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Encontro da direita

Parceria de Bolsonaro e Milei mostra força e diferenças da direita na América Latina

Parceria de Bolsonaro e Milei mostra força e diferenças da direita na América Latina
Jair Bolsonaro e Javier Milei se encontraram na posse do presidente argentino. (Foto: Juan Ignacio Roncoroni/EFE)

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Além de rejeitarem a companhia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem ambos chamam de corrupto e comunista, o presidente da Argentina, Javier Milei, e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), compartilham também o perfil contemporâneo de políticos de direita antissistema, que mobilizam multidões nas ruas e nas redes sociais. Os dois defendem a redução da presença do Estado na economia e na vida dos cidadãos. O combate rigoroso ao crime organizado e a resistência do Ocidente contra ditaduras de esquerda, o terrorismo e o chamado globalismo são pautas comuns.

As semelhanças entre eles começam a diminuir, contudo, quando abordam o apoio à Ucrânia na guerra contra a Rússia, defendida por Milei, ou em questões da chamada pauta de costumes, uma bandeira ostensiva de Bolsonaro. Embora ambos sejam contrários ao aborto, o libertário argentino mostra ser mais tolerante com novos arranjos familiares do que o ex-presidente brasileiro, além de dar maior ênfase às liberdades individuais. De acordo com especialistas consultados pela Gazeta do Povo, apesar das diferenças ideológicas, ambos representam a força crescente da direita na América Latina, que se repete em outras partes do mundo.

Na sua primeira visita ao Brasil após ser eleito presidente da Argentina, Milei participará no próximo fim de semana da quinta edição do Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC Brasil), a versão brasileira do Conservative Political Action Conference (CPAC), maior evento conservador dos Estados Unidos, que alcançou a marca de 50 edições. O evento em Balneário Camboriú (SC) será o palco do reencontro entre Milei e Bolsonaro desde a posse do líder argentino em dezembro. Milei optou por prestigiar o CPAC Brasil de forma pessoal, em vez de comparecer oficialmente à cúpula dos presidentes do Mercosul, que será realizada no domingo (7) e na segunda-feira (8) em Assunção, no Paraguai, e deve ter a presença do presidente Lula.

Encontro de Milei e Bolsonaro explora carga simbólica e coordenação da direita

A proximidade entre os principais nomes latino-americanos da direita tem valor simbólico e estratégico para os grupos políticos dos dois, mostrando projeção internacional e capacidade de concertação. O retrato de Lula enfraquecido no exterior enquanto Milei será calorosamente recebido por Bolsonaro e outros simpatizantes brasileiros tem potencial de grande repercussão nos canais digitais conservadores. Um dos responsáveis por ter feito a ponte entre os dois líderes, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) destacou que a CPAC Brasil 2024 será o “maior encontro de conservadores de toda a história da América Latina”, embora Milei se defina como um libertário e tenha tomado medidas econômicas e políticas alinhadas com o liberalismo.

Segundo ele, além de fazer a sua concorrida palestra, Milei também terá uma reunião bilateral com Jair Bolsonaro. O porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni, disse que Milei deve viajar ao Brasil no sábado, voltando à Argentina no dia seguinte, sem mencionar o encontro com Bolsonaro. O cancelamento da participação do presidente argentino na cúpula do Mercosul foi justificado por “problemas de agenda”.

Na semana passada, Lula disse que aguardava um pedido de desculpas de Milei “pelas muitas bobagens que falou na campanha” contra ele, como uma condição para que os dois pudessem se reunir. O gesto foi considerado um erro diplomático, além de ter dado uma nova chance de o colega argentino reprisar suas impressões sobre o petista. Em resposta, Milei rejeitou fazer qualquer retratação e chamou Lula pejorativamente de esquerdinha e disse que ele tem “ego inflado”. Ele também mostrou rancor com a interferência de Lula nas eleições argentinas de 2023, em favor do candidato governista Sergio Massa.

