Dilma Rousseff (PT), atual presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) - também chamado de Banco do Brics - encontrou o líder russo Vladimir Putin e usou a instituição financeira para ajudá-lo a confrontar as potências do Ocidente. Ela defendeu que negociações comerciais entre os países do bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) sejam feitas sem o uso do dólar, mas sim com processos de câmbio entre moedas nacionais.
As declarações de Dilma na Rússia repetem o mantra de antiamericanismo adotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde o início de seu terceiro mandato. A estratégia dos petistas é apoiar as ditaduras da China e da Rússia em seu ataque à hegemonia da moeda americana.
"As relações dos países do Brics estão se desenvolvendo em moedas nacionais, parece-me que o banco pode desempenhar um papel significativo", disse Putin. Em resposta, Dilma concordou com o presidente russo: "Não há justificativa para que países em desenvolvimento não possam estabelecer trocas em moedas locais", afirmou.
Putin e Dilma se encontraram nesta quarta-feira (26) em São Petersburgo, na Rússia, um dia antes da Cúpula Rússia-África. O evento tem o intuito de aproximar as relações econômicas e "humanitárias" entre o país e o continente africano. Mas na prática também é uma preparação para a reunião de cúpula dos Brics, que deve ocorrer em agosto na África do Sul.
O apoio de Dilma a Putin também evidencia que o banco dos Brics está sendo usado para se contrapor a instituições financeiras do Ocidente, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, embora seja responsável por gerir uma quantidade de recursos financeiros muito mais baixa que seus concorrentes ocidentais.
No encontro, Putin defendeu o aumento da liquidez do banco dos Brics. Ou seja, fornecer mais recursos para que a instituição dê mais garantias para seus investidores, tornando-a mais forte.
A Rússia é alvo de sanções desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022. O Ocidente tem tentando mantê-la isolada com sanções econômicas com o intuito de pressioná-la a colocar um fim na guerra. Putin, contudo, tenta reverter esse cenário.
A cúpula desta semana pode ser vista como mais uma tentativa do Kremlin de criar novas alianças. Essa tentativa, no entanto, não tem surtido muito efeito. Enquanto a África se tem se mostrado um continente dividido, essa segunda edição da reunião não foi capaz de reunir o mesmo número de países da primeira edição.
Realizada em 2019, a I Cúpula Rússia-África teve a participação de 43 líderes africanos. Para a edição deste ano, apenas 17 dos 54 chefes de Estado africanos participam da cúpula. Para especialistas, o encontro de Putin e Dilma era um esforço do russo para obter mais parceiros.
Moscou quer empréstimos do Banco dos Brics
A Rússia tem interesse em recorrer ao Banco dos Brics para pedir ajuda financeira, conforme explica o cientista político Marcelo Suano, diretor de Projetos do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais. A instituição, porém, já afirmou que não "está considerando novos projetos na Rússia e opera em conformidade com as restrições aplicáveis nos mercados financeiros e de capitais internacionais. Quaisquer especulações sobre tal assunto são infundadas", disse em nota.
Dilma e Putin são considerados bem próximos e o presidente russo demonstrou grande apoio à ex-presidente quando ela sofreu o impeachment em 2016, no Brasil. No encontro desta quarta, porém, eles não citaram o conflito contra a Ucrânia.
Discurso de Rússia e China, fim da hegemonia do dólar é apoiado pelo PT
Em um movimento contra o Ocidente, Rússia e China têm feito declarações em defesa do fim do uso do dólar para negociações no Brics.
"Negociações em moedas locais poderiam gerar mais acesso a financiamentos entre os membros dos Brics", pontua Rogério Pereira de Campos, doutor em Ciências Sociais e pesquisador da Fundação Araporã. De acordo com o especialista, porém, essa mudança traria impactos negativos para investidores que "usam suas reservas em dólar para investir e especular em diferentes bolsas de valores".
