O resultado das eleições de 2018 criou a expectativa de que pautas conservadoras avançariam com mais rapidez no Congresso. Até agora, não houve grandes transformações na chamada “agenda de costumes” do ponto de vista legislativo, mas algumas sementes plantadas devem gerar frutos nos próximos três anos.
Duas frentes parlamentares importantes já estão formadas: a Frente Parlamentar Mista contra o Aborto e em Defesa da Vida, presidida pela deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ), e a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, do deputado Diego Garcia (Podemos-PR). Tonietto e Garcia foram dois dos conservadores mais atuantes no Congresso em 2019.
Vários dos mais de 200 parlamentares que compõem as duas frentes mencionadas propuseram projetos de lei contra o aborto e a ideologia de gênero e em apoio ao fortalecimento da família ao longo do ano. Nenhum dos projetos foi levado a votação.
Entre as propostas, figuram algumas que aumentam a restrição e a punição para o aborto e buscam proteção legal para a criança a partir do momento da concepção. Há também um projeto de lei de autoria dos deputados Carla Zambelli (PSL-SP), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF) que pretende tornar crime hediondo o homicídio motivado por ideologia de gênero.
Algumas ideias de parlamentares geraram certa polêmica no debate público, mas são mais folclóricas do que realistas, e tendem a ser esquecidas nos próximos anos. É o caso de uma proposta do deputado Pastor Eurico (Patriota-PE), que quer proibir o funcionamento de boates e casas noturnas em cidades.
Veja os parlamentares que mais se destacaram na defesa de pautas conservadoras no Congresso em 2019.
Chris Tonietto
A deputada federal Chris Tonietto, advogada de 28 anos, preside a Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida, lançada em novembro. A frente se propõe a ser uma espécie de cão de guarda contra eventuais investidas de grupos pró-aborto no Congresso.
“Nós, parlamentares eleitos por um povo que é majoritariamente contra o assassinato de bebês no ventre, unimo-nos com o objetivo de lutar contra a cultura da morte, de modo que protejamos integralmente a vida desde a sua concepção até o seu fim natural”, diz a nota de lançamento da frente, que já teve a adesão de 194 deputados e 12 senadores.
Católica, a deputada também apresentou em julho um projeto de lei que visa a aumentar a pena para crimes contra o sentimento religioso. Propôs ainda que a educação domiciliar (homeschooling) deixe de ser considerada crime de abandono intelectual.
Em agosto, Tonietto exaltou a ideia do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de rechaçar no plano internacional a ideologia de gênero. "O Brasil não é quintal de fundações, essas fundações internacionais que têm se prestado a batalhar pela inserção da ideologia de gênero nos currículos”, disse.
Ela afirma que o atual governo torna a democracia mais autêntica, já que os mandatários se alinham com os anseios da população. “O povo nas ruas não tolera a ideologia de gênero, não aceita o aborto. Isso é uma questão estatística.”
Em maio, Tonietto propôs em parceria com o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) um projeto de lei para proibir o aborto em caso de estupro. O projeto questiona: “É justo que se faça com a criança o que nem sequer o agressor ousou fazer com a mãe: matá-la?”
Diego Garcia
Uma das principais bandeiras do atual governo no campo dos costumes é o fortalecimento dos vínculos familiares como caminho para transformar a sociedade. A Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, presidida pelo deputado federal Diego Garcia, é o grupo que tenta promover essa ideia no Congresso.
As intenções da frente, segundo sua carta de lançamento, são, entre outras, “acompanhar e fiscalizar os programas e as políticas públicas governamentais destinados a proteção e garantia dos direitos à vida, da família, da criança e do adolescente” e "promover debates, simpósios, seminários e eventos pertinentes" sobre o tema.
Garcia propôs em 2019 uma série de projetos que protegem os vínculos familiares, como a Política de Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento Materno – que pretende “assegurar o direito da mãe e da criança ao aleitamento materno” e “promover a conscientização da sociedade” sobre o tema – e um projeto que regulamenta a licença-paternidade e fortalece a proteção às famílias em caso de nascimento ou adoção de criança com deficiência.
Também propôs em junho deste ano um projeto de lei para agravar a pena pela venda de remédios abortivos e aumentar a multa para quem faz propaganda de medicamentos proibidos que provoquem aborto.
Cumprindo seu segundo mandato como deputado federal, o integrante da Renovação Carismática Católica também tem um histórico de defesa contra a ideologia de gênero no Congresso. Recentemente, comemorou a derrota de um projeto de lei do deputado Ivan Valente (PSOL-SP) que, na opinião de alguns membros da bancada conservadora, promovia a ideologia de gênero.
“Grande vitória na Comissão de Educação hoje: por 17 votos a 3, barramos um projeto de lei, de autoria de parlamentares do PT e do PSOL, que queria fortalecer a ideologia de gênero! Estamos atentos! Não passarão!”, disse via Twitter.
Filipe Barros
Assim como Chris Tonietto, o deputado federal Filipe Barros é advogado e tem 28 anos. Além de ter lançado com a colega carioca o projeto de lei que quer proibir o aborto em caso de estupro, o paranaense é vice-presidente da Frente Parlamentar de Defesa da Vida, presidida por ela.
Em outubro, propôs um projeto de lei para “criminalizar a promoção, incentivo, estímulo ou permissão de apresentações e danças com conteúdo erótico ou sensual para crianças e adolescentes nas escolas de educação básica”.
Em seu primeiro ano de mandato, um de seus focos tem sido o tema da liberdade de expressão. Em recente entrevista à Gazeta do Povo, disse que tem estudado muito a “questão da Lei de Proteção de Dados”, "das mídias sociais como um todo, de que forma as mídias sociais interferem no processo político, na liberdade de expressão, na liberdade de imprensa, na questão que gera uma controvérsia enorme, do anonimato das redes".
No começo de dezembro, defendeu as declarações do ministro da Educação, Abraham Weintraub, sobre a existência de plantações de maconha e tráfico de drogas em universidades. Na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, atacou membros da União Nacional dos Estudantes (UNE) que estavam presentes e os desafiou a fazerem exame toxicológico.
“Fiz Parte da UNE em 2012. Digo e afirmo: são maconheiros, sim! Vendiam drogas dentro da Universidade Estadual de Londrina. Deixo aqui um desafio: esses que estão aqui, vamos sair daqui e fazer um exame toxicológico agora. Não passa ninguém no toxicológico. Maconheiros!”, disse.
Nos últimos dias, está engajado na criação do Aliança pelo Brasil, novo partido dos bolsonaristas. À Gazeta do Povo, disse que pretende assumir a presidência do novo partido no Paraná.
Como vereador de Londrina, Barros criou uma lei que proibiu o ensino da ideologia de gênero em escolas públicas do município. A lei foi suspensa recentemente pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, no dia 13/12 deste ano. “Um ministro sozinho suspender uma lei votada e aprovada é uma aberração”, criticou Barros via Twitter.
Eduardo Girão
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) é espírita, mas coincide com parlamentares católicos e evangélicos em diversas pautas de viés conservador, e faz parte da Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida criada pela deputada Chris Tonietto.
Um de seus projetos no Senado propõe aumentar a pena para o aborto que tenha consentimento da gestante e qualificar o crime se o pai do bebê tiver participado como um terceiro provocador do aborto. “Não somente entendemos que a conduta deve ser criminalizada, como acreditamos que o tipo penal do crime de aborto cometido por terceiro, ainda que com consentimento da gestante, deve ser punido mais severamente”, afirma na justificativa.
Ele também propôs o Estatuto da Gestante e da Criança por Nascer, que pretende conferir proteção jurídica à criança e reconhecer a sua dignidade desde o momento de sua concepção. Entre outras coisas, o estatuto prevê que a criança não pode ser discriminada por “delitos cometidos por seus genitores”, em referência à concepção decorrente de estupro.
O estatuto diz que, “na hipótese de a gestante vítima de estupro não dispor de meios econômicos” para criar o filho, o estado poderá arcar com os custos ou facilitar a adoção da criança.
Outro projeto de Girão propõe obrigar que empresas de comunicação divulguem informações educativas sobre os riscos do aborto e da gravidez precoce.
Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis
Embora, em 2019, tenham estado mais envolvidos em disputas de poder dentro do Congresso do que em efetivamente discutir pautas conservadoras, os deputados Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis são grandes porta-vozes do bolsonarismo no parlamento – e, por conseguinte, da pauta de costumes do presidente Jair Bolsonaro.
Com o racha no PSL, os três foram protagonistas de fortes embates políticos com ex-aliados. Ainda assim, participam de algumas frentes parlamentares com viés conservador e, juntos, propuseram a Lei Rhuan Maycon, que torna crime hediondo o homicídio por “menosprezo ou discriminação ao sexo biológico”, em referência aos preceitos da ideologia de gênero.
Em sua justificativa, o projeto diz que “há crescente escalada da violência contra crianças no Brasil”, e que o menino Rhuan Maycon, assassinado pela própria mãe e por sua companheira lésbica em maio deste ano, foi “barbaramente seviciado, torturado, emasculado, a fim de fazê-lo transgênero”.
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