“Qual é o problema? É porque o chamei de corrupto? Por acaso não foi preso por corrupção? É porque o chamei de comunista? Por acaso não é comunista? Desde quando é preciso pedir perdão por dizer a verdade? Ou a correção política está tão em falta que não podemos dizer nada à esquerda, ainda que seja verdade?”, disse. Para completar, na terça-feira (2), Milei afirmou que quem critica os seus ataques contra Lula é “perfeito dinossauro idiota”.

Milei se movimenta para ser referência global da direita, diz especialista argentino

Leandro Gabiati, cientista político argentino radicado no Brasil, observa que as incursões internacionais de Javier Milei revelam seu desejo de se estabelecer como um líder global da direita mais ideológica. Segundo o diretor da consultoria Dominum e professor do Ibmec-DF, as diversas viagens ao exterior, que não foram ainda visitas de Estado, incluíram discursos e reuniões com políticos, partidos e empresários que compartilham da linha ideológica do presidente argentino.

Entre esses momentos estão confraternizações amistosas com o ex-presidente Donald Trump e a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, um dos principais ícones da direita europeia, que o convidou pessoalmente a participar da reunião de cúpula do G-7, na Itália. “Nesse contexto, a participação de Milei em eventos políticos no Brasil, promovidos por Bolsonaro e seus aliados, faz todo o sentido”, sublinha.

Com a visita de Milei, Bolsonaro pretende, por seu turno, reforçar a expectativa de um retorno da direita ao poder no Brasil em 2026, movimento liderado pelo próprio ex-presidente. “Para Milei, a associação com Bolsonaro e outros líderes de direita fortalece sua imagem como um líder internacional de um vigoroso movimento de direita heterodoxo, que tem ganhado força eleitoralmente ao redor do mundo, como demonstrado nas recentes eleições europeias e no possível retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos”, comentou Gabiati.

Comparações entre Milei e Bolsonaro ganharam impulso nas eleições argentinas

Desde que o seu nome começou a ganhar destaque no cenário político, o economista e então deputado ultraliberal foi diretamente associado a Bolsonaro. No seu país e no Brasil, durante a campanha presidencial, foi apelidado de “Bolsonaro argentino” e classificado equivocadamente de direita ultrarradical. Apresentando-se como “outsider”, não ligado a grupos tradicionais, ele assumiu o poder no fim de 2023 com minoria no Congresso e em meio à maior crise social e econômica da Argentina, com hiperinflação e 40% da nação em extrema pobreza.

Com um duro programa de austeridade, a Argentina registrou o quinto superávit fiscal primário mensal seguido, de US$ 2,57 bilhões em maio, o maior até agora sob o comando do mais importante nome do libertarianismo mundial. Essa corrente do liberalismo econômico e político tem adeptos no Brasil abrigados em grupos de estudos e no partido Novo, sendo o deputado Gilson Marques (SC), o único com mandato. Milei tem visão de gestão da economia semelhante à implementada pela então ministro Paulo Guedes, com quem é comparado.

Ambos defendem absoluta desregulamentação de negócios e privatização de todas as estatais. Tal qual o trunfo de Milei nas contas públicas, após oito anos de déficit, as contas do governo brasileiro registraram superávit primário de R$ 54,1 bilhões em 2022, sob Guedes, mesmo ainda sob efeitos da pandemia, estiagens históricas e invasão da Ucrânia.

Guedes, que se define como liberal-democrata e classificou o governo Bolsonaro de coalizão entre liberais na economia e conservadores nos costumes, cumprimentou Milei pela vitória nas eleições. Nas suas redes sociais, lembrou recentemente que o argentino herdou um país “empobrecido por décadas de governos dirigistas de esquerda”, também chamados de desenvolvimentistas e progressistas, que “fecharam a economia argentina para o mundo”. Ele aposta na retomada do caminho da prosperidade no país vizinho.

