Após ser abalada por contrariedades e incertezas desde o início do ano, a parceria entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), parece ter voltado aos trilhos. A delicada relação entre eles continua baseada na troca de favores e no apoio a interesses dos respectivos grupos políticos, mas persistem pendências a serem resolvidas.
Segundo analistas consultados pela Gazeta do Povo, a tendência é que Lula e Lira prossigam suas negociações ao longo de 2024 sem total estabilidade, tal qual ocorrem em relações sustentadas apenas pela conveniência.
Como passo inicial para retomar a rotina nas relações com o Legislativo, Lula revogou na última terça-feira (27) um trecho da medida provisória (MP) 1202, editada no fim do ano passado por seu governo, que reonerava a folha de pagamento de 17 setores da economia.
Antes da MP, o Congresso havia aprovado a manutenção do benefício até 2027, inclusive derrubando o veto de Lula à prorrogação. Mas diante da pressão dos parlamentes, o governo recuou e se propôs a apresentar um novo projeto de lei para retomar gradualmente a cobrança de impostos para estes setores, que até nova decisão mantém os benefícios fiscais (a Gazeta do Povo, como empresa de comunicação, está entre os beneficiados).
O governo estabeleceu ainda, por meio de um decreto, um calendário para a liberação de recursos orçamentários devidos a parlamentares, disposição legal aprovada no fim de 2023 e que foi vetada pelo presidente posteriormente. A redução das tensões também inclui a promessa de revisão do veto a R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão, estratégicas nas eleições municipais.
O conjunto de medidas para a harmonia entre Lula e Lira também envolveu a intervenção do Planalto para barrar o senador Renan Calheiros (MDB-AL), adversário de Lira em Alagoas, na relatoria da CPI da Braskem no Senado. A comissão de inquérito, criada para investigar prejuízos causados pela empresa em Maceió, representava potencial ameaça de ser usada por Calheiros contra Lira e seus aliados.
Além disso, cresce a pressão de Lira para que Lula ceda em relação a uma de suas mais resistentes posições, entregando ao Centrão o controle do Ministério da Saúde. Nesse sentido, estão sendo exploradas as falhas do governo na contenção da epidemia de dengue, que ultrapassou a marca de um milhão de casos e não teve vacinas em tempo.
Lira espera apoio de Lula ao seu indicado para presidir a Câmara
Apesar da ausência de uma base parlamentar sólida, o governo conseguiu aprovar sua agenda prioritária em 2023, abrangendo o novo marco fiscal, que substituiu o teto de gastos, e a reforma tributária, por meio de acordos com o presidente da Câmara.
O custo da colaboração ainda não foi pago totalmente, fato destacado pelo próprio Lira no discurso de retomada das atividades legislativos. Após assegurar o controle de dois ministérios e da Caixa Econômica Federal, Lira aguarda mais concessões, sendo a maior delas um gesto enfático por parte de Lula em favor do candidato a ser indicado por ele próprio para sucedê-lo no comando da Câmara em 2025.
“O presidente Lula disse que estará junto desse projeto para que eu tenha o direito de fazer o meu sucessor, e o PT não pensará diferente, porque não tem motivos”, disse Lira em 23 de fevereiro, indicando avanço no principal dos acordos com o Planalto. Lula, por sua vez, tem dito que não interferirá no processo sucessório dos comandantes do Congresso.
Apesar disso, tudo depende da evolução da economia e do cenário político. Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil, é o preferido de Lira. Correm por fora o líder do PSD, Antonio Brito (BA), e o deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, que podem ser envolvidos em negociações com o PT.
A melhora do clima entre Lula e Lira adveio de encontro no Palácio do Alvorada, um "happy hour" em 22 de fevereiro, entre o presidente da Câmara, os ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Secom) e diversos líderes partidários. Com as persistentes críticas de Lira à articulação do Planalto com o Congresso, sobretudo a Padilha, Lula sinalizou que assumirá a negociação de algumas pautas.
Acerto entre Lula e Lira é guiado pela campanha eleitoral de 2024
Daniel Contreira, da Consultoria BMJ, destacou que o acordo estabelecido após o "happy hour" contribuiu para diminuir atritos entre Legislativo e Executivo. No entanto, ele apontou que questões orçamentárias, como as emendas de comissões, ainda podem complicar a articulação do governo em torno de pautas prioritárias.
