O recente atrito entre Valdemar Costa Neto e o ex-presidente Jair Bolsonaro causado por elogios de Costa Neto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra que o Partido Liberal ainda esbarra em divergências sobre a condução de sua política interna. Bolsonaro vem ganhando a queda de braço com Costa Neto ao barrar a filiação de candidados não alinhados ideologicamente com seu projeto de direita ou que não sejam totalmente fiéis a ele. Mas o presidente do PL vem aumentando a pressão para o partido adotar uma linha mais utilitarista, aceitando apoiadores não necessariamente compromissados com os valores do conservadorismo e que já apoiaram a esquerda ou partidos adversários no passado.
Costa Neto tenta, por exemplo, filiar mais seis senadores dentro da estratégia do partido de fortalecer a legenda no Senado contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tentar conter abusos do STF. Mas Bolsonaro tem barrado a iniciativa, argumentando que os objetivos do partido não podem ser obtidos a qualquer custo e os possíveis afiliados não foram fiéis a ele em anos anteriores.
Em troca das filiações, os seis senadores pedem que o ex-presidente dê seu apoio a eles na próxima eleição geral, em 2026.
Por outro lado, Bolsonaro prefere fortalecer a identidade ideológica do partido ao focar em filiações que defendam seu mandato e as pautas referentes ao conservadorismo. Ele está mais criterioso em fornecer seu apoio após as traições de candidatos que se elegeram com seu prestígio em 2018 e depois mudaram de lado, como Joyce Hasselmann, Alexandre Frota e Janaína Paschoal.
“Hoje temos seis senadores querendo entrar no partido e que o Bolsonaro não quer trazer porque não acompanharam a gente no passado. Eu digo para ele: esqueça isso, Bolsonaro. Mas ele defende que podemos ter candidatos nos estados desses senadores que querem entrar”, disse o presidente do PL. Apesar de não citar os seis nomes, ele afirmou que o senador Izalci Lucas (PSDB-MG) está em negociação avançada para entrar no PL.
Na avaliação do cientista político Elton Gomes, docente da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a discordância entre os dois líderes do PL é explicada pelas necessidades que ambos enxergam como prioritárias para a sigla.
“Temos uma figura de grande destaque que é o ex-presidente da República, carismático e de grande densidade política, e temos as necessidades pragmáticas da legenda. Não me parece que Bolsonaro seja um ator político ultra ideológico nesse sentido, de obstaculizar essas ações mais propriamente pragmáticas do Valdemar Costa Neto, mas me parece que ele quer o comando completo sobre a legenda”, disse o cientista político.
Aliados de Bolsonaro também discordaram de candidaturas apoiadas por Costa Neto
O embate entre indicações de Costa Neto e preferências dos aliados de Bolsonaro não é novo. Em outubro do ano passado, a indicação de candidatura do vereador Lucas Sanches (PL-SP) para a Prefeitura de Guarulhos, o segundo maior colégio eleitoral de São Paulo, também gerou desavenças internas. Em 2022, Sanches declarou neutralidade em para a eleição presidencial.
“Eu acredito que tem muita gente brigando por questões ideológicas. Abracei uma vertente diferente. Quis traçar um caminho de identidade própria, independente de apoio a um ou outro. Não colamos nossa imagem no Bolsonaro ou no Lula”, afirmou Sanches em entrevista ao programa Radar de Guarulhos”.
“Tem um gênio de Guarulhos que xingava e desprezava o presidente e agora quer o apoio dele para a eleição”, escreveu o ex-secretário de Comunicação do governo de Jair Bolsonaro, Fabio Wajngarten no “X” (Twitter) em outubro. E acrescentou: “Ninguém faz a mínima lição de casa? Ninguém pesquisa nada? Não rola. Vou manobrar contra”. Apesar do descontentamento, Sanches segue sendo o candidato da legenda para Guarulhos.
Votações da Reforma Tributária geraram desgaste no PL
A divergência entre Bolsonaro e Costa Neto também encontra eco no desempenho do PL no Congresso em 2023. Tanto na Câmara quanto no Senado o partido não conseguiu barrar, por exemplo, a Reforma Tributária apoiada pelo Palácio do Planalto. Parte disso ocorreu porque o próprio PL cedeu 20 votos para a aprovação do projeto durante a tramitação na Câmara.
Na primeira etapa da votação, os deputados deram 382 votos favoráveis e 118 contrários ao texto e 16 deputados do PL votaram com o governo mesmo depois de Bolsonaro se mobilizar para derrubar o projeto. Já no 2º turno, o projeto foi aprovado por 375 a 113, com 15 votos favoráveis do PL. Na época, Costa Neto decidiu por não punir os deputados infiéis. O movimento gerou consternação entre os parlamentares mais próximos de Bolsonaro.
Quando a proposta foi para o Senado, o partido também contribuiu para a aprovação. O senador Eduardo Gomes (PL-TO) foi o único da bancada que votou a favor do texto. Ele já foi líder do governo no Congresso durante a gestão de Bolsonaro na Presidência. No entanto, a legenda não aplicou nenhuma punição ao parlamentar.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo semanas após a aprovação da proposta na Câmara, Costa Neto afirmou que Bolsonaro errou “na comunicação” e que não havia “se explicado bem” sobre a sua oposição ao texto. O dirigente disse que todos os deputados da sigla eram favoráveis a uma reforma tributária, mas não da forma como o texto foi redigido na Casa.
Ao tratar da questão das punições, o cientista político Antônio Henrique Lucena, professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), lembrou que a necessidade política para as próximas eleições acaba falando mais alto do que a fidelidade ideológica.
