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Bolsonaro x STF

Qual o papel de Aras na crise entre os poderes e por que Fux cobra posicionamento dele

Augusto Aras STF
Procurador-geral da República, Augusto Aras, foi indicado por Bolsonaro para mais um mandato na chefia do MPF, mas sofre pressão do STF para que se posicione a favor do Judiciário. (Foto: Isac Nóbrega/PR)

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A insistência do presidente Jair Bolsonaro em esticar a corda nas críticas aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes levou o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, a buscar uma aproximação mais estreita com o procurador-geral da República, Augusto Aras, único ator institucional capaz de denunciar criminalmente o chefe do Executivo.

Fux e Aras se reuniram por 50 minutos no início da tarde desta sexta-feira (6) no gabinete do ministro em Brasília. Na quinta (5), Aras já havia mandado uma mensagem para Fux pedindo o encontro. Na conversa, o ministro disse que ele deve cumprir seu papel como procurador-geral, garantindo que a Corte também cumprirá sua parte.

O encontro ocorreu em meio a uma crise institucional crescente entre o Planalto e a Suprema Corte, agravada após insinuações do presidente de que poderia atuar à margem da Constituição, em razão das novas investigações abertas contra ele, no próprio STF e também no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na hipótese, ainda distante, de Aras apresentar uma denúncia criminal contra Bolsonaro, caberia ao STF encaminhar a acusação à Câmara. Se 2/3 dos deputados autorizarem o andamento, o caso voltaria à Corte, a quem competiria analisar a acusação. Sendo aceita pela maioria dos ministros, o presidente seria afastado do mandato por até 180 dias.

Trata-se de um caminho alternativo a um processo de impeachment, ainda considerado improvável dentro do Congresso, em razão da adesão do Centrão ao governo. A abertura do processo cabe ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que já repetiu diversas vezes ser contrário.

No encontro com Fux, Aras disse que quer manter o “diálogo permanente” com a Corte, “para aperfeiçoar o sistema de Justiça a serviço da democracia e da República”. Apesar disso, dentro da PGR não há qualquer sinal de pretensão de adotar medidas duras contra Bolsonaro no curto prazo.

O procurador-geral está em campanha pela sua recondução. Apesar de já ter sido indicado no mês passado para mais dois anos à frente da PGR, ele passou a semana se encontrando com vários senadores para garantir sua permanência no cargo. Ainda não há data para sua sabatina e submissão de seu nome ao plenário do Senado, onde precisa da aprovação de pelo menos 41 dos 81 senadores para efetivar a recondução.

Entre seus auxiliares mais próximos, a percepção é de que, neste momento, Aras não está disposto a ceder a pressões políticas, mesmo que vindas do STF, para abrir fogo contra o presidente. Em seu entorno, sempre é lembrada a tentativa frustrada de seu antecessor Rodrigo Janot de afastar o ex-presidente Michel Temer.

“Parou o governo e o país”, disse à Gazeta do Povo um interlocutor de Aras. Por duas vezes, em 2017, a Câmara rejeitou as acusações feitas contra o emedebista. Depois que ele deixou o Planalto, as denúncias, por organização criminosa e obstrução de Justiça, desceram para a primeira instância da Justiça, onde Temer foi absolvido sumariamente.

A avaliação dentro da PGR é que uma eventual denúncia criminal contra Bolsonaro precisa estar bastante embasada tecnicamente para não ter o mesmo destino, na Câmara e depois na Justiça. A projeção é de que, pelo menos pelos próximos dois meses, o procurador-geral não faça qualquer movimento contra o presidente.

Tramitam no STF três investigações contra Bolsonaro: uma por suposta interferência na Polícia Federal; outra por suposta prevaricação ante suspeitas de irregularidades na encomenda da vacina indiana Covaxin; e outra, aberta nesta semana, por ofensas aos ministros dentro do inquérito das fake news.

Depois do encontro desta sexta de Aras com Fux, um grupo de 27 subprocuradores cobraram uma ação "enfática" contra ameaças à democracia. Assim como em outras vezes em que notas semelhantes foram divulgadas, o procurador-geral tende a não ceder à pressão interna por medidas contra Bolsonaro.

Aras teme ficar isolado

A cautela de Aras não quer dizer que ele vai consentir com qualquer tentativa concreta de Bolsonaro de ameaçar as eleições de 2022, em razão da provável rejeição do voto impresso no Congresso. O procurador sabe que não pode ficar isolado nessa questão, sobretudo após desgastes que vem sofrendo junto aos próprios ministros do STF.

Um fato de incômodo para Aras é a imagem de que está alinhado, custe o que custar, com Bolsonaro. Essa pecha já prejudicou a própria PGR junto ao Supremo, onde vários ministros passaram a ignorar a posição do órgão para abrir ou avançar com investigações contra Bolsonaro.

Diante da inércia da PGR em propor novas diligências no inquérito sobre a suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, Alexandre de Moraes prorrogou as investigações por conta própria no fim de julho.

Nesta semana, a PGR foi ignorada por mais duas vezes: quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu abrir um inquérito administrativo contra Bolsonaro pelo ataque ao sistema de votação eletrônica, sem consulta ao órgão; e depois, quando Moraes incluiu o presidente no inquérito das fake news, que nunca contou com participação efetiva da PGR.

