O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, durante instalação da Comissão Nacional para a Coordenação da Presidência do G20, no Palácio do Planalto.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ouça este conteúdo

Após a aprovação no Senado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal (STF) é a vez da Câmara dos Deputados apreciar a iniciativa. A atenção se volta neste momento ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem o poder para pautar a matéria no plenário. Ele será pressionado tanto pela oposição, que entende que os deputados têm "obrigação" de aprová-la, quanto pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que tentam barrar a iniciativa do Senado.

CARREGANDO :)

Na tarde desta quinta-feira, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e outros ministros da Corte criticaram a decisão do Senado, publicamente, trazendo uma pressão extra para Lira. “Não há institucionalidade que resista se cada setor que se sentir contrariado por decisões do tribunal quiser mudar a estrutura e o funcionamento da Corte. Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”, disse Barroso.

O ministro Gilmar Mendes também criticou de forma enfática a PEC. “Este Supremo Tribunal Federal está preparado, e não tenho a menor dúvida, para enfrentar uma vez mais, e caso necessário, as investidas desmedidas e inconstitucionais agora, eventualmente, provenientes do Poder Legislativo”, disse.

Publicidade

Como Lira lidará com a PEC das decisões monocráticas – e a reação contundente do STF contra ela – ainda está para ser visto. Em 7 de novembro, o deputado disse que a proposta seguirá um rito normal na Câmara e que não pretende barrá-la.

"Vai ter um rito normal. Eu não mando na vontade [dos demais deputados], não tem veto meu. A minha vontade pessoal não vai valer sobre a da maioria dos partidos na Casa. Não tem isso não", disse Lira a jornalistas.

Marcos Queiroz, analista da Arko Advice, avalia que o andamento da medida na Câmara dependerá dos interesses do seu presidente. Ele pondera que havia uma pressão institucional sobre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para dar uma resposta diante do ativismo judicial do Supremo, já que cabe ao Senado fiscalizar as ações da Corte. Isso não ocorre com Lira, mas o presidente da Câmara tem diante de si uma maioria de deputados que, de forma geral, tendem a apoiar a medida.

“O Lira não sofre essa pressão institucional e, por essa razão, ele vai jogar com isso [a tramitação da medida] de acordo com o seu interesse”, disse Queiroz.

Em agosto deste ano, o ministro Gilmar Mendes anulou todas as provas que envolviam Lira em uma investigação sobre a suspeita de desvios feitos na contratação de kits de robótica em Alagoas, que também envolve aliados do parlamentar.

Publicidade

Tendência é Lira esfriar a pauta

Embora não mencionem a Câmara, as críticas dos ministros do STF à aprovação da PEC pelo Senado são uma pressão extra para que Lira não encampe a tramitação da proposta. O analista político Lucas Batista Pinheiro, da consultoria Consillium Soluções Institucionais e Governamentais, avalia que a tendência do presidente da Câmara é esfriar a pauta.

“É natural que antes de tomar uma decisão de tamanha relevância, ele queira ouvir seus aliados e também ouvir o colégio de líderes. Pelo que percebemos, parlamentares mais alinhados ao governo não querem criar desgaste com o Supremo”, afirma. Ele lembra ainda que Lira foi eleito para a presidência da Câmara com um amplo apoio, tanto de partidos de esquerda quanto de direita.

O governo não orientou o voto, mas a maioria dos senadores da base do governo foi contrária à PEC das decisões monocráticas. Dentre os poucos governistas que votaram a favor, um chamou mais a atenção: o senador Jaques Wagner, líder do governo na Casa. O senador petista foi criticado e, nos bastidores, acusado de “traição” ao STF e ao governo. Diante da pressão, ele se explicou publicamente nesta quinta-feira. Disse que seu voto foi estritamente pessoal, "fruto de acordo que retirou do texto qualquer possibilidade de interpretação de eventual intervenção do Legislativo".

O perfil de Arthur Lira também é apontado como um fator para o esfriamento da pauta na Câmara. Pinheiro acredita que ele deve evitar um embate dessa natureza com o STF, especialmente diante das críticas de Barroso e Gilmar Mendes.