Ele comparou a dinâmica entre os poderes a uma valsa, onde ambos se movem para lá e para cá, se distanciando e, depois, se aproximando. “Nenhum dos lados avança muito sem o outro, e apesar de discordâncias, o consenso frágil será alcançado”, apostou.
O governo tem como meta a aprovação no Congresso este ano de projetos importantes na área da economia, como medidas destinadas a aumentar a arrecadação e a regulamentação da Reforma Tributária. Lira tem, tal qual no ano passado, papel central para garantir esse objetivo.
Não por acaso, o presidente da Câmara fez questão de comemorar o resultado positivo do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil de 2023, atribuindo a expansão de 2,9% ao agronegócio e às reformas aprovadas pela Câmara. “Essas medidas criaram ambiente positivo” para o crescimento, disse ele no sábado (2).
Segundo João Henrique Hummel, cientista político da Action Consultoria, a retomada dos trabalhos legislativos após o Carnaval foi marcada por intensa movimentação nos bastidores, mas trouxe resultados escassos e até certo marasmo.
Para ele, prevalece a disputa gerada pelo “triângulo amoroso" entre Câmara, Senado e Executivo, que, em sua visão, “está longe de chegar ao fim”. Ele destaca que o cenário atual faz parte de um processo educativo no qual o Congresso está se adaptando ao seu novo nível de poder.
Hummel ressalta que o real poder de confrontar o Executivo está nas mãos do presidente do Senado, a quem caberia devolver a medida provisória da reoneração dos setores e convocar o Congresso para derrubar os vetos. Ele expressa dúvidas sobre a eficácia de outras iniciativas para pressionar a reação do Legislativo e questiona se o governo cumprirá promessas em relação ao pagamento de emendas com data marcada.
Além disso, Hummel destaca a falta de definição dos comandos de comissões importantes da Câmara, como a de Constituição e Justiça (CCJ) e de Fiscalização e Controle (CFC), que podem ficar sob controle da oposição, assim como a escolha do relator do Orçamento de 2025. Ele sublinha que as eleições municipais são o pano de fundo desse cenário.
Direita precisa contornar poder desmedido de Lira e Pacheco
O consultor político Paulo Kramer argumenta, por sua vez, que a direita representada pela bancada do PL pode dificultar o avanço da parceria Lula-Lira, sobretudo se continuar ganhando apoio nas ruas, como evidenciado pelo ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 25 de fevereiro, na Avenida Paulista.
Segundo ele, o maior desafio estratégico desse campo é consolidar forças para liderar o Congresso, levando-o à descentralização dos "superpoderes" dos presidentes do Senado (impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal) e da Câmara (impeachment do presidente da República).
Em relação a Lula, Kramer aponta que ele ainda opera com o paradigma ultrapassado do “presidencialismo de coalizão”, que começou a declinar desde o rompimento entre o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Ele destaca que, desde então, o Congresso tem avançado na gestão do Orçamento, tornando-se objetivo essencial de muitos parlamentares.
“A ausência do controle do Planalto sobre boa parte desses recursos fragiliza a relação com o Legislativo, tornando-a mais incerta e sujeita às flutuações conjunturais, incluindo as opiniões públicas”, sublinhou.
Ele ressalta ainda que a insatisfação popular com o governo está aumentando, embora esteja longe de provocar ruptura entre Congresso e Planalto. “Lira estará atento a essa possibilidade, por mais remota que seja porque amanhã é sempre outro dia”, concluiu.
Arthur Lira indicou à revista CartaCapital no sábado (2) que considera "ínfimas" as chances de dar prosseguimento ao pedido de impeachment de Lula relacionado a declarações sobre a ofensiva militar de Israel contra o Hamas.
Ele esclareceu que tal decisão depende de fatores concretos, como perda total de apoio do chefe do Executivo nas ruas e no Congresso, além de crise na economia. Na perspectiva de Lira, avançar com o pedido “desestabilizaria o processo político e não levaria o país a lugar nenhum”.
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