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O projeto do Orçamento da União para 2021 foi enviado na última segunda-feira (31) pelo governo federal e, apesar da importância da proposta, ainda não se tornou um assunto prioritário de deputados e senadores. Isso por conta da fila acumulada de questões de destaque, como a prorrogação do auxílio emergencial, a reforma tributária e mesmo a reforma administrativa, cujo entrega foi prometida pelo presidente Jair Bolsonaro para esta quinta-feira (3). Também contribui para uma minimização do Orçamento o fato de que as eleições, tanto as municipais quanto as internas do Congresso, estão cada vez mais próximas.
Outro fator que inibe as discussões é o fato de a Comissão Mista do Orçamento (CMO), que cuida do assunto, ainda não ter sido instalada em 2020. Usualmente, o colegiado é constituído nos primeiros meses do ano. Mas a pandemia de coronavírus impediu a formalização do órgão. Sem a definição dos integrantes da CMO, a detecção dos rumos do Orçamento no Congresso se torna tarefa mais complexa.
Mesmo com a fila de propostas e a CMO inativa, o projeto inicial de Orçamento enviado ao Congresso vai ganhando sinalizações favoráveis de integrantes de diferentes partidos. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), elogiou uma das medidas de maior destaque da iniciativa, que é a de determinar que o salário mínimo em 2021 tenha apenas o reajuste de acordo com a inflação.
O líder do partido de Maia na Câmara, Efraim Filho (PB), também celebrou a linha de equilíbrio fiscal da iniciativa. A conexão com a lei do teto de gastos públicos é uma das linhas-mestras da proposta de Orçamento, e com isso a proposta minimiza a possibilidade de o próprio governo promover ações para "furar o teto", como o presidente Bolsonaro sugerira em agosto.
O que o governo prevê no Orçamento de 2021
A proposta de Orçamento do governo prevê despesas totais de R$ 4 trilhões em 2021, contra R$ 3,4 trilhões no ano anterior. A elevação nos recursos, porém, não se dá de maneira igual entre os diferentes segmentos do Executivo — ao contrário, alguns ministérios saem perdendo, de acordo com a projeção inicial.
Na proposta, o governo estabeleceu que o salário mínimo de 2021 ficará em R$ 1.067. O valor é R$ 22 maior do que os aplicados atualmente, mas está abaixo dos R$ 1.079 previstos também pelo governo em abril. A diferença se explica porque a meta é reajustar o salário mínimo sem promover aumento real, apenas efetuando a correção pela inflação; e, em abril, a inflação estava em um nível mais elevado.
O Renda Brasil, sucessor do Bolsa Família, e o Pró-Brasil, programa idealizado por ministros para obras de infraestrutura, não estão discriminados no Orçamento. Mas a exclusão não representa uma desistência formal das iniciativas, já que o governo espera contemplá-las durante a tramitação no Congresso.
Tesoura do Congresso está afiada. Será?
A ideia do governo de apresentar um Orçamento com corte de custos conta com um grande aliado no Congresso: o relator da proposta, o senador Márcio Bittar (MDB-AC). Bolsonarista, o parlamentar indicou que planeja identificar outros pontos para redução de despesas públicas em seu relatório, como os "supersalários" do funcionalismo público.
"Até quando vamos continuar com uma lei de teto que não funciona? Vocês da imprensa vivem noticiando: é um desembargador, é um juiz, enfim… pessoas ganhando R$ 160 mil, R$ 200 mil. Isso é uma vergonha. Como que pessoas que cuidam da lei furam o teto? No nosso relatório, estamos procurando tudo quanto é buraquinho que se abriu, para a gente vê se veda para acabar com isso", disse Bittar em entrevista coletiva na terça-feira (1º).
O senador declarou também que pretende propor uma modificação no número de vereadores dos municípios do Brasil. Atualmente, o máximo de vereadores que cada cidade pode ter é definido pela Constituição, em um intervalo que vai de nove a 55 parlamentares.
