Com as despesas discricionárias – a parte do Orçamento “livre” para a União investir ou gastar como quiser – no menor patamar da história e o bloqueio de gastos determinado pelo governo para lidar com a falta de dinheiro, muitos ministérios e órgãos federais precisaram abrir mãos de iniciativas previstas no Orçamento para, em compensação, bancar programas considerados prioritários.
Levantamento da Gazeta do Povo – feito com base em tabela da execução orçamentária da União produzida pela Associação Contas Abertas – mostra que, mesmo em ações que não sofreram bloqueios orçamentários, há casos em que o governo deixou de aplicar os recursos previstos, ou então aplicou uma parte muito pequena, quase irrisória.
Os dados a seguir representam o total gasto (incluindo restos a pagar de exercícios anteriores) de 1º de janeiro a 25 de agosto. Antes, portanto, do desbloqueio – anunciado em 20 de setembro – de parte dos recursos contingenciados no primeiro semestre.
O Orçamento de 2019, vale lembrar, foi elaborado e aprovado na gestão de Michel Temer (MDB). Por isso, sua execução indica em quais projetos do antecessor o governo de Jair Bolsonaro (PSL) decidiu concentrar esforços, e quais não são tratados como prioritários.
Até 25 de agosto, passados praticamente dois terços (66%) do ano, o governo executou 69% dos R$ 92,75 bilhões disponíveis até então para gastos discricionários após o bloqueio de parte do Orçamento. Mas um grupo de iniciativas ficou para trás. De 2.266 programas ou ações previstos no Orçamento de 2019, 401 receberam menos de 20% das verbas autorizadas para o ano todo.
Confira a seguir, em texto e gráfico, algumas das iniciativas que foram deixadas em segundo plano, e na sequência as explicações dos ministérios a respeito da baixa execução:
Meio ambiente
Envolto em diversas polêmicas neste primeiro ano de governo Bolsonaro, o Ministério do Meio Ambiente deixa claro algumas de suas posições na execução do Orçamento. A pasta tinha inicialmente R$ 10,4 milhões para aplicar em “Iniciativas para Implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima”, mas teve R$ 9,9 milhões contingenciados. Dos R$ 533 mil que sobraram, foram aplicados exatamente R$ 327,32 de janeiro a agosto.
No Apoio à Implementação de Instrumentos Estruturantes da Politica Nacional de Resíduos Sólidos, a pasta teve R$ 5,6 milhões de R$ 6,9 milhões contingenciados. Mas, mesmo com R$ 1,3 milhão ainda para aplicar, gastou apenas R$ 138 mil em oito meses.
Cidadania
Outra pasta cuja execução orçamentária deixa claro que foi necessário priorizar ações é a da Cidadania. Responsável pela gestão de programas sociais, a pasta deixou de lado ações voltadas para o Esporte e a Cultura, que foram abrigadas no ministério de Osmar Terra com a reforma ministerial promovida pelo presidente Bolsonaro.
Até o fim de agosto a área da cultura recebeu apenas 13% dos R$ 49,6 milhões disponíveis, e o esporte teve aplicados R$ 37 milhões, dos R$ 293 milhões que ficaram disponíveis após um contingenciamento de R$ 87,7 milhões. Só para o programa de manutenção do legado olímpico dos jogos do Rio de 2016 estavam previstos R$ 67,6 milhões. No entanto, nenhum centavo foi aplicado no programa até o fim de agosto.
Educação
Em valores absolutos, a Educação foi o ministério que mais sofreu com o contingenciamento de despesas. Instituições como universidades federais já estão perto de estourar todo o orçamento do ano e, com isso, alguns projetos foram deixados de lado. Na rubrica Apoio à Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, a pasta tinha R$ 138 milhões para aplicar, mesmo depois de um corte de R$ 81 milhões. Mas só foram gastos R$ 2,8 milhões até 25 de agosto, ou 2% do orçamento disponível.
Economia
O Ministério da Economia tinha previsto R$ 11,5 milhões para o desenvolvimento do Sistema de Gestão de Pessoas, mas em oito meses só aplicou R$ 18,6 mil no projeto. O “Bem Mais Simples”, explicado como programa de simplificação da vida da empresa e do cidadão, tinha mais de R$ 28 milhões disponíveis, mas recebeu somente R$ 1,3 milhão.
Na “Promoção do Desenvolvimento Industrial”, a pasta aplicou 2% dos R$ 4,35 milhões autorizados. Com R$ 10 milhões liberados para a Modernização da Gestão do Patrimônio Imobiliário da União, o ministério de Paulo Guedes aplicou R$ 87 mil no período avaliado.
A Receita Federal tinha previsto R$ 32 milhões para o Desenvolvimento do Portal Único do Comércio Exterior. Embora não tenha sido afetado pelo contingenciamento de gastos do governo, o projeto recebeu apenas R$ 2,9 milhões até o fim de agosto, menos de 10% do planejado.
A Receita também planejava implantar um Sistema Estratégico para Gestão Tributária e Aduaneira, projeto para o qual tinha R$ 62 milhões previstos, mas onde aplicou somente R$ 74 mil.
Mulher, Família e Direitos Humanos
O ministério de Damares Alves, que priorizou ações para o direito da mulher, a infância e a igualdade racial, não aplicou no período avaliado nem um centavo dos R$ 11,4 milhões destinados à promoção dos direitos da juventude.
