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Crise política

Como o mundo vê a gestão da pandemia no Brasil e qual o impacto na imagem do país

Bolsonaro em manifestação no Palácio do Planalto no dia 17 de maio: tentativa de ocultar dados da pandemia causou desgaste ao governo.
Bolsonaro em manifestação no Palácio do Planalto no dia 17 de maio: tentativa de ocultar dados da pandemia causou desgaste ao governo. (Foto: Sergio Lima/AFP)

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Nos pouco mais de três meses da expansão do coronavírus no Brasil, o governo federal já teve três ministros da Saúde, mudou algumas vezes suas diretrizes para contenção da pandemia e, em meio ao problema sanitário, passa por uma crise institucional, com conflitos frequentes do Planalto com o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso e os governadores de estado. A mídia internacional têm repercutido essa instabilidade, e até meios estrangeiros mais alinhados à direita tem sido críticos da forma como o presidente Jair Bolsonaro conduz o país na crise.

A ideia de que o Brasil é o novo epicentro da Covid-19 no mundo tem sido repisada na imprensa internacional desde o começo de maio. Apoiadores do presidente argumentam que, em proporção ao tamanho da população, o país não está entre os primeiros em casos de morte pela doença – hoje, segundo o site Worldometer, o Brasil é o terceiro em números absolutos e o 20º em números proporcionais –, mas jornais estrangeiros têm repercutido estudos que dizem que o pico da doença no país ainda está por chegar.

As críticas se tornaram ainda mais pesadas depois que o Ministério da Saúde anunciou que mudaria a forma como conduz a divulgação dos números da Covid-19. Jornais estrangeiros interpretaram o gesto como uma maneira de ocultar os dados, e a atitude acabou reforçando a visão de que o presidente age arbitrariamente em relação à doença. Após reações negativas de todos os lados, o governo acabou recuando na segunda-feira (8) e divulgando o número total de casos, mas o estrago já estava feito.

Como crise de imagem dificulta retomada de investimentos estrangeiros

De acordo com Roberto Dumas, professor de Economia Internacional do Ibmec-SP e autor do livro Crises Econômicas Internacionais, sobre as principais crises econômicas que ocorreram nos séculos XX e XXI no mundo, a crise de reputação do Brasil por causa da gestão da pandemia é "péssima" para a atração de investimentos internacionais.

A imagem de instabilidade e a falta de diretrizes claras é um sinal ruim para o mercado estrangeiro, que deverá ficar mais reticente em relação ao Brasil. Isso, segundo o professor, diz respeito não só à forma como o poder Executivo tem conduzido a crise, mas também aos conflitos entre poderes, que sugerem desgoverno e falta de confiabilidade. “Não é atrativo nem para o investidor internacional nem para o doméstico”, diz.

A perspectiva de retomada do crescimento da economia em 2021, quando se espera que a pandemia já esteja mais controlada, torna-se menos realista por conta da forma como o governo federal tem conduzido a resposta à crise, segundo o economista.

Para Dumas, o dano à imagem fica ainda mais grave depois que Donald Trump, presidente dos Estados Unidos e aliado geopolítico de Bolsonaro, criticou publicamente a forma como o Brasil conduz sua política anti-Covid-19, comparando-o à Suécia, país com um dos piores retrospectos no combate à doença.

O que jornais mais alinhados à esquerda estão dizendo sobre a condução da pandemia

Nos últimos dias, o jornal tradicional mais acessado do mundo na internet, o americano The New York Times, publicou duas reportagens críticas à forma como o governo Bolsonaro enfrenta a pandemia no Brasil.

“Mais de 30 mil mortes. Devastação social generalizada. Hospitais sobrecarregados. Uma economia à beira do desastre. No Brasil — o país mais atingido da América do Sul, um novo epicentro do coronavírus —, a situação é terrível. E, no entanto, seu presidente, Jair Bolsonaro, vive em outra realidade”, diz um artigo de 3 de junho.

O mesmo texto diz ainda que, “mesmo do ponto de vista dos Estados Unidos de Donald Trump”, o comportamento de Bolsonaro é “bizarro”, mas argumenta que o brasileiro tem um objetivo com suas atitudes: posar de “lobo solitário lutando contra o poderoso establishment” e, assim, ganhar mais popularidade.

Em outra reportagem, o New York Times ironiza Bolsonaro afirmando que “agora que o surto no Brasil se tornou pior — com mais infecções do que em qualquer outro país, exceto nos EUA —, o governo Bolsonaro resolveu dar uma resposta original ao tumulto crescente: parar completamente de reportar os dados sobre o vírus”.

O The Washington Post republicou uma notícia da agência Associated Press que também fala da decisão de mudança na divulgação dos dados. “Sem oferecer evidências, ele [Bolsonaro] afirma que os dados foram inflados pelas autoridades locais de saúde”, diz o texto.

O jornal britânico The Guardian também repercutiu o fato, afirmando que “embora a contagem precisa de casos e mortes seja difícil para os governos em todo o mundo, os pesquisadores da área da saúde vêm dizendo há semanas que uma série de graves irregularidades nas estatísticas do governo brasileiro estava impossibilitando o controle de uma situação explosiva”.

Já o espanhol El País disse que “as medidas dos últimos dias são outro passo firme rumo ao apagão informativo governamental sobre o alcance real da crise sanitária”.

O que dizem os jornais estrangeiros mais alinhados à direita

Meios jornalísticos estrangeiros mais alinhados à direita também não têm poupado críticas à forma como Jair Bolsonaro conduz o Brasil na crise, com raras exceções.

Na sexta-feira (5), a Fox News, rede de notícias com maior popularidade entre a direita norte-americana, publicou uma reportagem com o título: “Em meio a recorde de mortes no Brasil, Bolsonaro proclama: a morte é ‘o destino de todo o mundo’”.

Em 18 de maio, a mesma Fox já havia publicado uma matéria com tom crítico às atitudes do governante brasileiro. “O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, mais uma vez desconsiderou as recomendações de saúde pública em meio à pandemia do coronavírus, neste domingo, para tirar fotos com manifestantes aglomerados, enquanto São Paulo, a maior cidade do país, luta para manter seu sistema de saúde em funcionamento com hospitais públicos a 90% da capacidade”, dizia o texto.

O jornal de mais popularidade entre a direita francesa, o Le Figaro, chamou Bolsonaro de “capitão sem bússola no coração da tempestade”.

Em meio ao tom crítico de quase toda a imprensa internacional em relação a Bolsonaro, destoa um texto de Mary Anastasia O'Grady, editora do The Wall Street Journal, publicado no dia 17 de maio. A jornalista defende o ponto de vista do presidente do Brasil de que a ideia de isolamento e lockdown pode acabar provocando uma crise que tirará mais vidas do que a própria pandemia.

Comparando o caso de algumas cidades brasileiras com o de Guayaquil, no Equador, ela afirma que muitas pessoas “não têm o luxo de ficar em casa até que uma vacina seja encontrada” e que “a compaixão exige que os formuladores de políticas elaborem estratégias para minimizar a transmissão entre os vulneráveis ​​enquanto os saudáveis ​​têm permissão para trabalhar”. O’Grady conclui afirmando que “Bolsonaro está certo em dizer que o Brasil precisa voltar ao trabalho”.

Crise política sem fim

A imprensa internacional tem acompanhado com atenção também a crise política no Brasil, marcada pelo embate entre Bolsonaro e outros poderes. Nesta segunda-feira (8), uma decisão liminar do ministro do STF Alexandre de Moraes botou mais lenha na fogueira. Ele determinou que o Ministério da Saúde volte a divulgar os dados acumulados do novo coronavírus no Brasil, com o total de casos e de mortes conforme a metodologia adotada desde o início da pandemia. É mais um capítulo na queda de braço entre o Planalto e a Suprema Corte.

Moraes e o decano no STF, Celso de Mello, viraram alvo de críticas constantes do presidente Jair Bolsonaro nas últimas semanas. Tudo porque relatam três inquéritos que interessam ao governo. Moraes é responsável pela investigação de fake news contra a Corte que causou a deflagração de uma operação contra apoiadores bolsonaristas e a acusação da existência do chamado "gabinete do ódio" no Palácio do Planalto. Já Celso de Mello conduz o inquérito que apura a suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal.

O decano também responde pela investigação contra manifestações que pregam contra a democracia e defendem o fechamento de instituições e uma intervenção militar. O presidente da República costuma aparecer em atos públicos dessa natureza, embora diga não apoiar a pauta dos manifestantes.

A imprensa internacional costuma repercutir a participação de Bolsonaro nos protestos em Brasília. No dia de 3 de maio, por exemplo, o The Guardian destacou que Bolsonaro "passou outro fim de semana agitando protestos nas ruas". Já a agência norte-americana Bloomberg publicou que o presidente do Brasil "incita novo protesto em meio ao aumento nos casos" de novo coronavírus e o New York Times disse que Bolsonaro liderou "manifestação antidemocrática", em meio à pandemia do novo coronavírus, ao reproduzir reportagem da agência Reuters.

Veja números atualizados da pandemia no Brasil

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