O presidente Lula durante reunião com o ditador cubano, Miguel Díaz-Canel, no ano passado. Cuba é um dos países que deseja ingressar aos Brics| Foto: Ricardo Stuckert/PR.
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O bloco diplomático dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã) determinou que a rejeição ao apoio às sanções do Ocidente deve ser um dos requisitos adotados pelos novos países que ingressarem no grupo. Entre as nações interessadas estão Afeganistão, Paquistão, Venezuela, Cuba e Nicarágua. Para parlamentares brasileiros consultados pela Gazeta do Povo, tal exigência reflete um direcionamento político indevido do Brasil ao participar da elaboração desses termos do Brics.

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"Nitidamente, ao adotar um pré-requisito como esse, o Brics passa a ser um instrumento de confronto geopolítico. [O Brics] está partindo para um caráter realmente político e adotando essa concepção de ser o antagonismo com o mundo ocidental, dentro daquela denominação do Sul Global", avalia o senador e ex-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

Em 2023, o Brics informou ter recebido solicitações formais de 22 países para ingressar na organização. Apenas Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã foram aceitos – além da Argentina, que declinou o convite. No entanto, os critérios utilizados para escolher os novos membros não foram totalmente esclarecidos, gerando dúvidas sobre como o bloco determina quem pode entrar.

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"O que está em jogo aqui não é a pessoa ou o governo, é o país, a importância do país. Eu não quero saber que pensamento ideológico tem o governante. Quero saber se o país está dentro dos critérios que estabelecemos para fazer parte do Brics", disse Lula após o anúncio de expansão dos Brics, sem detalhar quais seriam esses critérios.

Para este ano, a imprensa russa, país que atualmente preside os Brics, informou que 34 países pediram para ingressar no bloco, seja como membro pleno ou em alguma outra forma de cooperação. A análise da lista deve ser feita na próxima semana, quando o bloco se reúne para a Cúpula de Líderes, em Kazan, na Rússia, entre os dias 22 e 24 de outubro.

Com Afeganistão e Venezuela na lista, ser contra sanções é requisito para ingressar os Brics

Ao ser questionado pela imprensa sobre os requisitos que seriam adotados para avaliar os novos pedidos, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro afirmou os termos ainda estão sendo definidos e que a discussão sobre critérios está em "estado avançado de negociação". Por outro lado, o embaixador Eduardo Paes Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, afirmou que já há algumas diretrizes adotadas pela grupo para tal análise.

"Aos países que incorporaram aos Brics, eles aceitaram e subscreveram às diretrizes e princípios [do grupo] que envolvem: relações amigáveis [entre todos os países membros do bloco], não aplicar sanções unilaterais não amparadas pelo Conselho de Segurança e, entre outras coisas, apoiar uma reforma abrangente da ONU, incluindo seu Conselho de Segurança", informou.

Os países que recebem mais sanções são a Rússia, por ter invadido a Ucrânia sem qualquer provocação, e o Irã, que estaria trabalhando em um programa nuclear de fins militares e fomentando ações terroristas de grupos como Hamas, Hezbollah e Houthi. Elas são promovidas pelos Estados Unidos, pelo G7, o grupo das sete democracias mais desenvolvidas do planeta.

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Outros países que enfrentam sanções ocidentais, como Venezuela e Cuba, se beneficiariam diretamente ao ingressar no bloco, já que o Brics defende um ambiente de cooperação econômica menos afetado por interferências externas. Essa expansão, contudo, tem gerado controvérsias. Parlamentares brasileiros, como o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), criticam a possível entrada de países com regimes autoritários.

"Mas quais são os critérios? Nós não sabemos. O que não dá é para aceitar países como a Venezuela, que não têm nada para agregar aos Brics e nem para fortalecer os laços econômicos com os países do grupo", disse o parlamentar.

”Como que nós vamos nos associar com regimes dessa natureza? Qual é a produção do Afeganistão, por exemplo? O Afeganistão dá para se dizer que é uma região ainda pouco explorada, tem a questão das terras raras, mas não dá para ignorar a situação interna do país”, questionou Mourão à Gazeta do Povo.

Brics se posiciona como bloco anti-Ocidente

Esse enfoque nas sanções, de acordo com os parlamentares ouvidos pela reportagem, representa uma tentativa do Brics de se consolidar como uma plataforma alternativa ao Ocidente, oferecendo aos países interessados a oportunidade de fazer parte de uma aliança que rejeita as pressões econômicas e políticas exercidas por nações como os Estados Unidos e a União Europeia.

Desde sua expansão, o grupo ganhou um caráter político promovido por países como China e Rússia, que enfrentam embates com o Ocidente. Desde que ordenou a invasão à Ucrânia, a Rússia se tornou o país mais sancionado do mundo e buscou fortalecer seu relacionamento com outros "inimigos" do Ocidente. Nesse sentido, Vladimir Putin tem se escorado nos Brics para aliviar seu isolamento causado pelo Ocidente.

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A Rússia enfrenta sanções unilaterais dos Estados Unidos e membros da União Europeia desde 2014, quando Moscou invadiu a Crimeia. Desde então, uma série de embargos foram impostas ao país. As rodas de sanções, contudo, chegaram ao auge depois de 2022, quando Vladimir Putin ordenou a invasão à Ucrânia.

Esses embargos, contudo, não foram aprovados no Conselho de Segurança. Isso porque a Rússia, assim como a China, possuem assentos permanentes na organização e têm poder de veto sobre as votações do Conselho. Sendo assim, Moscou tem poder de impedir que determinações que vão contra seu interesse. Para burlar o poder russo no órgão, os países membros do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), adotaram embargos no grupo contra o país de Vladimir Putin.

Já o Irã enfrentou embargos aprovados pelo Conselho de Segurança e hoje é sancionado também pelas democracias ocidentais diretamente. A teocracia iraniana é acusada de patrocinar os principais grupos terroristas do Oriente Médio, inclusive o Hamas e Hezbollah, que atualmente enfrentam uma guerra contra Israel.

O país enfrentou uma série de rodadas de embargos aprovados pela ONU desde 2006. Teerã estava sendo acusado de enriquecer urânio com a intenção de produzir uma bomba nuclear, e não quis se desfazer do programa nuclear. O país sempre negou as acusações, alegando que o programa tinha fins civis.

Analistas avaliam ainda que o Irã é um país que atua por uma agenda imperialista regional e disputa a liderança do mundo islâmico com a Arábia Saudita. O país também acusado de cometer uma série de crimes contra os direitos humanos, sobretudo no que diz respeito às mulheres.

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Apesar de sancionados e isolados pelo Ocidente, esses países tentam mostrar forças através dos Brics, em uma tentativa de minimizar esse isolamento. Para países como Venezuela, Cuba e Afeganistão, integrar o grupo seria uma resposta política contra o Ocidente, que também são alvos de embargos unilaterais e aprovados na ONU.

A diplomacia brasileira, tradicionalmente, se opõe a sanções. O entendimento é que embargos, sobretudo os comerciais, trazem prejuízos à população civil dos países sancionados. O presidente Lula, inclusive, já pediu pelo fim das sanções à Cuba e à Venezuela em diversas oportunidades.

"Cuba tem sido defensora de uma governança global mais justa. E até hoje é vítima de um embargo econômico ilegal. O Brasil é contra qualquer medida coercitiva de caráter unilateral. Rechaçamos a inclusão de Cuba na lista de Estados patrocinadores do terrorismo", afirmou durante discurso na Assembleia Geral da ONU em 2023.

Brics tem se transformado em bloco cada vez mais político

Apesar de ter nascido com um viés econômico devido à semelhança do potencial de crescimento econômico de seus membros originais no início dos anos 2000, o grupo tem ganhado ares políticos desde 2023. Essa mudança de postura foi motivada pela intensificação do embate entre Pequim e Washington; além do isolamento de Moscou promovido pelo Ocidente desde que Vladimir Putin invadiu e iniciou uma guerra contra a Ucrânia em fevereiro de 2022.

Rússia e China começaram a expandir o bloco em busca de aumentar sua influência internacional no atual contexto geopolítico. Moscou foi isolada pelo Ocidente desde a guerra. Como uma forma de tentar pressionar o ditador russo a colocar um fim no conflito, a Rússia foi suspensa dos principais blocos internacionais e foi sancionada pelas nações ocidentais.

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Pequim, por outro lado, enfrenta uma disputa com os Estados Unidos em busca de protagonismo econômico internacional. Enquanto os dois países impõem sanções e promovem embates entre si, a China busca aumentar sua influência entre os países do chamado Sul Global (países em desenvolvimento) para aumentar seu poder político e fazer frente à hegemonia ocidental.

Nesse sentido, a expansão do Brics e a utilização das sanções como critério de adesão ao bloco são reflexos de um cenário global mais fragmentado, no qual o grupo busca se posicionar como uma alternativa viável para nações autoritárias que confrontam a hegemonia ocidental.

“Esse momento de desenrolar dos Brics em meio ao atual cenário geopolítico é muito difícil e peculiar, que o Brasil precisa avaliar com muita parcimônia. O Brasil precisa ter uma posição crítica em relação às mudanças dos Brics. Nós não podemos ficar subordinados à visão dos Estados Unidos e nem à visão da China. Precisamos ter pragmatismo e flexibilidade: negociar com todo mundo, visando nossos interesses. As relações que buscamos precisam ser baseadas no benefício mútuo, seja com o mundo ocidental, ao qual pertencemos, não dá para esquecer que o Brasil é um país do Ocidente, mas também com as nações orientais”, avalia Hamilton Mourão.

Por outro lado, há parlamentares que ainda defendem a necessidade de manter o caráter econômico do bloco. O senador Irajá (PSD-TO), presidente do Grupo Parlamentar de Relacionamento com o Brics, avalia que a atual formação do grupo tem grande potencial econômico para o Brasil.

“Independentemente do sistema desses países, as relações comerciais independem de regime. Mas se a gente puder estreitar essas relações, acho que o Brasil pode ganhar muito com isso. Cada um tem sua legitimidade e sua soberania, não estamos aqui para questionar isso, é um bloco comercial, o ponto central é o comércio, não estamos aqui para julgar o modelo [de governo] desses países”, disse Irajá.

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Mecias de Jesus (Republicanos-RR) concorda que o foco do grupo deve ser comercial, mas pontua que é preciso existir critérios rígidos sobre a escolha dos países que podem integrar os Brics. “Hoje o Brics reúne a maior porcentagem do PIB mundial, há muito potencial econômico, mas é preciso entender que o ingresso de países como Cuba, Venezuela, Afeganistão, e por aí vai, não agrega a esse mercado e tira o caráter original do bloco”, avalia.

Porém, diferente de blocos consolidados como a União Europeia ou o próprio Mercosul, o Brics não obteve resultados concretos até agora como tratados de livre comércio ou ao menos reduções tarifárias significativas.