Um parecer técnico do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), anexado na prestação de contas da executiva nacional do PSL, aponta suspeitas de que a campanha do presidente Jair Bolsonaro (hoje sem partido) tenha firmado contratos em período pré-eleitoral para maquiar os gastos da eleição de 2018. A defesa da campanha Bolsonaro nega irregularidades nas contas eleitorais.
Em análise preliminar das contas anuais do PSL, a qual a Gazeta do Povo teve acesso, os técnicos da Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (ASEPA) identificaram a ocorrência de pelo menos dois contratos que foram assinados antes das convenções partidárias, mas com os serviços executados durante a eleição e pagos com dinheiro do Fundo Partidário (relacionado à manutenção das siglas). Os pagamentos desses contratos somam R$ 174 mil.
A suposta manobra contábil infringe o artigo 38 da Resolução n.º 23.553 do TSE, segundo o qual “os gastos de campanha por partido político ou candidato somente poderão ser efetivados a partir da data da realização da respectiva convenção partidária”.
Se de fato tenha ocorrido ocultação de gastos de campanha, isso também pode configurar crime, de acordo com o artigo 350 do Código Eleitoral. Esse dispositivo prevê reclusão de até cinco anos para quem “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”.
No documento do TSE, os técnicos da Justiça Eleitoral pedem manifestações do partido “quanto ao fato de que alguns dos serviços prestados relacionam-se diretamente ao Pleito de 2018, ainda que celebrado em data antecedente – vínculo de cunho eleitoral”.
São citadas as contratações das empresas Ideia Digital Ltda e Mosqueteiros Filmes. Os serviços listados pelos analistas da Corte não foram listados na prestação de contas eleitorais, nem como doação de serviços do partido para o então candidato Jair Bolsonaro.
Campanha nega irregularidade, mas diz que PSL prestou contas de forma incompleta
A advogada Karina Kufa, que foi responsável pela assessoria jurídica da campanha do então candidato do PSL em 2018, afirmou em nota oficial que “o parecer não aponta qualquer indício de irregularidade nos gastos da campanha de Jair Messias Bolsonaro”. Porém, a nota admite que a manifestação do Tribunal informa “que o Diretório Nacional do PSL apresentou a prestação de contas referente ao exercício financeiro de forma incompleta”.
O PSL informou que não iria se manifestar sobre o caso, alegando que "a prestação de contas é responsabilidade do candidato". A empresa Mosqueteiros Filmes afirmou, por e-mail, que “houve o pagamento de uma nota fiscal em outubro de 2018 no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) referente a produção do jingle. Não houve orientação e nem aditivo contratual. O jingle apresentado na convenção foi utilizado na campanha e só foi pago em outubro de 2018”. A manifestação da Mosqueiros à Gazeta do Povo reforça a suspeita dos técnicos do TSE.
O presidente da República foi procurado durante dois dias, mas não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Quanto foi pago a cada empresa pela campanha de Bolsonaro
Na lista de pagamentos que são alvo de questionamentos dos técnicos do TSE, estão três em favor da Mosqueteiros Filmes e dois em favor da Ideia Digital Ltda.
A primeira recebeu pagamentos da ordem de R$ 40 mil, R$ 95 mil e R$ 15 mil nos dias 19 de julho; 30 de agosto e 5 de outubro, respectivamente.
No caso da Ideia Digital, o parecer prévio aponta dois pagamentos de R$ 12 mil – um no dia 6 de setembro e outro em 8 de outubro de 2018.
Na prestação de contas eleitorais da campanha Bolsonaro, há o registro apenas de um pagamento para a Mosqueteiros Filmes, no valor R$ 135 mil, realizado dia 11 de outubro daquele ano.
Deve-se ressaltar que as convenções partidárias em 2018 ocorreram entre 20 de julho e 5 de agosto. Segundo o TSE, custos de atividades dos atos de lançamento de candidatos organizados pelo partido podem ser bancados com recursos do Fundo Partidário, mas as despesas não podem ser confundidas com os dispêndios de caráter meramente eleitoral. Ou seja, o partido poderia até firmar contratos eleitorais antes do pleito, mas eles deveriam ser declarados como doações do partido para o candidato.
Parecer do TSE é primeira etapa da análise das contas
A manifestação dos técnicos do TSE é o primeiro momento da análise de contas partidárias do PSL referente ao ano de 2018. Como se trata de uma averiguação prévia, os analistas da Corte Eleitoral querem obter maiores informações do próprio partido antes de emitir um juízo de valor sobre o tema. Bolsonaro ficou no PSL de março de 2018 e novembro do ano passado. Ele deixou a sigla por desentendimentos com a cúpula do partido.
