Após a aprovação no Senado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal (STF) é a vez da Câmara dos Deputados apreciar a iniciativa. A atenção se volta neste momento ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem o poder para pautar a matéria no plenário. Ele será pressionado tanto pela oposição, que entende que os deputados têm "obrigação" de aprová-la, quanto pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que tentam barrar a iniciativa do Senado.
Na tarde desta quinta-feira, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e outros ministros da Corte criticaram a decisão do Senado, publicamente, trazendo uma pressão extra para Lira. “Não há institucionalidade que resista se cada setor que se sentir contrariado por decisões do tribunal quiser mudar a estrutura e o funcionamento da Corte. Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”, disse Barroso.
O ministro Gilmar Mendes também criticou de forma enfática a PEC. “Este Supremo Tribunal Federal está preparado, e não tenho a menor dúvida, para enfrentar uma vez mais, e caso necessário, as investidas desmedidas e inconstitucionais agora, eventualmente, provenientes do Poder Legislativo”, disse.
Como Lira lidará com a PEC das decisões monocráticas – e a reação contundente do STF contra ela – ainda está para ser visto. Em 7 de novembro, o deputado disse que a proposta seguirá um rito normal na Câmara e que não pretende barrá-la.
"Vai ter um rito normal. Eu não mando na vontade [dos demais deputados], não tem veto meu. A minha vontade pessoal não vai valer sobre a da maioria dos partidos na Casa. Não tem isso não", disse Lira a jornalistas.
Marcos Queiroz, analista da Arko Advice, avalia que o andamento da medida na Câmara dependerá dos interesses do seu presidente. Ele pondera que havia uma pressão institucional sobre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para dar uma resposta diante do ativismo judicial do Supremo, já que cabe ao Senado fiscalizar as ações da Corte. Isso não ocorre com Lira, mas o presidente da Câmara tem diante de si uma maioria de deputados que, de forma geral, tendem a apoiar a medida.
“O Lira não sofre essa pressão institucional e, por essa razão, ele vai jogar com isso [a tramitação da medida] de acordo com o seu interesse”, disse Queiroz.
Em agosto deste ano, o ministro Gilmar Mendes anulou todas as provas que envolviam Lira em uma investigação sobre a suspeita de desvios feitos na contratação de kits de robótica em Alagoas, que também envolve aliados do parlamentar.
Tendência é Lira esfriar a pauta
Embora não mencionem a Câmara, as críticas dos ministros do STF à aprovação da PEC pelo Senado são uma pressão extra para que Lira não encampe a tramitação da proposta. O analista político Lucas Batista Pinheiro, da consultoria Consillium Soluções Institucionais e Governamentais, avalia que a tendência do presidente da Câmara é esfriar a pauta.
“É natural que antes de tomar uma decisão de tamanha relevância, ele queira ouvir seus aliados e também ouvir o colégio de líderes. Pelo que percebemos, parlamentares mais alinhados ao governo não querem criar desgaste com o Supremo”, afirma. Ele lembra ainda que Lira foi eleito para a presidência da Câmara com um amplo apoio, tanto de partidos de esquerda quanto de direita.
O governo não orientou o voto, mas a maioria dos senadores da base do governo foi contrária à PEC das decisões monocráticas. Dentre os poucos governistas que votaram a favor, um chamou mais a atenção: o senador Jaques Wagner, líder do governo na Casa. O senador petista foi criticado e, nos bastidores, acusado de “traição” ao STF e ao governo. Diante da pressão, ele se explicou publicamente nesta quinta-feira. Disse que seu voto foi estritamente pessoal, "fruto de acordo que retirou do texto qualquer possibilidade de interpretação de eventual intervenção do Legislativo".
O perfil de Arthur Lira também é apontado como um fator para o esfriamento da pauta na Câmara. Pinheiro acredita que ele deve evitar um embate dessa natureza com o STF, especialmente diante das críticas de Barroso e Gilmar Mendes.
