A apresentação do relatório do senador Marcos do Val (Cidadania-ES) ao projeto de lei 1.864/2019, na quarta-feira (3), foi mais um passo do Congresso Nacional em busca da aprovação do pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. O relatório de Marcos do Val propôs modificações em relação à proposta original de Moro. Mas o senador nega que tenha sido uma "desidratação" do pacote. A oposição, por sua vez, promete resistência e aceita negociações "sobre pontos específicos" da iniciativa.
Apoiadores do projeto esperam a conclusão da análise da proposta no segundo semestre, depois que os holofotes saírem da reforma da Previdência. O projeto está em tramitação, ao mesmo tempo, na Câmara e no Senado. A discussão entre os senadores está mais avançada.
O pacote apresentado por Moro foi dividido em três propostas: uma que criminaliza o caixa 2 em campanhas eleitorais, outra que determina a realização de julgamentos, pela Justiça comum, de crimes conexos ao processo eleitoral, e outra focada no endurecimento do Código Penal para crimes contra a vida, a corrupção e o crime organizado.
Foi este último projeto que teve o relatório elaborado por Marcos do Val. O senador alterou alguns dos pontos propostos por Moro, como a possibilidade de aplicação de penas menores no caso de feminicídios “por escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O tema foi questionado por entidades de defesa das mulheres, que temiam impunidade em crimes domésticos. Val também modificou o texto de forma a garantir proteção aos denunciantes de crimes de corrupção.
Segundo o parlamentar, o contexto favorável também descarta a ideia de que a proposta esteja sendo "desidratada" pelo Congresso. "Não está havendo isso [desidratação], em hipótese alguma. Estão sendo feitas algumas modificações pontuais, corrigindo interpretações. A essência do projeto permanece", declarou.
O senador acredita que exista, hoje, um clima favorável na Casa para aprovação do projeto. "A maior parte dos senadores tem mostrado interesse em votar a favor do projeto. Até uns que tenderiam a ficar contra estão a favor", afirmou. Val disse que o ambiente em torno da proposta é "completamente diferente" ao que se criou em torno do projeto que ampliava as possibilidades de posse de armas, também relatado por ele e que foi derrubado pelos senadores.
Na Câmara, debate mais lento
As discussões sobre o tema na Câmara dos Deputados estão em fase mais inicial. O relator do tema na Casa, Capitão Augusto (PL-SP), apresentou seu texto na última terça-feira (3). Mas os parlamentares ainda não formalizaram a comissão da Câmara que discutirá o assunto.
O relatório do deputado paulista aliou as sugestões de Moro com outras propostas pelo hoje ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que comandou a Justiça na gestão de Michel Temer (MDB). Entre as decisões tomadas por Augusto está a manutenção do pedido de prisão dos condenados em segunda instância e também o abrandamento de punições a agentes de segurança envolvidos em mortes nos "autos de resistência".
Um dos principais motivos que leva a Câmara a estar atrás do Senado em relação ao pacote anticrime é a reforma da Previdência, que tem retido as atenções dos deputados. Tanto que a tramitação inicial do pacote no Senado foi idealizada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) justamente como mecanismo para evitar que o assunto ficasse parado.
"Nossa expectativa é adiantar o debate em torno disso no segundo semestre, assim que concluirmos a votação da reforma da previdência. Inclusive, nós acreditamos que podemos discutir, aqui na Câmara, o pacote anticrime e a reforma tributária ao mesmo tempo", declarou o líder do PSL na casa, Delegado Waldir (GO).
Já do lado da oposição, a meta é negociar "ponto a ponto" do projeto. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) sugeriu que o pacote seja dividido em 16 itens separados, de modo a deixar as discussões focadas nos pontos específicos. "Nós somos globalmente a favor da revisão das políticas de segurança, de um maior combate à corrupção. Mas esse pacote tem propostas que vão atingir principalmente a população mais desvalida. Então nossa meta vai ser negociar pontos específicos, de forma a obter uma redução dos possíveis danos", declarou a deputada Margarida Salomão (PT-MG).
Efeitos do caso Intercept?
A discussão atual do pacote coincide com a crise que ronda o ministro Moro, causada pelo vazamento de supostas conversas entre ele e integrantes da operação Lava Jato.
O deputado Delegado Waldir (PSL-GO) disse que a situação não impedirá a aprovação do projeto. "Isso foi insignificante. Até porque o Moro esteve no Congresso recentemente e deu um show. O Moro identificou que há uma bancada aqui disposta a defendê-lo", afirmou o líder do partido de Bolsonaro.
Já Marcos do Val acredita que a evolução das discussões sobre o pacote fez com que o projeto, hoje, não seja "mais do Moro, e sim da sociedade". "Isso já está desvinculado. Há um ditado que diz que não importa a cor do gato, o que importa é que ele pegue o rato. É assim que a sociedade tem enxergado essa questão, e por isso foi às ruas no dia 30", disse o senador, relembrando as manifestações pró-Moro ocorridas no último domingo.
O início da tramitação do projeto no Congresso foi responsável também por outra crise entre o Legislativo e o governo Bolsonaro. Em março, o ministro Moro pediu ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que apreciasse o pacote de maneira simultânea à avaliação da reforma da Previdência. O pedido – que foi interpretado pelo democrata como uma pressão – motivou forte reação de Maia, que chamou Moro de "funcionário do presidente Bolsonaro" e criticou o conteúdo do pacote.
A instalação da comissão na Câmara pode ser efetuada na próxima semana. Já a análise do relatório de Marcos do Val pelos senadores está prevista para a próxima quarta-feira (10).
Leia na íntegra o relatório do senador
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