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Acabada a eleição, o novo motivo de conflito entre apoiadores do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do governo Jair Bolsonaro (PL) deve ser a aprovação do Orçamento federal para 2023 no Congresso Nacional. A discussão em torno do projeto é vista como essencial por ser o ponto de partida para implantação de ações que Lula prometeu ao longo da campanha eleitoral e que estão em seu plano de governo. Além disso, pode abrir caminho para que o Congresso reveja as emendas de relator, o chamado "orçamento secreto", cuja extinção foi também prometida por Lula.
Entre apoiadores e adversários do presidente eleito, o entendimento é o de que o Congresso não deverá acelerar a análise de outros projetos até o fim do ano – especialmente em relação a pautas mais controversas.
O término do ano representa não apenas a virada no calendário, mas a proximidade do fim dos mandatos atuais dos deputados federais e de um terço dos senadores. Grande parte dos futuros congressistas tem mais proximidade ideológica com Bolsonaro, o que pode representar dificuldades para Lula.
"Nós temos que ajustar o orçamento para as demandas que foram apresentadas na campanha eleitoral, como o Auxílio Brasil e o reajuste do salário mínimo", disse o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). "Neste ano teremos só o Orçamento e mais nada. Não há como discutirmos outras coisas", declarou o também deputado federal Coronel Tadeu (PL-SP).
O Auxílio Brasil foi criado pelo governo Bolsonaro em substituição ao Bolsa Família, principal marca social das gestões petistas. Lula planeja reativar o Bolsa Família, aos moldes do que era executado em seu governo. O valor mensal do benefício está em R$ 600. O projeto de orçamento enviado pelo governo ao Congresso para o próximo ano, porém, prevê somente R$ 405 para o auxílio.
Já o reajuste do salário mínimo é outro ponto tratado como prioridade por Lula. Ao longo da campanha, o petista prometeu que ampliaria o valor nominal do salário mínimo em patamares superiores ao do reajuste pela inflação.
Lula planeja, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, escalar o ex-governador e senador eleito Wellington Dias (PT-PI) para negociar com o Congresso termos da montagem do Orçamento de 2023. Ele tem uma reunião agendada para quinta-feira (3) com o relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI).
O emedebista foi o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e é visto como um parlamentar que detém sintonia com as propostas do PT. "Ele é alinhado com o Lula, pode fazer um relatório que tenha sintonia com as prioridades do futuro governo", acrescentou Zarattini.
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Como fica o "orçamento secreto"
A hipótese que a peça orçamentária de 2023 traga o fim do "orçamento secreto" foi levantada pelo deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA). "Existe um debate para se acabar com a emenda de relator. Como isso alcançou grandes proporções, pode ser um tema que envolva uma discussão mais acesa dentro do Congresso", disse.
As emendas de relator são um mecanismo criado pelo Congresso em 2019, com início de validade em 2020. O sistema permite que o relator do Orçamento envie recursos relativos a emendas de parlamentares de modo pouco transparente – não há critérios formais sobre quais emendas serão atendidas e nem sobre qual valor deve ser destinado.
O assunto foi um dos mais debatidos durante a campanha eleitoral, com adversários do presidente Bolsonaro o responsabilizando pelo sistema. O chefe do Executivo, porém, alega que a criação do mecanismo é de autoria unilateral do Congresso.
Congresso tende a deixar temas controversos para depois
A somatória de fatores como a necessidade de definir o Orçamento de 2023 e o encerramento da legislatura torna pouco provável que o Congresso discuta, ainda no ano atual, temas que o governo Bolsonaro definiu em fevereiro como prioritários.
A relação engloba pautas controversas como a liberação da mineração em terras indígenas e o marco temporal, também referente aos territórios dos indígenas. Os dois tópicos são caros ao governo Bolsonaro e à bancada de direita, e são rejeitados pela atual oposição.
Zarattini avalia que o governo pode arriscar a pauta de propostas que tendem a ter vida muito mais difícil após a posse de Lula no Palácio do Planalto. Ainda assim, ele não vê possibilidade de aprovação deste tipo de iniciativa.
Jerry lembra que discussões mais recentes encampadas pelos atuais governistas começam a se enfraquecer no Congresso. Ele cita como exemplo os projetos de lei que criminalizam os responsáveis por pesquisas eleitorais e a tentativa de se criar uma CPI para investigar os institutos que produzem os levantamentos. A discussão sobre o tema esteve mais acirrada após a conclusão do primeiro turno, quando grande parte dos levantamentos apontou uma margem pró-Lula superior à que foi realmente identificada.