Ciência e Tecnologia
A pasta de Ciência e Tecnologia aplicou apenas 8% do orçamento de R$ 19,5 milhões autorizados – depois de um bloqueio de R$ 10 milhões – para “Fomento à Pesquisa e ao Desenvolvimento em Áreas Estratégicas e Tecnologia Social, e à Extensão Tecnológica para Inclusão Social”. Outro projeto da pasta, a Formulação e Gestão da Política Nacional de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, recebeu R$ 132 mil de mais de R$ 3 milhões autorizados.
Desenvolvimento Regional
O Ministério do Desenvolvimento Regional destinou grande parte de seu orçamento para os projetos de Desenvolvimento Regional e Territorial, Segurança Alimentar e Nutricional e Agropecuária sustentável. Neste último item, a paste teve quase que a totalidade dos R$ 14,2 milhões previstos no orçamento bloqueada, mas, mesmo assim, aplicou R$ 2,5 milhões. Em contrapartida, a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, para onde deveriam ser destinados, R$ 28,2 milhões, depois de um contingenciamento de mais de R$ 265 milhões, recebeu apenas R$ 781 mil até o fim de agosto.
Agricultura
No Ministério da Agricultura, a rubrica “Pesquisa e Inovações para a Agropecuária” tinha R$ 21 milhões previstos no orçamento. Após um contingenciamento de R$ 5,4 milhões, ficou com R$ 15,8 milhões para serem aplicados neste ano. Mas, passados dois terços do ano, já foram gastos 18,2 milhões – 15% a mais que o total disponível. Esse montante teve que ser transferido de outros projetos da pasta.
No item Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados, apesar de ter R$ 5,5 milhões disponíveis – após um bloqueio que afetou metade dos recursos previstos inicialmente –, o gasto foi zero até o fim de agosto. A mesma rubrica, no entanto, está presente no orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), que gastou R$ 3,8 milhões, ou 26,2% dos R$ 14,6 milhões disponíveis.
O ministério também deixou de aplicar quase que a totalidade dos R$ 19,5 milhões destinados à Reforma Agrária e Governança Fundiária, aplicando apenas R$ 5 mil de seus recursos nesse item. Rubrica idêntica no orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no entanto, recebeu, até agora, R$ 13,3 milhões dos R$ 42 milhões autorizados para o ano, depois de um contingenciamento de quase R$ 100 milhões.
Explicações
O Ministério da Cidadania explicou que a execução orçamentária depende do tipo da despesa efetuada. As despesas contínuas, afirmou, estão praticamente todas empenhadas até o fim do ano: “As despesas de investimento, como de alguns projetos das secretarias do Esporte e Cultura, são realizadas por meio de convênios, o que exige um trâmite maior como, por exemplo, a abertura de um edital. Logo, os recursos levam mais tempo para serem liberados”. Além do total pago, o ministério tem empenhados R$ 21 milhões para Cultura e R$ 102 milhões empenhados para Esporte.
O Ministério da Economia alegou que teve, para o ano de 2019, um contingenciamento no seu orçamento da ordem de 37%, o que afetou a execução do planejamento do órgão para o ano. Mas explicou, também, que, uma baixa execução pode se dar em face de outros motivos, tais como demora para homologação de um sistema, atraso no faturamento pela empresa contratada, alteração de escopo do projeto, dentre outros.
O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) informou, em nota, que os limites de empenhos e pagamentos contingenciados do MDR são relativos às políticas e missões finalísticas da Pasta, que impactam os investimentos em obras do antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "Os novos limites foram distribuídos entre as diversas unidades do Ministério, inclusive entidades vinculadas. Os critérios utilizados na definição foram estudos de demanda, priorização de programas, andamento de projetos e obras, entregas à sociedade, entre outros".
A nota do ministério diz, ainda, que o Governo Federal – Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Economia e MDR – tem trabalhado para viabilizar a ampliação do limite orçamentário e financeiro do órgão. Em relação à aplicação dos R$ 2,5 milhões aplicados na ação Agropecuária Sustentável, a nota esclarece que o valor se refere a restos a pagar do exercício anterior.
O Ministério da Educação informou que vem articulando com o Ministério da Economia a possibilidade de ampliação dos limites de empenho e movimentação financeira a fim de cumprir todas as metas estabelecidas na legislação para a Pasta. "Para Apoio à Expansão da Rede Federal, mais de 12 milhões de reais já foram empenhados, e o restante do recurso disponível será empenhado no decorrer de 2019", informou.
O Ministério da Ciência e Tecnologia explicou que a ação orçamentária “Fomento à Pesquisa e ao Desenvolvimento em Áreas Estratégicas e Tecnologia Social, e à Extensão Tecnológica para Inclusão Social” se dá por meio de parcerias com outros órgãos, por meio de convênios e termos de execução descentralizada. Nesse sentido, boa parte dos recursos já foram descentralizados para execução nestes órgãos parceiros.
“Sendo assim, o percentual de execução atualmente existente refere-se apenas aos empenhos já realizados, não refletindo na verdade a execução da política, uma vez que os recursos já foram repassados para sua implementação”, informou a Pasta. Quanto à “Formulação e Gestão da Política Nacional de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações”, o ministério apontou que grande parte dos recursos previstos nesta ação destinam-se a projetos de apoio a Entidades de Pesquisa que se encontram em tratativas para assinatura e repasse do recurso, bem como a projeto de cooperação internacional, que se encontra em revisão institucional.
Procurados, os demais ministérios não responderam aos questionamentos da reportagem até a publicação desta reportagem.
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