Fatores circunstanciais também contribuem, como a proximidade do recesso parlamentar, as votações da reforma tributária e dos projetos orçamentários, que são considerados prioridades na Câmara. "Lira pode argumentar que essa PEC não tem prioridade e seguirá o rito normal de Emenda Constitucional”.
Embora seja favorável à PEC, o deputado federal Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) também entende que a tramitação não será imediata e célere como no Senado.
“É um assunto para 2024, dificilmente será tratado esse ano na Câmara. Mas a oposição e o PL já estão preparando ações para acelerar a tramitação da PEC e garantir apoio para que o texto seja aprovado no ano que vem”, afirma, salientando que a proposta é uma "medida que garante segurança jurídica ao país e respeito ao Estado Democrático de Direito.”
Oposição faz pressão em favor da aprovação da PEC
A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) vê a PEC como um primeiro passo dentre muitas outra mudanças que precisam ser feitas com relação ao judiciário e aos poderes do Supremo, que foram tão alargados nos últimos tempos. Ela acredita que a medida tem muita chance de ser aprovada na casa.
“A gente tem a compreensão de que a função de fiscalizar o Supremo é do Senado. No momento em que o Senado toma uma atitude como essa, a Câmara não pode se furtar de aprovar essa PEC também”.
Na mesma linha, deputados da oposição ao governo comemoraram a aprovação da PEC pelo Senado ao mesmo tempo em que cobraram atitude semelhante da Câmara. A deputada Caroline de Toni (PL-SC), da Frente Parlamentar do Agropecuária (FPA), comemorou a aprovação e afirmou em postagem no Instagram que aguarda a tramitação na Câmara para que poder “votar e lutar pela aprovação” da PEC.
Outros integrantes da FPA também celebraram e manifestaram apoio à PEC, como o vice-líder da oposição na casa, deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS). Ele parabenizou os senadores que votaram favoravelmente à proposta: “Cada poder tem suas prerrogativas e legislar é parte do Congresso Nacional. Mais um passo para reestabelecermos nossas prerrogativas.", afirmou.
Já o deputado federal Rodrigo Valadares (UNIÃO-SE), que é vice-líder da minoria na Câmara, reiterou o argumento de que a PEC traz mais equilíbrio entre os poderes. “O Senado fez o seu papel de aprimorar o sistema de freios e contrapesos defendendo a força do Poder Legislativo frente as decisões extremamente políticas do Judiciário brasileiro”.
O parlamentar ainda afirmou que até mesmo membros da base governista votaram a favor da matéria, em referência ao líder do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado, Jaques Wagner, que foi favorável à aprovação da PEC. Segundo Valadares, a atitude de Wagner, o único Senador petista que foi favorável à PEC, demonstra o descontentamento da casa com a situação vivida pelo Brasil. “Precisamos recuperar o equilíbrio entre os poderes e voltar a ser um país normal.”
O deputado Sargento Gonçalves (PL-RN), disse que o "senado cumpriu sua missão aprovando a PEC 08. Na verdade, essa PEC representa o início da busca pelo reequilíbrio entre os Poderes”. O parlamentar ainda afirmou que a responsabilidade agora está nas mãos dos deputados.
Em resposta às críticas do ministro Gilmar Mendes, o deputado federal Marcel Van Hattem (NOVO-RS) afirmou em seu perfil no X que o decano do STF terá que “admitir CPI do Abuso de Autoridade e impeachment de ministro". "O tempo deles acabou. Domingo, às 14h, estaremos todos na Paulista”. A postagem comenta uma declaração sobre a afirmação do ministro de que o STF não aceita intimidações e chama para manifestações contra membros da Suprema Corte.
Propostas semelhantes à PEC já foram barradas na Câmara
Essa não será a primeira vez que a Câmara apreciará os temas que estão em pauta na PEC 08/2023. O ex-deputado federal João Campos (Republicanos-GO) apresentou o Projeto de Lei 11270/2018 que também tinha o objetivo de limitar o alcance das decisões monocráticas do Supremo.
