A proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria o Orçamento de Guerra foi aprovada pela Câmara dos Deputados na última sexta-feira (3) em um ambiente de raro consenso no Congresso Nacional. A sessão ocorreu em um dia da semana em que votações são raras, os placares dos dois turnos foram quase unânimes e a maior contestação registrada se deu por conta de um destaque do Novo, que queria na redação do texto a possibilidade de transferência para a saúde dos recursos do fundo eleitoral. Esse contexto indicava que a PEC poderia ter vida fácil em sua tramitação no Senado, ainda mais com o retorno do presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), aos trabalhos.
Porém, o que se viu desde a aprovação pela Câmara são resistências. A PEC tem sido contestada por senadores de diferentes partidos tanto pelo conteúdo de seu texto quanto pelo mecanismo de votação que tem sido para ela planejado. O chamado "Orçamento de Guerra" separa as despesas de enfrentamento ao novo coronavírus do Orçamento-Geral da União e permite que o governo amplie os gastos públicos durante o estado de calamidade pública contra a pandemia.
Alcolumbre agendou a votação da proposta para a próxima segunda-feira (13). O método será o de votação a distância, como o Senado tem adotado desde a acentuação da pandemia de coronavírus. A transferência da sessão para a próxima semana foi anunciada com a justificativa de que os senadores precisam de mais tempo para analisar o texto. O que se espera, porém, é a chegada de um consenso em torno da proposição.
"Vamos votar a PEC, para dar essa tranquilidade, e eu quero agradecer publicamente a todos os senadores que, uma grande parte contrária à votação de uma emenda constitucional nesse período, também entendeu o papel do Senado Federal nesse momento. E entendendo o papel do Senado Federal nesse momento, aceitaram, por um entendimento amplo, dos parlamentares, que a gente possa sim votar essa emenda constitucional e dar essa tranquilidade para o governo tomar essas decisões necessárias", disse Alcolumbre em entrevista coletiva na terça-feira (7).
Por que Orçamento de Guerra sofre resistências no Senado
A contestação quanto à forma de se votar a PEC apareceu no mesmo dia em que a proposta foi aprovada pelos deputados. A crítica mais contundente veio do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). "Eu sou um entusiasta dessa ideia de votações remotas. No entanto, o que temos visto em alguns casos, e um deles é justamente a tramitação dessa medida, é um verdadeiro atropelo. A Constituição da República não foi feita para ser alterada nos momentos de crise. Ela foi feita para ser justamente o nosso guia em momentos de crise", disse, durante sessão do Senado naquele dia.
O senador afirmou, inclusive, que a relevância do assunto deveria motivar os parlamentares a cogitarem a realização de sessões presenciais, mesmo diante do quadro de pandemia. "Se o colegiado de líderes e as presidências das duas Casas considerarem que é indispensável a apreciação dessa matéria, defendo que se convoque o Congresso para uma sessão presencial. Se médicos, enfermeiros, policiais estão sendo compulsoriamente disponibilizados para suas respectivas missões, quem dirá nós parlamentares. Se há urgência para apreciação dessa PEC, que o risco da sessão presencial seja assumido por nós", declarou.
A preocupação foi reiterada na terça (7) pela senadora Simone Tebet (MDB-MS). "Temos que ter muito cuidado com votação de emendas constitucionais em plenário virtual. Não cabe sanção, não cabe veto do presidente da República, não passa pelas comissões, não temos a oportunidade de amplo debate", apontou, durante a sessão virtual do Senado.
A Gazeta do Povo consultou senadores sobre a votação da PEC do Orçamento de Guerra em ambiente virtual e recebeu respostas distintas. O senador Irajá (PSD-TO) não vê problema na votação a distância, aos moldes do que a casa tem feito com outros projetos de lei. Postura semelhante é a de Fabiano Contarato (Rede-ES): "desde que respeitadas as regras constitucionais e regimentais, como de quórum para votação e de dois turnos, é possível apreciar a matéria, lembrando que estamos em um momento atípico em que está sendo impossível o Parlamento reunir-se fisicamente. Hoje, são necessárias soluções que precisam ser construídas dentro das regras democráticas."
Já Angelo Coronel (PSD-BA) se mostrou contrário à realização da votação. "Eu não vejo nenhuma pressa, não vejo nenhuma viabilidade nessa PEC, acho que virou uma PEC inócua. Então se depender de mim, ela não irá a plenário para ser deliberada principalmente nessas votações remotas, por ser uma PEC que mereceria ter um prazo de estudo, um prazo realmente de uma análise bem mais apurada, para que não haja erro, e esse erro vire problema para o futuro", ressaltou.
Depois, o conteúdo
Coronel é da opinião de que o decreto de calamidade pública em vigor no país dá ao governo federal mecanismos suficientes para o enfrentamento da crise, que dispensariam uma alteração constitucional.
Outros senadores apontam o temor de que a PEC do Orçamento de Guerra transfira ao governo poderes excessivos, uma espécie de "cheque em branco" para a realização de gastos sem controle. "A PEC, a nosso ver, apresenta alguns equívocos. [A medida] trouxe preocupação e trouxe a reivindicação de que houvesse maior cuidado para a apreciação. A liderança do governo deseja votação imediata, mas há restrições da parte de vários senadores", disse o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) à Agência Senado.
Já o senador Weverton Rocha (PDT-MA) apresentou uma crítica que foi exposta por deputados de oposição quando a PEC foi debatida na Câmara. "Entendemos que a PEC prioriza muito o setor financeiro. Enquanto a rubrica [orçamentária] que trata do pagamento da dívida continua intacta, a educação e a saúde continuam vulneráveis", afirmou, também à Agência Senado.
Um dos pontos de maior contestação por parte dos representantes da esquerda é em relação ao trecho do texto que dá ao Banco Central a possibilidade da compra de títulos de empresas privadas. A medida é idealizada como uma ação para garantir a injeção de recursos na economia, mas seus críticos veem nela algo que pode privilegiar algumas empresas em especial.
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