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Justiça

Contradições no STF abrem brecha para flexibilizar foro privilegiado de deputados e senadores

Foro privilegiado ainda é objeto de divergências.
Segunda Turma do STF mandou inquéritos contra os ex-senadores Romero Jucá e Valdir Raupp para a Justiça Federal em Brasília (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter limitado o foro privilegiado para deputados e senadores, a aplicação da norma ainda é alvo de questionamento por parte de alguns integrantes da Corte e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Membros da PGR e da Advocacia Geral da União (AGU) vêm pressionando ministros do STF a revisar as regras relacionadas ao dispositivo.

Em maio de 2018, o plenário do STF decidiu, durante o julgamento da ação penal 937, que o chamado foro por prerrogativa de função se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão do mandato. Desde então, os ministros se manifestaram 288 vezes, em decisões monocráticas, sobre a manutenção ou não da regalia. Em 11 casos, os integrantes da Corte decidiram mantê-lo pois entenderam que os casos julgados não se enquadravam nas previsões legais determinadas durante o julgamento da ação penal 937.

Os ministros têm entendimentos contraditórios sobre a aplicação das regras relacionadas ao foro. A hipótese mais complexa diz respeito à tese do chamado “mandato cruzado”, que vem sendo adotada pela defesa do senador Flávio Bolsonaro para garantir foro privilegiado ao parlamentar no caso Queiroz.

A tese de “mandato cruzado” parte da premissa de que o benefício do foro privilegiado será mantido ao parlamentar mesmo se o ilícito for cometido em outro mandato. Porém, para manter a regalia, não pode haver pausas da atividade parlamentar. Por exemplo: a defesa de Flávio Bolsonaro alega que ele tem direito ao foro privilegiado no processo de investigação sobre o suposto esquema da rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) pelo fato de ele ter mantido a atividade parlamentar no período. Primeiro como deputado estadual; agora como Senador.

Supremo tem visões distintas sobre limitação do foro privilegiado

O Supremo já se debruçou sobre alguns casos semelhantes, entre os exemplos podem ser citados os senadores Weverton Rocha (PDT-MA), Márcio Bitar (MDB-AC) e José Serra (PSDB-SP) e o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG). Há duas correntes bem claras sobre isso dentro do STF. Serra foi beneficiado com a manutenção do foro, embora tenha sido acusado de atos ilícitos antes do atual mandato; Aécio, Bittar e Rocha, não. O presidente do Supremo, Dias Toffoli e o ministro Gilmar Mendes, admitem a tese do mandato cruzado; outros integrantes como Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, não. “Tampouco resta claro como ficará o entendimento em relação à sucessão de cargos públicos. Como ficam os processos em caso de reeleição? E em caso de assunção de outro cargo? Se um Deputado Federal respondendo a ação penal é eleito Prefeito, o STF enviará os autos à primeira instância ou ao Tribunal de Justiça?”, questionou na época do julgamento da ação penal 937 o ministro Gilmar Mendes.

Apesar disso, assessores dos ministros afirmaram à Gazeta do Povo que essa tese do mandato cruzado tende a ser minoritária, já que outros ministros como o futuro presidente da Corte, Luiz Fux, além de Rosa Weber e Marco Aurélio Mello já sinalizaram serem contra essa premissa. Nos bastidores, Rosa Weber e Barroso admitiram surpresa com a aplicação da tese do mandato cruzado por Toffoli e Gilmar. E Marco Aurélio, no julgamento originário sobre a limitação da regalia, criticou o que ele chamou de “perpetuação do foro”. Além disso, interlocutores dos ministros alegam que desde 2018 há um desconforto de Gilmar e Toffoli com o resultado daquele julgamento. Nos bastidores, eles alegam que o STF usurpou sua competência ao legislar sobre um tema ainda em tramitação no Congresso Nacional, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do senador Álvaro Dias (Podemos-PR).

Dois tucanos: acusações semelhantes e sentenças antagônicas

Toffoli usou dessa tese para suspender os mandados de busca e apreensão determinados pelo juiz da 1ª zona eleitoral de São Paulo, Marcelo Antonio Martin Vargas, contra o senador José Serra, durante a Operação Paralelo 23, da Polícia Federal. A operação investiga suposto crime de caixa dois na campanha de Serra ao Senado de 2014 no valor de R$ 5 milhões. O presidente do STF atendeu a uma ação impetrada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Em 2019, o ministro Gilmar Mendes, teve entendimento contrário quando analisou inquérito instaurado pela Lava Jato para investigar Aécio, igualmente suspeito de crime de caixa dois. Segundo colaboradores da Odebrecht, Aécio teria solicitado R$ 3 milhões em propina para sua campanha à presidência da República. O caso começou a tramitar no STF, porém, ao contrário do colega Toffoli, Gilmar remeteu os autos para a Justiça Eleitoral. Tanto Aécio, quanto Serra, negam as irregularidades.

No caso dos senadores Weverton Rocha e Márcio Bitar, as respectivas investigações que estavam em curso contra ambos também foram encaminhadas para a primeira instância. Os inquéritos contra os dois tramitaram no Supremo, mas houve a chamada baixa dos processos e agora eles são processados por cortes inferiores. Weverton Rocha foi denunciado pelo crime de peculato, acusado de desvios de recursos quando ele fazia parte do governo do Estado do Maranhão; Bitar, investigado por suspeitas de desvio de finalidade na utilização do cotão da Câmara.

Sobre a decisão relacionada à Bitar, a ministra Rosa Weber alegou que, apesar de não haver pausas na atividade parlamentar – ele era deputado antes de se eleger Senador -, a investigação contra ele não se encaixa nas atuais regras determinadas pelo Supremo. “Denoto que os fatos em apuração foram supostamente cometidos durante o exercício do mandato de Deputado Federal, havendo, assim, solução de continuidade incompatível com a manutenção de seu processamento nesta Suprema Corte”, disse a ministra.

PGR e AGU são contra limitação do foro privilegiado

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pensa o contrário. Em manifestação apresentada contra recurso apresentado pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPRJ) que tenta sustar a decisão do Tribunal de Justiça fluminense fixando foro privilegiado a Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha, ele suscitou dúvidas sobre o alcance da decisão do Supremo de 2018. “Não dá para se exigir efeito vinculante de decisão do Supremo Tribunal Federal que não existe”, disse Humberto Jacques. “Da mesma forma que não há definição pacífica do Supremo Tribunal Federal sobre ‘mandatos cruzados’ no nível federal, também não há definição de ‘mandatos cruzados’ quando o eleito deixa de ser representante do povo na casa legislativa estadual e passa a ser representante do Estado da Federação no Senado Federal”, descreve o procurador em sua manifestação.

O ministro da Advocacia Geral da União, José Levi, também já encaminhou entendimento ao Supremo questionando as regras estabelecidas pelo STF para o foro privilegiado. Para ele, não há “distinção textual relevante entre as disposições que tratam do foro por prerrogativa de função nos âmbitos federal e estadual”. “Tanto no ordenamento federal, quanto no estadual, a regra de competência enuncia que os parlamentares serão intitulados ao foro diferenciado desde a expedição do diploma. Salvo no tocante ao aspecto espacial, não há nada de distintivo na formulação dessas normas, devendo ambas serem aplicadas de modo simétrico”, destacou Levi em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal.

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