas de tiro e suspendeu a concessão de novos registros de CACs.

A oposição sustenta que, além de confrontar diretamente o livre exercício esportivo dos CACs, o decreto de Lula prejudica a atividade profissional de clubes de tiro e ameaça as receitas dos empresários e até empregos de trabalhadores que atuam nesse mercado. A fim de reverter esse quadro, um grupo de 35 deputados se reuniu com Dino, em 21 de março, e apresentou uma agenda de reivindicações contendo 12 pontos.

Três dessas pautas foram atendidas com a publicação de um decreto, na quarta-feira (29). Ele prorrogou até 3 de maio o período para recadastramento de armas, prazo que, pelo decreto editado em janeiro, expiraria nesta sexta-feira (31). Assinado por Lula e Dino, o novo decreto também regulamentou a "logística e segurança" para o recadastramento das armas e incluiu membros das Comissões de Segurança Pública da Câmara e do Senado no grupo de trabalho que debaterá a regulamentação da Lei 10.826/03, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas e munição.

Em razão da iminência de encerramento do prazo de recadastramento, a regularização das armas (inclusive fuzis) era uma das medidas mais urgentes, mas não a principal prioridade. A demanda mais emergencial dos deputados, porém, era assegurar a retomada do funcionamento dos clubes e escolas de tiro para os atiradores com licença de CAC, além da retomada das atividades das empresas que comercializam armas e munições.

Ou seja, opositores admitem que a tramitação do Projeto de Decreto Legislativo é uma resposta ao descumprimento das demandas apresentadas.

Oposição cita empregos ao defender ajustes na política de armas

O presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, Sanderson (PL-RS), diz que o "cerne da questão" sobre as ações relacionadas a armamento não está resolvido. "Ao contrário, está muito longe de ser resolvido. É importante que essa situação seja reavivada, a publicação [do decreto] encaminha inicialmente [alguns pontos], mas não resolve, e precisamos resolver urgentemente", disse em audiência pública do colegiado na quarta-feira (29).

À Gazeta do Povo, o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) endossa o discurso de Sanderson. "O decreto mantém todas as restrições ao funcionamento dos clubes, à compra de armas, a novos certificados de registros, à prática do tiro esportivo, à compra de insumos e munições, ao porte em trânsito, a tudo. Não melhorou em absolutamente nada", afirma. Contudo, o parlamentar é ainda mais contundente e considera o decreto um gesto "ofensivo".

"Dino publica [o decreto] como se tivesse feito uma benesse para os atiradores, para o mundo do tiro, os CACs, que, na verdade, não é nada disso. Prejudica a causa, e por que prejudica? Pois são mais 30 dias sem trabalhar, sem pagar salário, sem recolher impostos", destaca Bilynsky.

O deputado Capitão Alden (PL-BA) defendeu anular os efeitos do "decreto de vingança" de Lula. "Estão prorrogando a dor de milhares e milhares de comerciantes que estão impedidos de exercer [sua atividade]. Estão impedidos do direito natural de poder levar seu sustento para suja família. É imediato sim essa aprovação desse decreto", afirmou na audiência pública.

O deputado destacou, ainda, que o governo não definiu o cronograma do grupo de trabalho proposto e o colegiado sequer foi convidado formalmente para realizar as atividades. "Então, não podemos mais aguardar 30, 60 ou 90 dias e impor [restrições] a todos os brasileiros que, antes de serem armamentistas, são cidadãos que têm o direito de sobreviver e subsistir", reforçou Alden.

Relator do Projeto de Decreto Legislativo 3/2023, o deputado Marcos Pollon (PL-MS), classificou os efeitos do decreto editado por Lula em janeiro como "cruel". Ele criticou a proibição de emissão de Certificado de Registro (CR) de empresas e afirma que há famílias que venderam todo seu patrimônio para investir em um clube ou loja para a prática de tiros.

"Passaram por toda uma via crucis da verificação se poderiam exercer a atividade ou não, e quando faltava a pura e simples expedição do CR, que é o papel, veio a proibição, está tudo parado. Gente que estava com folha de pagamento desde novembro pagando equipe para trabalhar em janeiro teve que mandar [funcionários] embora", lamentou Pollon.