Para o cientista político e empresário Luiz Felipe D’Ávila, que foi candidato à Presidência em 2022 pelo Novo, no papel de chefe do Executivo, Milei evoluiu em relação à sua postura de candidato. “Ele parece ter aprendido a valorizar a política. Conseguiu uma vitória importante na Câmara e no Senado na aprovação do seu pacote de reformas estruturais. Além disso, no que estava no alcance da Casa Rosada, ele realizou mudanças importantes, sinalizando que tem coragem para resistir a protestos e fazer o que tem de ser feito: enxugar a máquina pública, cortar gastos, acabar com privilégios”, disse. Essa postura firme da agenda econômica é vista por ele como um diferencial na comparação com Bolsonaro.

Pauta de costumes abriga maiores diferenças entre Milei e Bolsonaro

As diferenças entre Milei e Bolsonaro, líderes dos maiores países sul-americanos, ficaram evidentes na campanha do argentino. Elas retratam a heterogeneidade no campo da direita no mundo, a exemplo das diferenças do movimento na Europa, marcado pelo protecionismo econômico e pela defesa do controle migratório. Enquanto Bolsonaro foca no conservadorismo, Milei enfatiza a agenda libertária, especialmente para a economia, com a missão de atacar as chamadas “castas” de políticos e funcionários públicos. Milei chegou até a defender a extinção do Banco Central (BC) e o fim do controle cambial pelo Estado, o que ainda não levou adiante em sua gestão. Bolsonaro, por sua vez, implementou a independência do BC.

Os discursos de Milei e Bolsonaro compartilham a oposição ao socialismo na região. Ambos fazem parte do Fórum de Madri, aliança internacional para frear o avanço da esquerda nas nações ibero-americanas.  Mais agressivo nas propostas de redução da intervenção estatal e liberalização econômica, Milei não abraça certos preceitos de ordem moral e religiosa. Ele acredita, por exemplo, que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser permitido, não por defender essa prática, mas por acreditar que o Estado não deve se intrometer em questões privadas dos cidadãos, desde que não prejudiquem outras pessoas. Já Bolsonaro valoriza a configuração tradicional da família, inclusive na lei.

Sobre as drogas, Milei chegou a defender o livre comércio com base no mesmo preceito de que o Estado não deve se propor a tentar proteger o cidadão contra ele mesmo, algo que Bolsonaro é absolutamente contrário. Na prática, contudo, Milei endureceu o combate ao narcotráfico, com um plano batizado de Bukele, inspirado na linha dura do presidente salvadorenho Nayib Bukele, com a sua guerra às gangues e prisões em massa. No caso das armas, Milei segue a mesma linha de Bolsonaro. Para ele, a regulamentação da compra deve ser menos rígida, permitindo aos cidadãos escolherem se querem ou não exercer a autodefesa armada.

Apoio da Argentina à Ucrânia mostra proximidade de Milei com a Europa

A professora de relações internacionais Natália Fingermann, docente do Ibmec e da Fipe, vê mais diferenças importantes no campo internacional, lembrando que a guerra no Leste Europeu é um ponto importante de divergência entre Milei e Bolsonaro. “A Argentina entrou para o grupo de países chamados de Ramstein, que contribui com armamento para a Ucrânia. Bolsonaro manteve a neutralidade e até mesmo se aproximou de Putin devido às relações econômicas importantes entre Brasil e Rússia, especialmente nos fertilizantes”, disse. Além de decidir integrar a coalizão de assistência militar à Ucrânia, mostrando sintoniza com a Europa, o governo argentino está estreitando os seus laços com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar ocidental.

Milei endossou o esforço multilateral para recuperar dezenas de milhares crianças ucranianas sequestradas pela Rússia, que renderam ao ditador Vladimir Putin uma condenação por crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional. Em reconhecimento a esse apoio, Milei foi condecorado pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Esse desenvolvimento chamou a atenção da diplomacia brasileira e gerou protestos de Moscou, sendo visto como um indicativo de que a relação geoestratégica entre Brasil e Argentina poderá enfrentar desafios ainda mais complexos nos próximos anos.

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