O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse no começo de junho que o Conselho de Ética da Casa, parado desde março por causa da pandemia do coronavírus, retomaria suas atividades no início de julho. A promessa de Maia, porém, não se concretizou. E, com isso, um grupo de deputados está se livrando de ter de responder por supostas infrações éticas que cometeram.
A paralisia favorece tanto deputados que já estão submetidos a processos no colegiado quanto os que foram denunciados mais recentemente. Isso porque o conselho não chegou a instaurar nenhum processo em 2020, mesmo durante o período em que trabalhou antes da pandemia.
Atualmente estão em tramitação no Conselho de Ética dez processos que foram abertos no ano passado. Todos são contra deputados do PSL. E sete deles foram movidos pelo próprio partido na época da guerra interna que culminou com a saída da legenda do presidente Jair Bolsonaro e de um grupo de apoiadores do chefe do Executivo.
Os parlamentares que respondem aos inquéritos no Conselho de Ética apresentados pelo PSL são: Bibo Nunes (RS), Filipe Barros (PR), Alê Silva (MG), Carlos Jordy (RJ), Daniel Silveira (RJ), Carla Zambelli (SP) e Eduardo Bolsonaro (SP).
Eduardo Bolsonaro também responde a mais dois inquéritos que não foram apresentados pelo PSL. E, nessa mesma situação, também está o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP).
A ação contra Daniel Silveira diz respeito à ocasião em que ele gravou e vazou à imprensa o áudio de uma reunião de deputados do PSL contrários a Bolsonaro – à época, ele confirmou à Gazeta do Povo que havia sido o autor das gravações.
Os demais processos abertos pelo PSL abordam, majoritariamente, postagens dos bolsonaristas nas redes sociais em que eles criticam lideranças do partido, como os deputados Delegado Waldir (GO), Joice Hasselmann (SP) e Luciano Bivar (PE).
Além dos processos apresentados pelo PSL, Eduardo Bolsonaro responde a outros dois: um protocolado em conjunto por PT, PCdoB e Psol, e outro pela Rede. Ambos se referem à ocasião em que o filho do presidente disse que o Brasil, em resposta à "radicalização da esquerda", poderia ter "um novo AI-5" – o ato institucional da ditadura militar (1964-1985) que suspendeu as garantias constitucionais em 1968 e que marcou o endurecimento do regime dos generais. A declaração de Eduardo Bolsonaro foi dada em uma entrevista à jornalista Leda Nagle, em outubro do ano passado.
Os processos contra o filho do presidente Jair Bolsonaro tiveram sua tramitação unificada, e seu relator é o deputado Igor Timo (Podemos-MG). Recentemente, Timo esteve com Bolsonaro e gravou um vídeo de agradecimento ao presidente pela liberação de R$ 2,96 bilhões a Minas Gerais. A publicação fez com que os partidos que acionaram Eduardo no Conselho de Ética pedissem a remoção de Timo da relatoria.
O outro processo que está em tramitação no Conselho é contra o deputado Coronel Tadeu, motivado pela ocasião em que o parlamentar do PSL quebrou uma placa contra a violência policial, exposta numa exposição da Câmara sobre o Dia da Consciência Negra. A representação contra Tadeu foi apresentada pelo PT e é assinada pela presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann (PR).
A principal atribuição do Conselho de Ética é avaliar se um deputado cometeu violações ao chamado decoro parlamentar – o que inclui desde acusações de corrupção até agressões físicas entre parlamentares. O Conselho pode recomendar sanções a parlamentares e até mesmo a cassação do mandato deles, o que tem de ser confirmado pelo plenário. O colegiado atualmente é presidido por Juscelino Filho (DEM-MA).
PSL tende a continuar centralizando as discussões do Conselho de Ética
A paralisia dos trabalhos do Conselho de Ética também impede que a abertura de outros processos disciplinares contra deputados, por atos praticados durante o período da pandemia.
E, mais uma vez, essa situação beneficia deputados do PSL. O antigo partido do presidente Bolsonaro – ao qual grande parte de seus aliados permanece filiada por causa das regras de fidelidade partidária – tende a continuar centralizando as atenções do Conselho quando as atividades forem retomadas.
Um grupo de 17 deputados do PSL anunciou, em 9 de junho, que apresentaria ao Conselho de Ética um pedido de cassação de Joice Hasselmann. A parlamentar é acusada de utilizar a estrutura de seu gabinete para difundir ataques virtuais a adversários políticos. Carla Zambelli, uma das autoras da representação, seria um dos alvos das ofensivas comandadas por Joice.