Fatores circunstanciais também contribuem, como a proximidade do recesso parlamentar, as votações da reforma tributária e dos projetos orçamentários, que são considerados prioridades na Câmara. "Lira pode argumentar que essa PEC não tem prioridade e seguirá o rito normal de Emenda Constitucional”.

Publicidade

Embora seja favorável à PEC, o deputado federal Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) também entende que a tramitação não será imediata e célere como no Senado.

“É um assunto para 2024, dificilmente será tratado esse ano na Câmara. Mas a oposição e o PL já estão preparando ações para acelerar a tramitação da PEC e garantir apoio para que o texto seja aprovado no ano que vem”, afirma, salientando que a proposta é uma "medida que garante segurança jurídica ao país e respeito ao Estado Democrático de Direito.”

Oposição faz pressão em favor da aprovação da PEC

A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) vê a PEC como um primeiro passo dentre muitas outra mudanças que precisam ser feitas com relação ao judiciário e aos poderes do Supremo, que foram tão alargados nos últimos tempos. Ela acredita que a medida tem muita chance de ser aprovada na casa.

“A gente tem a compreensão de que a função de fiscalizar o Supremo é do Senado. No momento em que o Senado toma uma atitude como essa, a Câmara não pode se furtar de aprovar essa PEC também”.

Na mesma linha, deputados da oposição ao governo comemoraram a aprovação da PEC pelo Senado ao mesmo tempo em que cobraram atitude semelhante da Câmara. A deputada Caroline de Toni (PL-SC), da Frente Parlamentar do Agropecuária (FPA), comemorou a aprovação e afirmou em postagem no Instagram que aguarda a tramitação na Câmara para que poder “votar e lutar pela aprovação” da PEC.

Publicidade

Outros integrantes da FPA também celebraram e manifestaram apoio à PEC, como o vice-líder da oposição na casa, deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS). Ele parabenizou os senadores que votaram favoravelmente à proposta: “Cada poder tem suas prerrogativas e legislar é parte do Congresso Nacional. Mais um passo para reestabelecermos nossas prerrogativas.", afirmou.

Já o deputado federal Rodrigo Valadares (UNIÃO-SE), que é vice-líder da minoria na Câmara, reiterou o argumento de que a PEC traz mais equilíbrio entre os poderes. “O Senado fez o seu papel de aprimorar o sistema de freios e contrapesos defendendo a força do Poder Legislativo frente as decisões extremamente políticas do Judiciário brasileiro”.

O parlamentar ainda afirmou que até mesmo membros da base governista votaram a favor da matéria, em referência ao líder do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado, Jaques Wagner, que foi favorável à aprovação da PEC. Segundo Valadares, a atitude de Wagner, o único Senador petista que foi favorável à PEC, demonstra o descontentamento da casa com a situação vivida pelo Brasil. “Precisamos recuperar o equilíbrio entre os poderes e voltar a ser um país normal.”

O deputado Sargento Gonçalves (PL-RN), disse que o "senado cumpriu sua missão aprovando a PEC 08. Na verdade, essa PEC representa o início da busca pelo reequilíbrio entre os Poderes”. O parlamentar ainda afirmou que a responsabilidade agora está nas mãos dos deputados.

Em resposta às críticas do ministro Gilmar Mendes, o deputado federal Marcel Van Hattem (NOVO-RS) afirmou em seu perfil no X que o decano do STF terá que “admitir CPI do Abuso de Autoridade e impeachment de ministro". "O tempo deles acabou. Domingo, às 14h, estaremos todos na Paulista”. A postagem comenta uma declaração sobre a afirmação do ministro de que o STF não aceita intimidações e chama para manifestações contra membros da Suprema Corte.

Publicidade

Propostas semelhantes à PEC já foram barradas na Câmara

Essa não será a primeira vez que a Câmara apreciará os temas que estão em pauta na PEC 08/2023. O ex-deputado federal João Campos (Republicanos-GO) apresentou o Projeto de Lei 11270/2018 que também tinha o objetivo de limitar o alcance das decisões monocráticas do Supremo.

