Um projeto de lei do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quer punir quem protocolar pedidos de impeachment considerados “abusivos” por parte dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. O texto substitui a Lei 10.069 de 1950, a Lei do Impeachment, e aumenta as prerrogativas dos chefes do Legislativo em arquivarem pedidos de impedimento contra as autoridades públicas, como o presidente da República, os ministros do Supremo Tribunal Federal, ministro de Estado, o advogado-geral da União e comandantes das Forças Armadas.
A proposta é vista como mais um obstáculo para que políticos e membros da sociedade civil protocolem pedidos de impedimento contra as autoridades dos Três Poderes.
“Identificado abuso no oferecimento da denúncia, será encaminhada cópia de seu inteiro teor ao Ministério Público, acompanhada das razões do arquivamento e demais documentos que constem do processo, para apuração de eventual responsabilidade criminal”, diz o parágrafo 6° do artigo 29 da proposta.
O texto tramita atualmente na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e é relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA). O anteprojeto, texto que precede o projeto, foi coordenado pelo ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski e entrou na pauta da comissão no início de setembro.
Ao conversar com jornalista, na última quarta-feira (6), Rocha afirmou que a discussão da proposta deve ser encerrada até o final do ano. Por outro lado, não definiu uma data para a votação em plenário. A expectativa é de que a proposta seja votada no ano que vem.
A justificativa de Pacheco para mudança é que as atuais “disposições constitucionais [...] mostraram-se, no mínimo, anacrônicas e desatualizadas”.
“Editada ainda sob a égide da Constituição de 1946, e nitidamente influenciada por ideias parlamentaristas vencidas na Constituinte, a sua vigência até os dias atuais deu-se às custas de recepção parcial pela Constituição de 1988, que a tornaram uma lei lacunosa, incompleta e inadequada. Tanto assim, que, nos dois processos de impeachment de Presidentes da República, foi necessária a judicialização do tema, a fim de que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixasse um 'rito' do processo por crime de responsabilidade – a partir, inclusive, de uma interpretação conjunta de lei, disposições constitucionais, regimentos internos e práticas parlamentares. Igualmente, nos processos de acusação de governadores por crime de responsabilidade as disposições da Lei nº 1.079, de 1950, mostraram-se, no mínimo, anacrônicas e desatualizadas”, justificou Pacheco no projeto de lei.
A proposta é discutida ao mesmo tempo em que a oposição tem apresentado pedidos de impeachment contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, por suposto uso político da Polícia Federal. O pedido foi assinado pelos deputados Paulo Bilynsky (PL-SP) e Gilvan Aguiar Costa (PL-ES).
Pedidos de impeachment contra ministros do Supremo também foram impetrados no Senado neste ano: quatro contra Alexandre de Moraes, um contra Gilmar Mendes e um contra Luís Roberto Barroso. De 2019 a 2023, foram apresentados 77 requerimentos de abertura de investigação por crime de responsabilidade contra os ministros do STF. Desse número, 40 solicitações são contra Moraes.
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Fake news pode ser incluída no projeto como crime de responsabilidade
Outro ponto que chama atenção no projeto é a inclusão de fake news como crime de responsabilidade. Caso o texto seja aprovado e sancionado, a prática será considerada crime contra as instituições democráticas, a segurança interna e o livre exercício dos Poderes.
De acordo com o artigo 7° do projeto, será crime “divulgar, direta ou indiretamente, por qualquer meio, fatos sabidamente inverídicos, com o fim de deslegitimar as instituições democráticas”.
Por outro lado, a normativa não define claramente o que é considerado fake news, nem quem terá poder para analisar e concluir que houve ou não "propagação criminosa" de informação considerada falsa.
Proposta de Pacheco é subjetiva e pode gerar deturpações
Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a proposta de punir eventuais abusos no oferecimento de pedidos de impeachment não deixa claro o que pode ser considerado “abuso”. Eles também avaliam que o dispositivo pode dar margem a abusos de poder por parte dos presidentes do Legislativo.
O advogado eleitoral Richard Campanari classificou o parágrafo 6° como subjetivo, não dando clareza sobre a abrangência da norma. “A previsão do parágrafo 6º no artigo 29 do Projeto de Lei 1.388/23 suscita preocupações fundamentadas quanto à preservação dos pilares de um sistema democrático sólido. Ao estabelecer a viabilidade de investigar alegados "abusos" na apresentação de denúncias de impeachment, o dispositivo carece de uma definição precisa para o termo "abuso", uma expressão inerentemente abrangente que engloba diversas intenções e circunstâncias”, disse o advogado.
Campanari ressaltou também que a falta de clareza na definição do conceito de "abuso" no projeto abre espaço para interpretações subjetivas, que, por sua vez, podem resultar em investigações influenciadas por considerações políticas ou partidárias, às custas dos princípios legais objetivos. "Embora a motivação subjacente à proposta do projeto seja plenamente compreensível, visto que a abordagem dessa questão é imperativa para o país, é de suma importância que qualquer alteração nas normas que regem o impeachment garanta que a busca pela justiça não seja prejudicada por ambiguidades interpretativas”, destacou o especialista.
Para o advogado criminalista Adriano Soares da Costa, a lei causa empecilhos para a atividade política. “O que o projeto de lei deseja é limitar o exercício do direito político para aqueles legitimados que pleiteiam impeachment de um presidente da República ou de um agente público que esteja submetido ao rito. É preciso que a legislação seja bastante explícita no sentido de definir que conduta típica é essa e mais. Não havendo essa conduta típica, não há que se falar em utilização pelo Ministério Público desses elementos para proposição de qualquer ação de natureza penal”.
A avaliação do especialista é de que transformar qualquer denúncia contra um presidente ou um ministro em um processo penal - e isso sem que haja uma clara definição do que é um "ato abusivo" - é uma forma de tentar inibir o exercício do pedido de impeachment. Tal pretensão, destacou Costa, é "claramente legítima para o exercício da cidadania".
O advogado criminalista Luiz Filipe Pontes argumentou que a normativa proposta por Pacheco poderá equiparar os tais “abusos” à prática de denunciação caluniosa. “Caso (o projeto) passe no Congresso Nacional, vai ser extremamente equivocado, tendo em vista que os parlamentares vão ficar acovardados para poder apresentar uma denúncia de solicitação de impeachment, seja de Ministro de Estado, seja de Presidente da República. Penso que só vai piorar a situação do país, porque parlamentares poderão ser acusados de crimes até análogos à denunciação caluniosa”, explicou.
Segundo a advogada Angela Gandra, professora de Filosofia do Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a normativa proposta por Pacheco "sufoca" as iniciativas de impedimentos que estão previstas na Constituição Federal. "Estamos caminhando para uma limitação completa do exercício de cidadania de nossos representantes, por mecanismos de inibição que não permitem promover justos pleitos em favor da nação. O critério vago referente ao “abuso” amplia também ainda mais a possibilidade de incidir em crime, sufocando iniciativas legitimamente previstas em nosso ordenamento jurídico", disse a professora.
"De fato, vivemos hoje às avessas. O abuso é sempre do cidadão e jamais da autoridade, cuidadosamente preservada em todos os sentidos, por aqueles que detém o poder", salientou Angela Gandra.
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