Compreensão da austeridade
Presidente da CMO em 2019, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) disse que "chama a atenção" verificar o corte promovido pelo governo em diferentes ministérios. Mas diz compreender as restrições, também no que se aplica ao salário mínimo: "nessa crise que estamos vivendo, a tática tem que ser a de preservar para manter". Castro falou também que percebe um interesse entre os parlamentares de preservar o teto de gastos.
O senador afirmou que espera que a votação do Orçamento não motive tantas controvérsias quanto o que ocorreu em 2019. Na ocasião, um dos pontos de maior debate foi a aprovação da quebra da "regra de ouro". A norma determina que o governo não pode se endividar para custear despesas correntes. E vinha sendo cumprida, até que houve a requisição no ano passado pela sua derrubada.
"Foi a primeira vez, em 30 anos, que se quebrou a regra de ouro. A decisão foi resultado de um debate muito intenso, muito forte. Vimos que era uma situação indispensável e conseguimos a aprovação por votação unânime", declarou. A "regra de ouro" também deve ser quebrada em 2020 — e, segundo Castro, o aprendizado do ano passado deve tornar o processo mais célere.
A compreensão do momento de corte de gastos é também aplicada pelo deputado José Nelto (Podemos-GO), que vê o Orçamento federal como um "cobertor curto". O quadro, segundo ele, faz com que a identificação de verbas para o Renda Brasil seja um dos principais desafios da CMO. "Isso vai demandar um grande trabalho. Ainda não temos uma noção de para onde podemos ir", afirmou.
O deputado disse também que espera uma conexão entre as discussões do Orçamento e as da reforma tributária, para que o Congresso aprove pontos como o imposto sobre grandes fortunas.
Resistências e modificações
Mas se para parte do Congresso o cenário de austeridade deve nortear as discussões do Orçamento, para outra parte a redução dos investimentos não é justificada. Um receio de deputados e senadores acabou encerrado ainda antes da formalização da proposta, que era a de que o Ministério da Educação acabasse com um orçamento inferior ao do Ministério da Defesa. A hipótese ganhou força nas últimas semanas. Mas a pasta da Educação acabou tendo projetados R$ 144 bilhões, contra R$ 116 bilhões da Defesa.
Presidente da Comissão de Viação e Transportes da Câmara, o deputado Eli Corrêa Filho (DEM-SP) disse considerar que o Ministério da Infraestrutura "recebeu recursos aquém do necessário para manter as rodovias, ferrovias, portos e aeroportos e dar continuidade às obras com toda capacidade de execução que seria possível". O parlamentar falou também que espera a destinação de recursos para o setor durante a discussão do Orçamento na CMO, e que aposta na boa relação entre o Congresso Nacional e o ministro Tarcísio Gomes de Freitas.
Já no campo do meio ambiente, a redução de recursos para a pasta da área foi definida como um "grande absurdo" pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP). "O governo está na contramão. Reduzir o orçamento da área ambiental num momento tão ruim, num momento em que nós estamos batendo recorde de desmatamento, de fogo, de substituição da nossa biodiversidade por pasto, é um grande absurdo", declarou. O deputado, que é presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, declarou que vai "lutar muito" para reverter o quadro durante a tramitação do Orçamento no Congresso.
Mas é para quando?
A legislação determina que o Orçamento precisa ser aprovado pelo Congresso até o fim do ano. Depois disso, segue para apreciação do presidente da República, que o sanciona ou veta; se houver vetos, novamente os deputados e senadores são chamados a votar.
Nada disso, porém, se inicia sem a constituição da CMO. O Congresso ainda não tem uma data oficial para a instalação da comissão. Rodrigo Maia disse considerar possível que o colegiado trabalhe de forma remota, como têm feito outras comissões do Congresso. A ideia é descartada pelo deputado José Nelto: "isso tem que ser presencial. Não dá para debatermos o Orçamento da União pela internet. Tem que ser na Câmara, com os deputados podendo conversar entre si, e a imprensa também participando do debate".