Ainda que essa possibilidade seja discutida há algum tempo, conforme relembra Campos, havia um fator que impedia o debate: nenhuma potência poderia "rivalizar" com o capital de investimento dos EUA e, consequentemente, do dólar. Isso, porém, já não é mais uma questão, já que a China, principal opositora dos Estados Unidos, possui capital financeiro para tornar essa discussão uma espécie de "ameaça".
"O país asiático seria capaz de formar esse lastro de confiança na estrutura financeira atual e permitir essa desvinculação com o dólar. Esse cenário traz um receio crescente aos europeus e principalmente para os EUA, gerando maior liberdade de atuação política para China, Rússia e Índia no cenário global", explica Campos.
Contudo, essa possibilidade ainda é muito remota e de difícil concretização, uma vez que cerca de 90% das trocas globais são feitas com o dólar, segundo dados de 2022.
Polarização pressiona países desenvolvidos a buscar apoio no Sul Global
Na concepção de Campos, o jogo da influência política atingiu um ponto crítico nos últimos dois anos e, em algum momento, o Brasil pode ter que escolher quem vai apoiar. A polarização mundial tem dividido o mundo em dois blocos, um liderado pelas maiores economias entre os países democráticos (G7) e outro em formação capitaneado pela China, que tem a Rússia como parceira.
O especialista afirma que "essa aspereza nas relações [da Rússia] com União Europeia e EUA não são recentes, remetem ao período pós guerra fria", afirmou o pesquisador.
A guerra na Ucrânia também tem se tornado um catalizador da divisão mundial. Os países da América Latina e da África, no entanto, têm resistido em tomar uma decisão sobre o conflito.
Ainda na última semana, durante a Cúpula Celac-União Europeia, no qual foram anunciados investimentos e interesse de aproximação da UE em relação à América Latina, o tema foi o assunto de impasse entre os blocos. Isso porque alguns países latinos, incluindo o Brasil, pressionaram para que a Declaração Conjunta da cúpula, de apoio total à Ucrânia no conflito, fosse amenizada.
Assim, o documento adotou um tom mais moderado sobre a guerra: "Expressamos profunda preocupação com a guerra em curso contra a Ucrânia [...] Nesse sentido, apoiamos a necessidade de uma paz justa e sustentável [...] Apoiamos todos os esforços diplomáticos voltados para uma paz justa e sustentável de acordo com a carta da ONU."
O especialista ainda explica que a Europa se vê refém de matérias-primas russas e busca assegurar suas necessidades enquanto busca se aproximar de outras nações. "Nesse fogo cruzado, o Brasil tenta firmar acordos de ambos os lados, porém enfrenta resistência para definir um lado nesse embate. O acordo UE-Mercosul é um exemplo, além de questões técnicas e alfandegárias pendentes. Os países europeus têm nesse tratado um poder de barganha para negociar uma posição política do Brasil", pontua Campos.
Acenos do Brasil à Rússia são fruto de avaliação geopolítica equivocada de Lula
Lula cometeu erros ao falar sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Em uma de suas declarações, o mandatário brasileiro chegou a dizer que a Ucrânia tinha tanta culpa quanto a Rússia pelo conflito.
Em diversas oportunidades, Lula disse que "a decisão da guerra foi tomada por dois países". O conflito, no entanto, teve início depois que a Rússia invadiu a capital da Ucrânia, em fevereiro de 2022. O mandatário brasileiro também chegou a sugerir que o país invadido deveria ceder a Crimeia para a Rússia a fim de encerrar o conflito.
Entre diversas declarações contraditórias, Lula enviou seu assessor especial, Celso Amorim, à Rússia para se encontrar com Vladimir Putin. Dias depois, a Ucrânia se manifestou e convidou Lula para visitar o país pessoalmente, que nunca atendeu ao convite. É perigoso viajar a Kyiv por causa dos bombardeios constantes, mas a maioria dos líderes do Ocidente já correu o risco.