O deputado Marx Beltrão (PP-AL) foi outro a citar o aspecto econômico ao alertar para a importância do governo em atender pontos demandados pela comissão. "Falamos aqui em empregos, não podemos falar para cerca de 3 milhões de empregos que estão, de certa forma, condenados com o decreto [de janeiro] que foi editado", lamentou. "O ministro [Dino] atendeu em parte as solicitações que fizemos na semana passada, mas tem dois pontos que foram colocados pela comissão que não foram atendidos, que é a questão do registro das armas compradas até 31 de dezembro e a emissões dos Crafs [Certificado de Registro de Arma de Fogo], e nós consideramos que esses pontos são primordiais", complementou.

Liderança do governo prega negociação e rebate críticas

O deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), vice-líder do governo Lula na Câmara, defende que o decreto editado na quarta-feira atende a uma demanda de urgência e que a gestão petista atendeu outros dois pleitos. "Não houve ainda um veto do governo, houve prorrogação para que os pontos que os senhores colocam como urgente estejam em negociação, só para deixar evidente", afirmou.

Em crítica ao mérito do Projeto de Decreto Legislativo que susta o decreto de Lula, Vieira criticou a política de flexibilização e estímulo ao uso e venda de armas e munições como uma forma de "promoção de paz". Para ele, é uma política que gera mais violência e crime.

"Entendemos que uma maior circulação de armas não gera segurança, não protege a vida das pessoas, muito pelo contrário", disse. "Entendo que a política que flexibiliza e estimula o uso e venda de armas e munições não cumpre esse objetivo. Grande parte das armas comercializadas de forma legal acaba sendo desviada para ações criminosas", argumentou.

Citando pautas identitárias, o aliado de Lula também argumenta que o aumento de circulação de armas em um país de cultura "patriarcal, de masculinidade violenta, racista e intolerante" e de polarização política poderia estimular mais crimes. "Quantas brigas de trânsito com a presença de arma de fogo podem mais facilmente terminar em morte?", indagou.

O deputado Gilvan da Federal (PL-ES) rebateu o argumento de Vieira. "Aqui tem policiais com 20, 30 e 35 anos trabalhando na atividade policial e nunca ouvi tanta bobagem. Cultura masculina patriarcal racista. Foi falado aqui de circulação das armas. É um discurso muito bom do desarmamento para falar em locais que estão sendo dominados pelo PCC e Comando Vermelho, ao qual o ministro da Justiça entra tranquilamente [Complexo da Maré]", disse. "Vai lá falar com o ministro da Justiça e com as facções sobre desarmamento, sobre circulação de armas", criticou.

O deputado Paulo Bilynskyj também rebate a tese desarmamentista e repudia a declaração de Dino mencionada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nesta semana de que parte das armas adquiridas pelos CACs são vendidas às facções criminosas. Em função dessa fala, ele protocolou nesta quarta-feira um pedido de convocação de Dino por "fake news". O deputado Marcos Pollon também rebateu e disse que armas decorrentes de acervo lícito desviadas para o crime organizado não chegam a 1% das armas apreendidas.

Base de Lula tentou manobra regimental para impedir debate sobre armas, mas foi derrotada

A oposição aprovou o requerimento na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) por 24 votos favoráveis e três contrários após um extenso debate e manobra da base do governo Lula, que tentou evitar a votação do requerimento que incluiu o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 3/2023 na ordem do dia da comissão.

O projeto não estava previsto na pauta e o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), vice-líder do governo na Câmara, citou o regimento interno da Casa para argumentar que a comissão não poderia votar um requerimento de inclusão extrapauta em razão de ter iniciado a sessão elegendo os vice-presidentes da Comissão de Segurança Pública. Contudo, o pedido foi negado pelo deputado Alberto Fraga (PL-DF), que, na ocasião, presidia a sessão e rejeitou também citando o regimento.

O parecer do projeto que propõe anular o decreto de Lula chegou a ser lido pelo relator, deputado federal Marcos Pollon (PL-MS), mas não foi votado após um pedido de vista conjunto dos deputados Capitão Augusto (PL-SP), Coronel Telhada (PP-SP), Delegada Adriana Accorsi (PT-GO) e Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ).

Em razão da vista, a proposta não será discutida pelas próximas duas sessões da Comissão de Segurança Pública da Câmara, anunciou Fraga. O parlamentar sugeriu, contudo, que, após o período, o Projeto de Decreto Legislativo pode ser votado.

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