No entanto, o PL nunca passou da análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde sofreu pedidos de vista, entre outros entraves que impediram o seu avanço na Casa. Campos afirma que, à época, chegou a ir ao próprio STF e conversou com o então presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, que demonstrou seu apoio à medida.
Em 2022, já sob a presidência da ministra Rosa Weber, o Supremo aprovou uma regra em seu regimento interno que limita as decisões monocráticas e o prazo de pedidos de vista. Ainda que não tenha com o mesmo alcance da PEC ou do PL proposto por Campos, a medida trouxe resoluções na mesma direção das propostas.
“A PEC não é afronta alguma ao Supremo. Vejo isso com absoluta naturalidade e normalidade, o parlamento está no exercício de sua prerrogativa”, afirma o ex-parlamentar. Ele ainda reitera que a proposta, inclusive, converge com o entendimento do Supremo, que, caso contrário, não teria feito essa mudança em seu regimento interno.
Campos também destaca que a PEC chegou a ser motivo de críticas, afirmando que ela seria desnecessária, já que o STF possui medidas internas aprovadas nesse sentido. “Se o Supremo já fez isso internamente, nada impede que o parlamento possa consolidar essa medida em norma constitucional ou em lei. Dá muito mais segurança jurídica para todo mundo, inclusive, para o próprio Supremo. Então, não há razão para ser contra, pois há uma convergência entre o que o STF terminou fazer internamente e o que o Senado propôs e aprovou”.
Campos avalia que uma ampla maioria na Câmara compartilha dessa visão, de que não se trata de afronta à Corte, mas de “estabelecer um regramento mais claro, que exprime segurança jurídica para todos e que dá conforto, inclusive, para os Ministros e que prestigia a natureza colegiada do Supremo”.
Ainda que perceba que esse é o pensamento majoritário na Câmara, ele afirma que é possível que o debate possa ser ampliado ou esvaziado. “É preciso saber o sentimento do presidente da Câmara. Embora seja uma casa colegiada, há uma estrutura presidencial e ele pode simplesmente não pautar. A posição do Arthur Lira é fundamental e se ele não tiver ânimo de levá-la adiante, não será aprovada”, afirma Campos.
Quais são os próximos passos da tramitação da PEC
Ainda com a pressão da oposição ao governo para acelerar a tramitação da PEC, ela pode ser demorada se não tiver urgência. Na Câmara, ela precisa ser avaliada primeiramente pela Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), que analisa a admissibilidade da proposta. Se for admitida pela CCJ, a PEC passa para uma comissão especial, que pode alterar a proposta original.
Essa comissão tem o prazo de 40 sessões do Plenário para votar a PEC. Já o prazo para a apresentação de emendas se esgota nas dez primeiras sessões. Em seguida, a PEC segue para análise do Plenário. Para ser aprovada, são necessários votos favoráveis de 3/5 dos deputados (308), em dois turnos de votação.
Pinheiro ainda pontua que, por sua natureza de Emenda Constitucional, a PEC faz com que seja necessário o consentimento entre Câmara e Senado para sua aprovação. No caso de Projetos de Lei, por exemplo, a casa onde a matéria é iniciada tem prevalência e pode não acatar emendas às propostas feitas pela casa responsável pela revisão.
No caso da PEC isso não ocorre. “Nesse caso de Emenda Constitucional, não tem preponderância entre Casa iniciadora [neste caso, o Senado] e Casa revisora [a Câmara], exigindo que as duas Casas entrem em consenso”. Essa característica pode atrasar ainda mais e até mesmo inviabilizar a aprovação da medida.
Mesmo assim, se depender do ânimo da oposição, a medida seguirá adiante. Segundo a deputada Bia Kicis, muitas vezes, quando a Câmara deseja tomar uma iniciativa, o que se diz é que adianta pouco o movimento se o Senado não estiver de acordo. “Agora, [a PEC] veio do Senado aprovada, então eu coloco que é nossa obrigação aprovar essa PEC, o povo brasileiro espera isso da gente”, afirmou.
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