A oposição na Câmara dos Deputados quer aproveitar a briga pública entre o ministro do Supremo Tribunal Federal (TF), Alexandre de Moraes, e o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), para impulsionar projetos de lei que garantam a liberdade de expressão.
A inciativa vai no caminho oposto à pressão de governistas para a aprovação de uma regulamentação abrangente das redes sociais. O PL das fake news (ou PL da Censura, como apelidaram seus críticos) é uma das bandeiras dos aliados do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas diante da falta de consenso sobre a proposta, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que criará um grupo de trabalho para elaboração de um novo texto sobre o tema, em um prazo estimado de trinta a quarenta dias.
Deputados de oposição já protocolaram na Câmara, em anos anteriores, projetos de lei com ênfase na liberdade de expressão e pretendem avançar a articulação para tramitação deles na Casa diante das recentes revelações do "Twitter Files Brasil", que trouxe a público documentos internos do Twitter que sugerem uma violação da lei do Marco Civil da Internet contra a direita.
Um desses projetos (PL 2501/23), de autoria do deputado Gilson Marques (Novo-SC), proíbe a censura a conteúdos, publicações e manifestações políticas ou ideológicas por agentes públicos, tornando crime de abuso de autoridade e crime de responsabilidade a determinação de retirada ou alteração desses conteúdos.
O texto prevê ainda pena de detenção, de um a quatro anos, e multa para quem determinar a suspensão, proibição ou causar embaraço à atividade de plataformas digitais em virtude de conteúdos, publicações e manifestações de cunho político ou ideológico.
O parlamentar diz que é "urgente e oportuno" avançar na discussão sobre as redes sociais, para evitar a censura. À Gazeta do Povo, ele reiterou que é preciso mostrar o outro lado, se referindo à cobertura de imprensa que retratou os episódios de censura no X como se fossem ataques fortuitos de Musk a Moraes. Para ele, a proposta promovida pelos governistas sobre regulamentação das redes sociais não passa de uma tentativa de censurar opiniões e postagens.
"O Congresso Nacional não pode assistir inerte aos Poderes da República se transformarem em verdadeiros censores das manifestações do debate público", pontuou o deputado, para quem é preciso garantir a vedação à censura e o direito à liberdade de expressão.
Depois que Musk questionou ordens do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, e da inclusão do megaempresário em inquéritos conduzidos por Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF), o parlamentou iniciou a coleta de assinaturas para pedir urgência na apreciação do projeto. São necessárias 257 assinaturas de deputados para que a matéria tramite em regime de urgência e possa ser votada pelo plenário da Câmara mais rapidamente.
Com o calendário legislativo apertado em função das eleições municipais, é possível que o assunto comece a ser discutido, porém sem resultados efetivos. Mesmo assim, Gilson Marques disse que deverá conversar com o presidente da Câmara, Arthur Lira, sobre o assunto.
Em outra tentativa de impedir a censura, um grupo de jornalistas, analistas políticos e juristas elaborou uma minuta de projeto de lei apresentada a deputados federais, em mais uma tentativa de garantir a liberdade de expressão nas redes. O texto propõe a instituição da "Declaração de Direitos de Liberdade de Expressão" no Brasil, a fim de estabelecer proteção à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação.
Batizado de projeto Anticensura, o texto tem a colaboração de liberais e juristas como Hugo Freitas (colaborador da Gazeta do Povo) e André Marsiglia, entre outros, e busca adotar no Brasil uma concepção americana que protege qualquer fala, reservando o uso do aparato repressivo do Estado para atos concretos. A proposta prevê que meras falas só são objeto possível de repressão em casos em que é "claro, próximo e provável o nexo causal entre a fala e o potencial dano concreto".
Projeto torna abuso de autoridade retirar do ar página de parlamentar por declarações
Ainda na esteira de garantir a liberdade de expressão, em especial as opiniões de parlamentares, tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o projeto de lei 2.782/22, que torna crime de abuso de autoridade – sujeito a prisão de um a quatro anos e pagamento de multa – a remoção injustificada de publicação, página ou perfil de deputado ou senador na internet.
O deputado José Medeiros (PL-MT), autor da proposta, disse que o projeto pretende garantir o respeito à imunidade parlamentar, prevista na Constituição Federal, e que assegura a deputados e senadores o direito de não responder judicialmente por suas opiniões e palavras. O deputado afirmou que essa prerrogativa foi desrespeitada durante a campanha eleitoral em 2022.
“Um número considerável e assustador de decisões judicias foram proferidas para determinar o bloqueio ou a suspensão dos perfis de deputados e senadores pelo simples fato de expressarem, por meio da internet, suas opiniões e palavras”, completou o parlamentar.
Outra proposta que busca garantir a livre expressão de opiniões e declarações na internet é do deputado Kim Kataguiri (União -SP), que também prevê a prisão de quem derrubar postagens ou plataformas por opiniões políticas. Segundo o parlamentar, o PL 593/2023 é uma proposta anticensura e, devido aos acontecimentos recentes entre o dono do X (antigo Twitter) e Moraes, "chegou a hora de pautá-lo".
"Acho fundamental garantir a liberdade de expressão em lei para que ela não seja apenas uma previsão abstrata na constituição", afirmou o deputado à Gazeta do Povo. Para ele, isto é importante para que o judiciário não possa censurar seus críticos de maneira arbitrária. O projeto aguarda análise na Comissão de Comunicação.
Governistas defendem regulamentação abrangente contra "desinformação"
Enquanto parlamentares de oposição se mobilizam para debater a liberdade de expressão, o governo tenta ressuscitar o projeto de lei 2.630/2020. Relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), da base aliada do governo, a proposta estava parada na Câmara desde maio do ano passado.
Na semana passada, em meio às polêmicas entre Musk e Moraes e as pressões do governo para colocar em votação o PL das Fake News, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um grupo de trabalho para revisar o texto, alegando que o conteúdo não tinha consenso entre os líderes dos partidos na Casa para ser levado à votação. Na prática, a decisão abre a possibilidade para um texto completamente novo sobre regulamentação das redes sociais e para a indicação de um novo relator do PL.
"O texto foi polemizado", disse Lira, negando que o problema seja o relator, Orlando Silva.
Segundo Lira, o grupo será formado por parlamentares que queiram discutir o assunto e deverá apresentar um novo texto num prazo de trinta a quarenta dias. Os líderes partidários deverão indicar os membros e o relator ainda não foi definido.
Governistas defendem uma regulamentação abrangente das redes sociais, com o intuito de "qualificar o regime de responsabilidades para as Bigtechs, fixar obrigações de transparência, de modo que os direitos fundamentais dos brasileiros sejam protegidos, a desinformação combatida e não continuemos assistindo perplexos a tantos crimes sendo cometidos na internet", nas palavras de Orlando Silva.
Porém, as previsões abrangentes do texto, na opinião da oposição, criam a possibilidade de obrigar as plataformas a serem mais proativas em derrubar conteúdos que não estejam de acordo com o "politicamente correto". Segundo o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS), vice-líder da oposição na Câmara, o texto proposto por Silva não tem absolutamente nada de democrático e também não encontra apoio na sociedade.
Marcon lembrou que nem mesmo a tentativa de desmembrar o projeto, transferindo parte do conteúdo para o projeto de lei dos Direitos Autorais, conseguiu apoio para avançar e que, caso o governo busque alternativas para adequar o texto e incluir alterações como a questão de inteligência artificial, por exemplo, não terá apoio mais uma vez.
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