Após as críticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) à aprovação da PEC que limita decisões monocráticas do Judiciário, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse nesta quinta-feira (23) que foi "agredido" por ministro do Supremo de forma gratuita. Ele reconheceu o papel do Supremo, mas afirmou que a Corte não é palco para discussões políticas.
"Eu não me permito debater e polemizar nada dessas declarações de ministros do Supremo Tribunal Federal, porque eu considero que o Supremo não é palco da arena política [...] Então, não me permito fazer um debate político, tão pouco receber agressões que gratuitamente eu recebi por membro do Supremo Tribunal Federal em razão do papel constitucional que eu cumpri", disse o presidente do Senado.
Conhecido pelo temperamento moderado, o presidente do Congresso se mostrou bastante aborrecido com a situação criada pelos ministros, chegando a elevar o tom de voz durante seu discurso.
Ele afirmou que o Senado, assim como o STF, também possui "coragem cívica" e compromisso com o país. "Eu tenho certeza da coragem cívica e do papel importante do Supremo Tribunal Federal em relação ao Brasil, mas devo afirmar que o Senado tem a mesma coragem cívica e o mesmo compromisso com o Brasil", disse.
Ao comentar a votação desta quarta-feira (22), o presidente do Senado voltou a defender a PEC e reafirmou a constitucionalidade da proposta. A medida foi provada por 52 votos a favor e 18 contrários, e seguiu para análise da Câmara dos Deputados. Ainda não há data para votação.
"O que nós fizemos ontem no Senado foi garantir que uma lei concebida pelos representantes do povo, nas duas casas do Poder Legislativo, Câmara dos Deputados e no Senado Federal - após passar por comissões durante o debate, ouvindo a sociedade, aprovada em plenário e sancionada por um presidente da República – só possa ser declarada inconstitucional pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal", acrescentou.
Pacheco também frisou que a defesa da democracia não é exclusiva do STF e que as instituições são sujeitas a passarem por mudanças.
"Eu quero dizer aqui que ninguém, e nenhuma instituição, tem um monopólio da defesa da democracia no Brasil. Porque aqui desse púlpito do Senado defendi o Supremo Tribunal Federal, defendi a Justiça Eleitoral, defendi as urnas eletrônicas, defendi os ministros do Supremo Tribunal Federal, defendi a democracia do nosso país. Repeli, em todos os momentos, as arguições antidemocráticas, inclusive as que consubstanciou o 8 de janeiro. Estivemos unidos nesse propósito, mas isso não significa que as instituições são imutáveis, ou seja, intocáveis, em razão de suas atribuições", disse o senador.
Ministros atacam Legislativo por tramitação da PEC
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, iniciou a sequência de ataques ao Legislativo afirmando que o tribunal "resistiu aos atos de 8 de janeiro" e que agora “vê com preocupação os avanços legislativos” em sua atuação. “Não há institucionalidade que resista se cada setor que se sentir contrariado por decisões do tribunal quiser mudar a estrutura e o funcionamento da Corte. Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”, disse.
Já o decano do tribunal, ministro Gilmar Mendes, foi mais enfático nas críticas e disse que a aprovação da PEC foi uma “ressurreição de um cadáver outrora enterrado” com apenas poucos votos acima do limite definido pela Constituição. A crítica foi em referência a outro projeto de lei semelhante, o qual foi rejeitado pelo Congresso em 2020. “Este Supremo Tribunal Federal está preparado, e não tenho a menor dúvida, para enfrentar uma vez mais, e caso necessário, as investidas desmedidas e inconstitucionais agora, eventualmente, provenientes do Poder Legislativo”, disse.
Ele afirmou ainda a Barroso que “é preciso altivez para rechaçar de maneira muito clara este tipo de ameaça, de maneira muito clara: esta casa não é composta por covardes, esta casa não é composta por medrosos […] Este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações”.
As declarações de Barroso e Mendes são reflexos da pressão exercida pelos integrantes do Supremo antes e durante o processo de votação da PEC. Nos bastidores, circulam informações de que parlamentares teriam sido pressionados a mudarem os votos para barrar a proposta.
O ministro Alexandre de Moraes também criticou a aprovação da PEC e alegou que as discussões de ideias no Congresso são importantes instrumentos democráticos, mas que não podem intimidar a independência do Judiciário.
"A discussão de ideias, o aprimoramento das instituições, são importantes instrumentos da democracia. Mas não quando escondem insinuações, intimidações e ataques à independência do Poder Judiciário. Principalmente, a independência deste Supremo”, disse Moraes.
Voto de Jaques Wagner irritou ministros
O descontentamento com o voto do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), favorável à PEC, trouxe mais um elemento à indignação aos ministros. Nos bastidores, a ação foi tida como traição do senador petista à Corte.
Durante a votação, Wagner ainda mencionou que a sua posição foi “fruto de um acordo que retirou do texto qualquer possibilidade de interpretação de eventual intervenção do Legislativo”. “Como líder do governo, reafirmei a posição de não orientar voto, uma vez que o debate não envolve diretamente o Executivo”, escreveu o senador na rede social X.
O líder do governo na Casa ainda reforçou o seu “compromisso com a harmonia entre os Poderes da República”, além do seu “respeito ao Judiciário e ao STF, fiador da democracia brasileira e guardião da Constituição”.