A deputada Carla Zambelli passa de acusadora a denunciada em outro processo que poderá ser instalado no Conselho de Ética após a retomada dos trabalhos. A iniciativa foi anunciada pela deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), e foi motivada pela divulgação das conversas entre Zambelli e o ex-ministro Sergio Moro. Segundo Sâmia, Zambelli estaria oferecendo "uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) em troca de favores" para Moro.
É Eduardo Bolsonaro, entretanto, que deve permanecer como o deputado com mais representações na comissão. Ao menos três declarações do filho do presidente motivaram anúncios, por parte de outros parlamentares, de representações ao Conselho de Ética.
Uma das declarações foi no fim de maio, quando ele disse que uma ruptura institucional não era uma questão de "se", mas de "quando" ia ocorrer. A declaração de Rodrigo Maia, feita em junho, sobre a reativação do conselho se deu em resposta a essa demanda. Também nesse contexto, o presidente do conselho, Juscelino Filho, disse à época que havia aumentado a "pressão" para a retomada dos trabalhos do colegiado.
Eduardo pode também responder ao conselho por ter atacado a China, por questionar a atuação do país asiático na gestão da pandemia de coronavírus, e também por ter criticado o trabalho de pesquisadores da Fiocruz, que não recomendam o uso de cloroquina para o tratamento da Covid-19.
O que deputados dizem sobre a paralisação dos trabalhos
O deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), um dos autores da representação contra Eduardo Bolsonaro no caso das críticas à China, critica a paralisia do Conselho de Ética em 2020, e diz que a interrupção dos trabalhos traz efeitos ruins para a população.
"É muito importante que nós, deputados, entreguemos respostas à sociedade", afirma Calero. "E, em relação ao Conselho de Ética, eu vejo uma preocupação em relação ao exemplo que a gente pode dar. Isso repercute na sociedade. Preocupa o fato de um dos poderes da República não estar exercendo essa sua função."
O parlamentar ressalta, entretanto, que não nutria muitas expectativas em relação ao conselho. Deputado em primeiro mandato, ele diz que ouvia dos veteranos que o colegiado "não tinha um histórico de endereçar temas de maneira muito eficaz, muito célere".
Já o vice-presidente do Conselho, Cezinha de Madureira (PSD-SP), avalia que o colegiado "trabalhou bastante para atender todos os pedidos" que foram apresentados pelos deputados. Ele diz que a diminuição das atividades se deve também à pandemia. "Seria melhor se não existisse [a pandemia]. Mas, como aconteceu, acabou por trazer um pouco de paz e tranquilidade à comissão."
Para Cezinha, a interrupção dos trabalhos não compromete o controle da ética dos parlamentares. "Não há prejuízo. Nesse momento, fica também a oportunidade de uma reflexão para muitos deputados que apresentaram reclamações. Nunca é bom julgar um colega. Mas, quando chega uma representação, temos que dar andamento."
A possibilidade de o Conselho de Ética retomar suas atividades por meio de videoconferência, que poderia ser uma solução, é rejeitada por parte dos parlamentares da comissão. "Os processos do conselho demandam maior dedicação, uma análise com parcialidade. E, no atual momento, nossas atenções continuam voltadas para a pandemia", diz o deputado Cacá Leão (PP-BA), um dos membros da comissão.
Deputado Boca Aberta foi única "vítima" do Conselho de Ética na atual legislatura
O Conselho de Ética instaurou 21 processos na atual legislatura, que se iniciou em fevereiro de 2019. Todos os que já tiveram sua tramitação concluída foram arquivados, com exceção de um que foi movido contra o deputado Boca Aberta (Pros-PR).
Em dezembro do ano passado, o conselho determinou a suspensão por seis meses do mandato de Boca Aberta. O motivo foi o fato de o parlamentar ter invadido um hospital público em Londrina (PR), sob o pretexto de fiscalização, e ter divulgado em suas redes sociais imagens de um médico que estava descansando, sugerindo que o profissional estava se recusando a atender a população.
O Conselho aprovou a suspensão do mandato do parlamentar por 10 votos a 1. No entanto, a suspensão não se efetivou, já que Boca Aberta apresentou um recurso contra a punição e sua requisição ainda não foi apreciada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara. Enquanto isso, ele continua atuando normalmente como deputado.
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