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Temendo uma derrota no Congresso Nacional, aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entraram na disputa entre a Câmara e o Senado sobre o rito para a tramitação de Medidas Provisórias (MPs). A avaliação é de que o modelo atual ampliou a concentração de poder no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o que tem influenciado o poder de barganha dos deputados junto ao Palácio do Planalto.
Adotado durante a pandemia, o modelo atual prevê que o texto das medidas provisórias seja levado direto para o plenário da Câmara e, se aprovado, segue para o Senado. Os senadores, no entanto, argumentam que Lira tem usado isso para controlar a pauta e, por consequência, reduzir a atuação do Senado.
Pelo modelo original, a tramitação de uma MP é feita por meio de uma comissão mista, onde deputados e senadores debatem o texto enviado pelo Executivo. Além disso, a relatoria das MPs é feita por meio de um rodízio entre os parlamentares das duas Casas.
Medidas provisórias entram em vigor a partir da sua publicação, mas precisam ser avaliadas pelas duas Casas do Congresso Nacional em até 120 dias, para que não percam a validade. Para integrantes do governo, Lira tem segurado as medidas provisórias como forma de pressionar o Planalto por mais espaço para aliados do Centrão.
Recentemente, durante um jantar com Lira, Lula expôs a necessidade de que a Câmara e o Senado costurem uma alternativa para o impasse. Senadores têm defendido, inclusive, que o tema seja levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) – o que acabou ocorrendo nesta semana, mas por iniciativa do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE).
O tucano ingressou com um mandado de segurança, no STF, contra Lira, alegando "inércia em garantir retorno ao regime ordinário de tramitação de medidas provisórias". Ele requer a suspensão do ato firmado em 2020, que permitiu a excepcionalidade na tramitação das MPs.
Além da judicialização, os governistas temem que, sem solução, ao menos 20 MPs editadas por Lula neste começo de ano fiquem travadas no Congresso Nacional. Entre elas a que transferiu a estrutura do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco Central para o Ministério da Fazenda e a que mudou a regra de desempate de decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), favorecendo a Receita Federal em litígios em matéria tributária e aduaneira.
Governo vai defender tese do Senado na tramitação das MPs
Nessa estratégia, aliados de Lula estão se movimentando nos bastidores para que o modelo antigo de tramitação para as medidas provisórias seja restabelecido no Congresso Nacional. Para evitar um embate direto com Lira, os governistas defendem que Rodrigo Pacheco mantenha a pressão sobre o presidente da Câmara.
A negociação por parte do governo vem sendo conduzida pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Ele tem atuado diretamente na tentativa de encontrar uma resolução entre Lira e Pacheco e já tratou do assunto com lideranças partidárias.
O presidente do Senado chegou a editar um ato da Mesa do Congresso para retomar o rito constitucional das MPs. Lira, porém, resistiu e argumentou que a determinação precisa ser conjunta das duas Casas legislativas.
Recentemente, o líder da Maioria no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que pretende apresentar uma questão de ordem (protesto formal de congressistas com base nos regimentos internos) e deve pedir o retorno imediato das comissões por um ato unilateral de Pacheco. O emedebistas é aliado de Lula e um dos principais adversários políticos de Lira em Alagoas.
Planalto acredita que pressão pode reduzir a influência de Lira sobre as MPs de Lula
Integrantes do governo avaliam que a atuação do Executivo na disputa deve acontecer de forma cautelosa, para que não haja ruídos ou retaliações dos parlamentares. Apesar disso, acreditam que a atuação junto aos senadores deve surtir efeito na estratégia para reduzir o poder de Arthur Lira.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já indicou que pretende se reunir com Lira nesta semana para apresentar a ele as propostas dos senadores. Ao presidente da Câmara, o senador pretende indicar que a judicialização do caso provocaria desgastes entre as duas Casas e que um acordo seria o melhor caminho para o impasse.
Aliados de Lira defendem que as comissões mistas para tramitação se MPs só sejam instaladas a partir do segundo semestre. Com isso, o presidente da Câmara poderia manter a influência sobre os textos já apresentados pelo governo. Os senadores, no entanto, descartam essa possibilidade.
Além do presidente do Senado, outro aliado do governo Lula que tem participado das articulações para o impasse é o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Uma das alternativas costuradas é de que as primeiras medidas provisórias editadas por Lula tramitem pelo modelo vigente durante a pandemia.
A partir do acordo, as demais MPs apresentadas pelo governo Lula passariam a tramitar a partir das comissões mistas. O líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), confirmou que o Planalto não está "confortável" com o modelo atual da tramitação das medidas provisórias. "É uma prioridade nossa resolver [a volta das comissões mistas]", afirmou.