A decisão do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de iniciar negociações diretas com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) sobre o destino da Medida Provisória (MP 1202/2023) que reonera a folha de salários de 17 setores econômicos foi tomada com o objetivo de evitar conflito ainda mais profundo entre os poderes. Em vez de ceder às pressões de parlamentares e empresas que pediam a devolução imediata e integral da MP, Pacheco optou por buscar uma solução negociada em conjunto com Haddad e, depois, com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A sua decisão visa manter de pé o compromisso com o governo com sua ousada meta fiscal e, ainda, não ferir as prerrogativas legislativas, reconhecendo a importância de tentar encontrar um consenso para ambos os lados. Enquanto não produz resultados, ela vem, contudo, desagradando a oposição. O assunto já foi judicializado pelo Partido Novo, que questionou a MP no Supremo Tribunal Federal (STF), e o governo já ameaçou apelar à mesma Corte caso a sua iniciativa seja derrubada. O advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, e o ministro da Fazenda já revelaram essa intenção, sob o argumento de que a Reforma da Previdência, de 2019, impede a prorrogação dos benefícios fiscais para os setores já contemplados.
Outra possível motivação de Pacheco ao decidir negociar seria tentar evitar que a decisão final seja tomada pelo Supremo.
Após duas horas de reunião entre Pacheco e Haddad no início da noite desta segunda-feira (15), na residência oficial da Presidência do Senado, a equipe do ministro levou a missão de reelaborar a Medida Provisória para ser reeditada em um formato capaz ao menos ser discutida pelos parlamentares. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), participou da reunião e confirmou a intenção do Planalto de produzir uma alternativa negociada nos próximos dias, admitindo a necessidade do aval de Lira. O encontro contou também com a presença do secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan.
Segundo políticos e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o governo está sendo forçado a ceder após mostrar insatisfação por não conseguir dominar a agenda legislativa, inclusive em questões orçamentárias. Em reunião com os líderes das bancadas no Senado semana passada, Pacheco ouviu pedidos pela devolução imediata da MP, mesmo que parcialmente, revelando um clima geral de animosidade. O maior receio do governo é que a simples rejeição à medida e a sua substituição por um projeto de lei adie o aumento da carga tributária sobre a folha para 2025, caso seja aprovado.
Em dezembro, o Congresso derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à desoneração da folha e promulgou a lei que estica a desoneração dos setores até 2017. Apesar disso, Haddad e Lula apelaram para a inesperada e controversa “prorrogação do veto”. O alerta dos 17 setores sobre os riscos de demissões provocadas pela volta da cobrança de impostos sobre a folha de salários foi ignorado pelo Planalto.
Tentativa de prorrogar o veto à desoneração irritou o Congresso
Para o cientista político Ismael Almeida, Pacheco buscou a alternativa do diálogo enquanto ainda havia tempo para não ser forçado a devolver a Medida Provisória. “A devolução traria um problema político grave e, por isso, a negociação acabou ganhando força como caminho viável”, disse. O especialista explicou que a indisposição de senadores e de deputados ficou rapidamente evidente e generalizada porque o Congresso acabara de definir posição ao derrubar o veto do governo para impedir a continuidade da desoneração. “Na visão da maioria do Parlamento, o governo deveria deixar esse assunto intocável, ou, no máximo, enviar um projeto de lei somente nesse ano de 2024, logo após a retomada dos trabalhos legislativos, para assim reabrir a discussão sobre o tema de maneira correta”, sublinhou.
Nos dias que se seguiram à edição da Medida Provisória técnicos da equipe econômica do governo fizeram simulações do impacto anual da desoneração, estimada inicialmente em R$ 9 bilhões. Pacheco, por sua vez, avaliou propor a Haddad um plano de corte de gastos, o que vem sendo descartado desde a posse de Lula. A MP, que entrará efetivamente em vigor em abril, foi apresentada pelo governo com o objetivo explícito de recuperar receitas e “fechar as contas” de 2024. Sem sequer tramitar no Congresso, seu texto ergueu fortes e imediatas resistências de políticos e dos setores econômicos que mais empregam, como têxtil, vestuário, construção, call center e transportes. A Gazeta do Povo é uma das empresas que se beneficia com a desoneração.
Na desoneração, as empresas pagam contribuição previdenciária com 1% a 4,5% da receita bruta – e não o padrão de 20% sobre a folha. A medida do governo prevê desoneração menor e seletiva dos setores, com descontos de 25% a 50% na contribuição patronal recolhida apenas sobre o primeiro salário-mínimo de seus funcionários.
Haddad terá de debater tributos com políticos e setor produtivo
O esforço político para encontrar alternativa negociada para o Congresso reabrir o tema terá de ser redobrado nas próximas semanas, mas não será resolvido antes do fim do recesso parlamentar. O governo já admite a possibilidade e até prevê realização de audiências públicas para avaliar o mérito da Medida Provisória e negociar com o setor privado uma transição para o fim do benefício criado em 2012 no governo Dilma Rousseff (PT).
Na sua última manifestação à imprensa, Haddad disse que sua meta é “encontrar alternativa ao Orçamento aprovado e impedir a sua captura por grupos de interesse”.
“Quando se faz renúncia fiscal, tem que compensar”, protestou. Parlamentares questionam a postura do ministro, lembrando que a desoneração já ocorre há mais de uma década, tornando-a previsível.
Para o autor do projeto para prorrogar a desoneração, senador Efraim Filho (União Brasil-PB), o governo deveria aproveitar a agenda legislativa de 2024 para resolver a questão do alívio sobre a folha de salários no âmbito da segunda etapa da Reforma Tributária, quando trata da tributação sobre o patrimônio e, sobretudo, sobre a renda. Essa seria uma solução definitiva para algo que já vem sendo testado.
De toda forma, o senador considerou inapropriada a Medida Provisória 1202/2023. “A edição da medida provisória contraria decisão do Congresso, tomada por ampla maioria de suas duas Casas. Ela certamente enfrentará resistências desde a sua largada. Por isso, o ideal é que essa proposta viesse por projeto de lei, até mesmo com urgência constitucional. Porque dá prazo e tempo para que o diálogo possa ocorrer”, disse.
Tributação de compras online é apresentada como alternativa
Para compensar a manutenção de ao menos parte da desoneração, ganhou força na mesa de negociação nos últimos dias a proposta de taxar compras de até US$ 50 nas importações do comércio eletrônico. Hoje, a tributação federal sobre essas importações está zerada e os consumidores brasileiros pagam apenas ICMS de 17%. Essa possibilidade foi levada para Pacheco, que ainda aguarda números sobre seu impacto fiscal.
A Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) projeta que o imposto sobre as compras on-line pode garantir de R$ 14,6 bilhões a R$ 19,1 bilhões aos cofres federaisbilhões anuais em receitas. Haddad também discute internamente a medida, dentro das sinalizações de “medidas complementares” após a promulgação da Reforma Tributária.
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