Interlocutores dos ministros afirmam que essa é uma tendência “que veio para ficar”, o que significa uma derrota para o MP em geral. Membros do órgão atribuem essa mudança à própria inércia de Aras em relação a Bolsonaro.

O mesmo interlocutor de Aras disse à reportagem que a posição externada nesta sexta-feira (6) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), numa entrevista à GloboNews, reflete de forma muito parecida o que o procurador-geral pensa.

O senador disse que confia totalmente no sistema eleitoral e que quem se insurgir contra a realização de eleições será apontado como “inimigo da nação”. Ele reconheceu o “momento um pouco mais agudo” da “crise institucional” nesta semana, mas disse que buscará o “apaziguamento”, conversando com Bolsonaro, Fux e Lira.

“Toda alegação, de quem quer que seja, que pregue a ilegalidade, uma ruptura ou algo que seja fora do comando constitucional, deve ser rechaçada de pronto. Evidentemente qualquer que a diga, deve ser repudiado. A reação do ministro Fux de interromper o diálogo neste momento está justificada, mas não será definitivamente uma tônica entre os Poderes. Porque sei que o próprio ministro Luiz Fux, apesar da reação legítima que teve à fala do presidente da República em relação a ministros do Supremo, não vai interromper esse diálogo. Em algum momento, esse diálogo vai ter que ser restabelecido”, disse Pacheco.

Clima no STF é de pressão

A declaração do presidente do Senado era uma referência ao pronunciamento duro de Fux na sessão do plenário do STF na quinta-feira (5). Ele cancelou uma reunião que faria entre todos os chefes de Poderes depois de novas ofensa de Bolsonaro a Barroso e Moraes.

O ministro disse que a conduta de Bolsonaro atinge a Corte por inteiro e que o “pressuposto do diálogo entre os Poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes".

Na segunda-feira (2), na volta do recesso do Judiciário, Fux já havia sinalizado com o rompimento do diálogo com Bolsonaro, ao repudiar “ataques de inverdades à honra” dos colegas. O novo pronunciamento foi fruto de pressão de outros ministros que pediam uma resposta mais dura, sobretudo depois que Bolsonaro continuou com as críticas.

Dentro do Supremo, além de Barroso e Moraes, quem mais pressiona Fux a reagir aos impropérios de Bolsonaro é Rosa Weber, vice-presidente da Corte, que assumirá seu comando em setembro do ano que vem, mês anterior à eleição presidencial.

Ela acha que se Bolsonaro não for freado agora, uma tentativa de ruptura se tornará cada vez mais provável à medida que a campanha se aproximar.

Entre os ministros, há certeza de que não prosperará qualquer tentativa, por parte de Bolsonaro, de inviabilizar eleições por causa da rejeição do Congresso ao voto impresso.

A avaliação, no entanto, é que qualquer movimento nesse sentido, ainda que fracassado, traria grande prejuízo à imagem do país no âmbito internacional, afugentando ainda mais investidores estrangeiros.

Por esse mesmo motivo, também chamou a atenção dos ministros o manifesto “Eleições serão respeitadas”, que ganhou adesão de vários empresários e economistas. O texto defende a Justiça Eleitoral, diz que o sistema eletrônico é confiável e que a sociedade não aceitará “aventuras autoritárias”.

Desde que assumiu a presidência do STF, em setembro do ano passado, Fux tem demonstrado boa vontade com a pauta econômica do governo. Na semana passada, disse ao ministro Paulo Guedes que vai estabelecer uma mesa de conciliação com estados que cobram precatórios — dívidas já reconhecidas pela Justiça — da União.

Ele tem dito a pessoas próximas que, apesar do rompimento do diálogo com Bolsonaro, será o último a arrebentar a corda. A aposta é que, se Bolsonaro recuar dos ataques, há chance de reconciliação.

Câmara parada

Se da parte de Fux, ainda há espaço para uma reaproximação com Bolsonaro, na Câmara também não há sinais de enfrentamento. Na noite desta sexta-feira (6), Arthur Lira disse que levará ao plenário a votação da PEC do voto impresso.

A expectativa que é uma nova rejeição da proposta, desta vez pela maioria dos deputados, coloque um ponto final no assunto e interrompa a escalada de ataques de Bolsonaro.

Interlocutor frequente de ministros dos tribunais superiores, o deputado Fábio Trad (PSD-MS) aposta que o presidente continuará, mesmo assim, acusando fraude nas eleições de 2022. Para ele, a reação cabe ao Congresso, não a Aras.

"Bolsonaro aposta nesta instabilidade porque é beneficiado politicamente com isso. Penso que está faltando uma postura mais firme, proativa, dos presidentes da Câmara e do Senado. Não basta discurso melífluo, suave. É preciso que demarquem um limite claro, além do qual se for ultrapassado, não vão mais continuar próximos do governo. Vai chegar um momento em que o Centrão, que domina o Parlamento e está entranhado no governo, vai chegar a um impasse. Ou fica com a institucionalidade ou fica com o golpe. Agora, é uma força política que só abandona no final, e não deve ter visto que tenha chegado esse final", disse o deputado à reportagem.

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