No entanto, o PL nunca passou da análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde sofreu pedidos de vista, entre outros entraves que impediram o seu avanço na Casa. Campos afirma que, à época, chegou a ir ao próprio STF e conversou com o então presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, que demonstrou seu apoio à medida.

Em 2022, já sob a presidência da ministra Rosa Weber, o Supremo aprovou uma regra em seu regimento interno que limita as decisões monocráticas e o prazo de pedidos de vista. Ainda que não tenha com o mesmo alcance da PEC ou do PL proposto por Campos, a medida trouxe resoluções na mesma direção das propostas.

“A PEC não é afronta alguma ao Supremo. Vejo isso com absoluta naturalidade e normalidade, o parlamento está no exercício de sua prerrogativa”, afirma o ex-parlamentar. Ele ainda reitera que a proposta, inclusive, converge com o entendimento do Supremo, que, caso contrário, não teria feito essa mudança em seu regimento interno.

Campos também destaca que a PEC chegou a ser motivo de críticas, afirmando que ela seria desnecessária, já que o STF possui medidas internas aprovadas nesse sentido. “Se o Supremo já fez isso internamente, nada impede que o parlamento possa consolidar essa medida em norma constitucional ou em lei. Dá muito mais segurança jurídica para todo mundo, inclusive, para o próprio Supremo. Então, não há razão para ser contra, pois há uma convergência entre o que o STF terminou fazer internamente e o que o Senado propôs e aprovou”.

Publicidade

Campos avalia que uma ampla maioria na Câmara compartilha dessa visão, de que não se trata de afronta à Corte, mas de “estabelecer um regramento mais claro, que exprime segurança jurídica para todos e que dá conforto, inclusive, para os Ministros e que prestigia a natureza colegiada do Supremo”.

Ainda que perceba que esse é o pensamento majoritário na Câmara, ele afirma que é possível que o debate possa ser ampliado ou esvaziado. “É preciso saber o sentimento do presidente da Câmara. Embora seja uma casa colegiada, há uma estrutura presidencial e ele pode simplesmente não pautar. A posição do Arthur Lira é fundamental e se ele não tiver ânimo de levá-la adiante, não será aprovada”, afirma Campos.

Quais são os próximos passos da tramitação da PEC

Ainda com a pressão da oposição ao governo para acelerar a tramitação da PEC, ela pode ser demorada se não tiver urgência. Na Câmara, ela precisa ser avaliada primeiramente pela Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), que analisa a admissibilidade da proposta. Se for admitida pela CCJ, a PEC passa para uma comissão especial, que pode alterar a proposta original.

Essa comissão tem o prazo de 40 sessões do Plenário para votar a PEC. Já o prazo para a apresentação de emendas se esgota nas dez primeiras sessões. Em seguida, a PEC segue para análise do Plenário. Para ser aprovada, são necessários votos favoráveis de 3/5 dos deputados (308), em dois turnos de votação.

Pinheiro ainda pontua que, por sua natureza de Emenda Constitucional, a PEC faz com que seja necessário o consentimento entre Câmara e Senado para sua aprovação. No caso de Projetos de Lei, por exemplo, a casa onde a matéria é iniciada tem prevalência e pode não acatar emendas às propostas feitas pela casa responsável pela revisão.

Publicidade

No caso da PEC isso não ocorre. “Nesse caso de Emenda Constitucional, não tem preponderância entre Casa iniciadora [neste caso, o Senado] e Casa revisora [a Câmara], exigindo que as duas Casas entrem em consenso”. Essa característica pode atrasar ainda mais e até mesmo inviabilizar a aprovação da medida.

Mesmo assim, se depender do ânimo da oposição, a medida seguirá adiante. Segundo a deputada Bia Kicis, muitas vezes, quando a Câmara deseja tomar uma iniciativa, o que se diz é que adianta pouco o movimento se o Senado não estiver de acordo. “Agora, [a PEC] veio do Senado aprovada, então eu coloco que é nossa obrigação aprovar essa PEC, o povo brasileiro espera isso da gente”, afirmou.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]