Deputados e senadores reagem às declarações dos ministros do STF
Além do pronunciamento de Pacheco, senadores e deputados criticaram nas redes sociais a postura dos ministros do STF sobre a PEC. O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), afirmou que a Casa cumpriu seu papel legislativo ao aprovar a matéria.
"O Senado cumpre seu papel de acordo com a Constituição Federal ao legislar para aperfeiçoar funcionamento das instituições. Me solidarizo com @rodrigopacheco que conduziu sessão congressual que aprovou PEC que proíbe declaração de inconstitucionalidade de leis monocraticamente", disse Marinho.
Já o líder da oposição na Câmara dos Deputados, Carlos Jordy (PL-RJ), classificou as declarações do Barroso como "loucura".
"Em resposta à PEC que limita poderes exorbitantes dos ministros, Barroso diz que é papel do STF fazer valer a Constituição, preservar a democracia e proteger direitos fundamentais, e esse papel eles vêm cumprindo. E finaliza dizendo que não há porque alterar o que vem funcionando bem. Beira a loucura essas afirmações. Arrogância e descolamento da realidade!", disse o parlamentar.
Já o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) citou uma declaração de Barroso, em 2018, contra Gilmar Mendes. Na época, o ministro afirmou que colega era uma "desonra para a Corte".
"Diante da fala do notório Gilmar Mendes sobre a PEC, só me resta citar o hoje presidente da corte, em sessão de 2018: “V. Exa. nos envergonha, V. Exa é uma desonra para o tribunal [...] Não tem ideia, não tem patriotismo, está sempre atrás de algum interesse que não o da Justiça", relembrou o senador no "X", antigo Twitter.
Para o senador Plínio Valério (PSDB-AM), o Legislativo agiu de forma correta ao aprovar a PEC. Ele também criticou as declarações de Gilmar Mendes. "O ministro se sente ofendido, nos acusa de fazer intimidação e diz que o Supremo não tem medo do Legislativo, tudo isso porque o Legislativo está legislando. Quando um poder cumpre o seu papel, e o nosso é legislar, o ministro encara isso como se fosse uma provocação", disse o parlamentar.
A publicação de Valério foi compartilhada pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), que concordou com as críticas do colega. "Falou e disse meu amigo e Senador @PlinioValerio45 ! Sem mais", postou o senador.
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) cobrou uma postura de Pacheco sobre o caso. "O Senado precisa responder à altura. Não é possível que serão desmoralizados ao vivo e ficarão inertes. @rodrigopacheco, responda à altura e honre o Poder Legislativo", disse Ferreira.
Já o ex-deputado federal e ex-procurador Deltan Dallagnol (Novo-PR) questionou a declaração de Gilmar Mendes sobre os bons serviços prestados pelo STF. "Gilmar Mendes: "Bons serviços prestados por esta Suprema Corte". Quais foram os bons serviços prestados pelo STF?", indagou Dallagnol também por meio das redes sociais.
Invasão de competências do STF no Legislativo é o verdadeiro alvo da PEC
Ao analisar o atual conflito entre o Supremo e o Senado, cientistas políticos ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que a PEC 08/2021 é uma clara reação à postura do Supremo nos últimos anos em relação ao Legislativo. De acordo com Juan Carlos Arruda, CEO dos Ranking dos Políticos, a postura do Senado é um marco para reverter eventuais invasões de competências.
"O Supremo Tribunal Federal tem sido acusado há tempos de exceder os limites de sua competência, adentrando em áreas legislativas que cabem ao Congresso Nacional. A resposta do Senado, embora tardia em certa medida, finalmente abordou essa questão. Pela primeira vez em mais de um século de história republicana, o Congresso Nacional tomou uma posição crucial para conter invasões de competências que desequilibravam a harmonia entre os poderes no Brasil", afirmou.
Para o professor Antônio Henrique Lucena, docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), o acúmulo de competências do STF ao longo desses anos, deixando de ser uma corte meramente constitucional, fez com que o Legislativo buscasse delimitar o Judiciário.
"O STF era para ser uma Corte Constitucional. Ou seja, de análise da Constituição. O problema é que ele se tornou algo além do que é preconizado pela Constituição. O STF virou muito mais coisa do que deveria ser. Ele entra em competências de outros tribunais, como questões trabalhistas. Então, existe esse movimento dos políticos de delimitação do papel político do próprio Supremo", afirmou Lucena.
Já para o professor Elton Gomes, docente na Universidade Federal do Piauí (UFPI), a votação da PEC e a reação do Supremo mostram o ímpeto do Legislativo em impor limites ao poder que a Corte ganhou nesses últimos anos.
"É a primeira vez que você vê o Parlamento saindo de uma postura passiva, dessa postura, por que não dizer, acovardada, e enfrentando a Suprema Corte, que, conforme nós sabemos, tem avançado por competências que constitucionalmente cabem o Legislativo. Essa mudança não se mostra tanto pelo o que a PEC pode restringir, mas mais pela postura das lideranças do Parlamento, que contrasta com aquela perspectiva de aceitar a invasão de competências claras. Por exemplo: a questão do aborto e a descriminalização do uso das drogas", disse Gomes.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF