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Pesquisa Datafolha divulgada na última terça-feira (16) mostrou que o desempenho do presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia de Covid-19 é considerado ruim ou péssimo para 54% dos entrevistados. O mesmo levantamento registrou que 56% dos brasileiros consideram o presidente incapaz de liderar o país nesse momento de crise. Nada disso, porém, abala a confiança da base governista no Congresso Nacional.
A piora na popularidade de Bolsonaro ocorre num momento em que o Brasil registra sucessivos recordes negativos da pandemia de coronavírus. Em 18 dias de março foram registrados mais óbitos do que em todo o mês de fevereiro. A piora nos números esteve entre os fatores que levou Bolsonaro a substituir o ministro da Saúde: o general Eduardo Pazuello deu lugar ao médico Marcelo Queiroga.
Para o senador Marcelo Castro (MDB-PI), a piora nos números da Covid-19 e na popularidade do presidente não tendem a refletir negativamente na base de apoio ao governo no Congresso. "Uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa", diz. Outros congressistas que conversaram com a Gazeta do Povo apresentaram abordagem semelhante.
"Não acho que os efeitos da pandemia impactem em termos de base no Congresso Nacional. Ninguém que é da base está pensando em deixar de ser. Este é o quadro que vejo no momento", avaliou o deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG). O partido do parlamentar integra o governo, com o ministro da Cidadania, João Roma.
A troca no Ministério da Saúde e a morte do senador Major Olímpio (PSL-SP) por Covid-19, na quinta-feira (18), causaram um certo ruído na base governista, mas os movimentos foram isolados. Parlamentares do Centrão ficaram insatisfeitos com a escolha de Queiroga para a Saúde — eles tentaram emplacar o deputado Dr. Luizinho (PP-RJ) no cargo, mas ele foi preterido por Bolsonaro.
Também repercutiu mal o silêncio do presidente da República em relação à morte de Major Olímpio, que foi um apoiador de primeira grandeza durante a campanha eleitoral de Bolsonaro. Os dois romperam em 2019, mas, para colegas do senador, nada justifica a indiferença do chefe do Executivo com a memória de Olímpio. O senador era uma das figuras mais populares da atual legislatura.
Há descontentamentos na base, mas apoio ao governo continua
Presidente da Frente Parlamentar de Segurança, conhecida como "bancada da bala", o deputado Capitão Augusto (PL-SP) é da opinião de que a postura de Bolsonaro diante da pandemia tem desagradado cada vez mais parlamentares. "Há um descontentamento que vem crescendo. Eu mesmo não concordo com o comportamento dele, com esse negacionismo. Sou a favor da vacina, do isolamento, do uso de máscaras", disse.
Augusto, entretanto, coloca que essa objeção não se reflete em votos desfavoráveis ao governo por parte de deputados e senadores. E nem mesmo de um fortalecimento da oposição na Câmara e no Senado. "Muitos acabam votando com o governo, mesmo sem concordar com a postura individual do Bolsonaro", declarou.
O deputado é policial militar de origem e permanece vinculado à categoria, que tem se distanciado de Bolsonaro. Os profissionais de segurança alegam que o presidente frustrou demandas do segmento, com a aprovação de propostas como a reforma da Previdência e a PEC Emergencial.
Segundo Augusto, as medidas podem levar os policiais a deixarem de votar em Bolsonaro caso o presidente concorra em 2022 — mas isso no primeiro turno. "Muitos têm dito que não serão mais eleitores de Bolsonaro no primeiro turno. Mas a insatisfação não é tanta a ponto de pensarem em votar em Lula. Continuamos sendo de direita", apontou o parlamentar.
No Senado, CPI bate à porta
Um elemento que pode quebrar a aparente "tranquilidade" do governo no Congresso é a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação do Ministério da Saúde no combate à pandemia. A criação do colegiado foi proposta pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o pedido já recebeu o número de assinaturas necessário para a sua ativação. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no entanto, é contrário à CPI e tem buscado convencer os colegas de que esse não momento de fazer um "caça às bruxas".
Mas a morte de Major Olímpio pode estimular mais senadores a buscarem a formalização da CPI. O Senado já havia perdido outros dois integrantes para a Covid-19: Arolde de Oliveira (PSD-RJ) e José Maranhão (MDB-PB).
"Realmente há necessidade de uma investigação mais apurada. Não é uma questão de revirar o passado, e sim de abrir rumos para o futuro. Há uma situação limite em relação à pandemia, somos o pior país do mundo no combate à doença", afirmou o senador Marcelo Castro.
Segundo Castro, "a morte do Major Olímpio foi um soco no estômago de todos nós". O emedebista destacou que o senador de São Paulo era jovem — tinha de 58 anos — e se destacava pelo vigor físico. "Isso atingiu todo mundo. Gerou muita comoção, muita indignação. Daqui para a frente, em relação à Covid, a situação vai ficar em outro patamar. Vai diminuir a tolerância, a leniência", destacou.
Pacto na próxima semana
Os presidentes dos três poderes vão se reunir na próxima semana para discutir a criação de um comitê unificado para coordenador o combate à pandemia no país. A expectativa é de que o encontro ocorra na segunda-feira (22). A iniciativa partiu do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Se efetivada, a reunião se dará num momento em que Bolsonaro vive um clima de tensão com alguns governadores. O presidente entrou com uma ação no STF nesta sexta-feira (19) contra os governadores da Bahia, Rui Costa (PT), do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), por conta de políticas de restrição de circulação adotadas nas unidades da federação.
No dia anterior, em sua live semanal, Bolsonaro havia comparado as medidas dos governadores com ações ditatoriais e anunciado que acionaria o Judiciário. Ibaneis, que é alinhado com o presidente, criticou a medida de Bolsonaro.
Para o deputado Lafayette de Andrada, a reunião pode fazer com que "todos falem a mesma língua". "Estamos vivendo uma época em que direitos não estão sendo respeitados em vários setores, em que a Constituição está sendo rasgada. A reunião é importante também para isso", destacou o parlamentar.