Ainda durante a Cúpula do G7 [Grupo dos sete países mais industrializados do mundo, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido] neste ano, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, participou da reunião e pediu para se encontrar com Lula. O brasileiro, porém, não atendeu ao convite.
Visto como um aliado econômico por Moscou, o Brasil ainda tem um motivo para pesar na decisão de não condenar a Rússia pela invasão à Ucrânia. Considerado um dos maiores produtores e exportadores de produtos agrícolas do mundo, o Brasil tem uma alta demanda de fertilizantes russos. No momento também aumentou suas importações de óleo diesel da Rússia. Mas por outro lado, o apoio a Moscou tem colocado a indústria bélica brasileira e a própria defesa nacional em risco.
A empresa russa de gás Gazprom anunciou que investiria no setor de energia brasileiro com a intenção de expandir as relações energéticas entre os dois países.
Dilma vai obedecer todas as ordens da China, segundo analista
A criação dos Brics surgiu com o intuito de promover a integração e desenvolvimento dos países que formam o grupo. Ao que passo que o Brasil, Índia, Rússia e África do Sul tentavam encontrar o meio de retomar seu desenvolvimento econômico, a China passou a se destacar no cenário econômico global.
Atualmente, ela é a segunda maior economia do mundo com um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 11,2 trilhões. Com essa guinada econômica, o país também elevou o potencial dos Brics e do NDB. "Devido a isso, podemos dizer que é a China que 'manda' no bloco", explica Suano.
O especialista esclarece que é a China que tem o poder de arcar com os financiamento aprovados pela instituição dos Brics. "Tanto que, ainda que a presidente tenha sido indicada pelo Brasil, ela certamente seguirá as diretrizes do governo chinês e não do governo brasileiro", pontua.
Para Marcelo Suano, o tema pode ser delicado para a Rússia, que deseja recuperar seu protagonismo no mundo. "A Rússia não tem outra alternativa e por isso ela pode estar se submetendo ao planejamento estratégico chinês", explica o especialista.
"Hoje, seu protagonismo depende de uma vitória na guerra contra a Ucrânia, da sobrevivência das suas forças armadas que estão extremamente fragilizadas e ridicularizadas no mundo e, além disso, da capacidade que ela vai ter de se desvincular da força chinesa", afirma.
Banco dos Brics será instrumento de antiamericanismo
Criado, oficialmente, em 2015, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), também chamado de Banco do Brics, tem o intuito de apoiar financeiramente projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, públicos ou privados dos países-membros do grupo.
Sua operação, no entanto, tem um funcionamento diferente dos Brics. Enquanto o grupo é formado por cinco países, há nações apoiadas pelo banco que não estão associadas ao bloco, como Bangladesh, Egito e Emirados Árabes Unidos – além, é claro, daqueles que compõem o grupo.
O capital subscrito inicial do Banco dos Brics foi de US$ 50 bilhões, sendo que o capital autorizado chegava a US$ 100 bilhões, distribuídos em cotas iguais entre os cinco primeiros países membros. Analistas avaliam que o banco não decolou.
Ainda que com uma estrutura e aporte menores, o NDB nasceu com o intuito de ser uma alternativa menos complexa aos outros bancos de financiamento mundial. Ou seja, que países em desenvolvimento pudessem recorrer a empréstimos menos burocráticos que fossem mais palpáveis para sua realidade.
Marcelo Suano, porém, ressalta que ainda que o NDB tenha comprovado seu sucesso ao longo dos anos, ele não pode ser comparado ao Banco Mundial ou ao FMI, as duas maiores instituições financeiras globais.
"Desde o início era muito claro, que ele seria complementar. Quando foi criado não tinha a mesma força que tem essas instituições, como ainda não tem, apesar de ter muito recursos", pontua o doutor em relações internacionais. O especialista, porém, explica que há ainda uma consequência ao recorrer aos recursos fornecidos pela instituição.
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