Em sua primeira tentativa de explicar os indícios de irregularidade, o PSL deu respostas contraditórias. Em uma lista de despesas, o partido admitiu que as duas empresas foram contratadas de fato para a pré-campanha daquele ano e que as despesas se referiam especificamente a esse período de convenções partidárias. Porém, o contrato da Mosqueteiros Filmes apresentado ao TSE detém data de assinatura de 22 de agosto de 2018, após o período de realização das convenções partidárias.
Além disso, a íntegra do contrato apresentada ao TSE descreve como objeto a contratação de “cinegrafista para fazer acompanhamento, direção de fotografia e Stúdio da Campanha Majoritária do PSL, do candidato Jair Bolsonaro”.
Outra contradição diz respeito a uma nota fiscal apresentada pela Mosqueteiro Filmes e que está na prestação de contas do partido e não da eleição presidencial. A nota tem valor de R$ 15 mil e discrimina como serviços: “a produtora musical e artística supervisionará e coordenará, sob orientação do PSL, a produção executiva e artística do fonograma musical provisoriamente intitulado ‘Muda Brasil’, que integrará a campanha eleitoral à Presidência da República do pré-candidato Jair Messias Bolsonaro”.
Já os relatórios de atividades apresentados pela Ideia Digital descrevem serviços como a criação de um site para a campanha presidencial de 2018 chamado www.jairbolsonaro17.com.br, utilizado durante a campanha, e elaboração de conteúdos eleitorais. “Com a definição da identidade visual e o início da campanha, fizemos compartilhamento de conteúdo, ações com edições de vídeos e imagens para impulsionar a arrecadação para o partido e para o candidato Jair Bolsonaro”, descreve o relatório de serviços da Ideia.
O documento, datado de setembro de 2018, é claro quando detalha: “Com o início da campanha as atividades estão concentradas nas redes sociais, compartilhamento de conteúdo, geração de vídeos e flyers. Tudo voltado para a campanha presidencial, fortalecendo as redes do PSL”. Esse contrato específico também não foi listado na prestação de contas do presidente Jair Bolsonaro.
A Ideia Digital tinha como proprietário Érico Filipe de Mello e Costa, ex-assessor da família Bolsonaro na Câmara dos Deputados e que trabalhou com o hoje presidente por 14 anos. A empresa foi aberta às vésperas da eleição de 2018. Hoje, Érico é funcionário do PSL e no ano passado recebeu R$ 151 mil do partido.
A responsável pela área jurídica da campanha de Bolsonaro em 2018, a advogada Karina Kufa, explicou ao Tribunal Superior Eleitoral que a incongruência nas informações sobre os contratos da Mosqueteiros Filmes é fruto da mudança no escopo do contrato entre os dois momentos (pré e pós-campanha) e que houve o pedido de retirada da menção ao candidato Jair Bolsonaro nas peças publicitárias elaboradas pela empresa.
Na época, o responsável pelos contratos da campanha era o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno. A Gazeta do Povo conversou com dois assessores que estavam diretamente ligados à campanha e ambos atribuíram à Bebianno a responsabilidade pelas finanças e contratos firmados naquele ano.
Em relação à Ideia Digital, o partido, até o momento, não esclareceu as dúvidas dos técnicos da Corte resumindo-se apenas a afirmar que os acordos foram firmados para a pré-campanha de 2018. "Realizadas as alterações, e verificadas o enquadramento da empresa nos procedimentos preventivos necessários elencados no início do presente, poderá haver a contratação da empresa Mosqueteiros Filmes para a prestação de serviços de produção e edição de filmes e vídeos", destacou o escritório de advocacia na manifestação ao TSE.
Reportagem do site Vortex de outubro do ano passado lançou suspeita sobre o suposto caixa oculto da campanha do presidente Bolsonaro. Conforme levantamento da publicação, ao menos R$ 915,4 mil do dinheiro da legenda foram repassados a cinco empresas que relataram ter trabalhado para a campanha dele. Os gastos foram contabilizados como ordinários do partido e não como custeios eleitorais.
O parecer do TSE é o primeiro indicativo oficial de que a Corte Eleitoral está investigando a inconsistência nas contas do TSE e como a campanha presidencial pode ter sido beneficiada por ela.
Íntegra do parecer que envolve a eleição de Bolsonaro
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