“Política também é feita por meio da construção de alianças, formação de consenso e coisas dessa ordem. E Bolsonaro tem dificuldade de agir exatamente nesse meio. Já o Valdemar Costa Neto, que é experiente, conhece muito bem o Congresso Nacional e sabe muito bem como é o processo. O Valdemar tem uma visão pragmática, sempre pensando em estabelecer determinadas alianças para a construção de algo”, disse Lucena.
Insubordinação de membros do PL também balançou o partido
A disputa entre a postura utilitária e a fidelidade ideológica já rendeu sérias polêmicas ao partido comentando por Costa Neto. Em novembro do ano passado, a deputada estadual Marta Gonçalves (PL-CE) assinou um projeto de lei homenageando o então ministro da Justiça, Flávio Dino, futuro membro do Supremo Tribunal Federal. A situação gerou constrangimento na sigla, visto que Marta é esposa do presidente estadual do PL, Acilon Gonçalves.
O projeto de lei protocolado na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) concede o título de cidadão cearense a Flávio Dino. No texto da proposta, elogios foram feitos ao então ministro do governo petista. “Flávio Dino carrega consigo uma notável carreira política e jurídica no panorama brasileiro", dizia um trecho do documento.
Outro caso que abalou a legenda, também no Ceará, foi o apoio do deputado federal Yury do Paredão (MDB-CE) ao governo Lula. Em uma foto publicada em redes sociais, o parlamentar, que na época era do PL, posou fazendo o “L”, marca de Lula, ao lado de ministros da gestão petista. Nesse caso, o deputado foi expulso da legenda por Costa Neto.
Nos bastidores, membros do PL avaliam que a sigla deve ser mais criteriosa em selecionar candidatos que vinculem suas imagens à de Bolsonaro. Mais do que a questão ideológica, a fidelidade com o ex-presidente também precisa ser analisada no lançamento de candidaturas.
No entanto, outros membros do partido entendem que concessões, desde que não se assemelhem com os casos relatados acima, precisam ser feitas para que o partido tenha bom desempenho em regiões menos afeitas ao ex-mandatário. Ou seja, o partido deveria aceitar nomes menos aguerridos, mas com influência eleitoral, para avançar no próximo pleito.
Costa Neto disse que declaração sobre Lula foi colocada fora de contexto
Antes mesmo da filiação de Bolsonaro ao PL, o então presidente da República já 'batia cabeça" com Costa Neto sobre o comando da sigla. Procurando um partido para tentar a reeleição em 2022, após sair do PSL (atual União Brasil), Bolsonaro se reuniu com o dirigente e exigiu que os diretórios do Rio e de São Paulo fossem comandados pelos seus filhos: o senador Flávio Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro, respectivamente. No entanto, o pedido do ex-presidente não foi atendido.
O atrito recente começou com a divulgação de trechos de uma entrevista dada por Costa Neto a um podcast do jornal O Diário, de Mogi das Cruzes, em dezembro. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo já em janeiro, ao comentar sobre os elogios a Lula recentemente, Valdemar Costa Neto alegou que suas falas foram "tiradas de contexto". No vídeo publicado no mês passado ele afirmou que Luiz Inácio Lula da Silva é diferente de Bolsonaro porque "tem muito prestígio".
"O que eu falei do Lula, eu falei porque é verdade. Se eu não falar a verdade, perco a credibilidade, que é o que me resta na política. Ninguém pode negar que ele foi bom presidente. Ele elegeu a Dilma [Rousseff]. Só que eu estava fazendo comparação: o Lula tem prestígio; Bolsonaro tem uma coisa que ninguém tem no planeta: carisma", afirmou.
Na mesma entrevista à Folha de S.Paulo, Costa Neto elogiou Lula pela escolha do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski para o cargo de ministro da Justiça. "Lewandowski tinha tudo para ir pro Ministério da Justiça. Ele é preparado, homem de bem, homem que sempre teve comportamento firme. [Lula] Acertou, como não? Como no caso do [Cristiano] Zanin, não foi boa indicação?", disse.
Após o vídeo voltar a circular, Bolsonaro expressou preocupação com a possibilidade de “implosão do partido”. Sem mencionar diretamente Costa Neto, Bolsonaro criticou declarações que considerou absurdas, como “o Lula é extremamente popular”.
"Tudo na vida puxa um pouquinho para vida familiar de cada um de nós. Problemas têm. Essa semana tive um problema sério, não vou falar com quem. Se continuar assim, vai implodir o partido. Pessoa do partido dando declaração absurda, como 'o Lula é extremamente popular'. Manda ele tomar um [cachaça] 51 ali na esquina ali. Não vem", disse Bolsonaro em uma gravação em que aparece dialogando com apoiadores no Rio de Janeiro.
Após a polêmica tomar corpo na imprensa, Bolsonaro disse ao portal Metrópoles, nesta terça-feira (16), que o "casamento" com Valdemar Costa Neto segue firme.
De acordo com o ex-mandatário, "Valdemar tem um coração grande" e por isso "elogia muita gente". "Ele não tem maldade. Em nenhum momento do vídeo que circulou [sobre a fala de "implosão do partido"] eu citei o nome do Valdemar. Como dirigente partidário, ele tem cumprido o que foi acordado comigo”, disse, sem entrar em detalhes sobre quem seria o alvo de sua crítica anterior.
Costa Neto cobrou "postura de líder" de Bolsonaro após a vitória de Lula
Declarações controversas do presidente do PL também ocorreram após Bolsonaro perder a eleição de 2022. Em entrevista para a CNN Brasil, um mês após o pleito, Costa Neto disse que o ex-chefe do Executivo precisava “reafirmar a postura de líder”, mesmo que de oposição. A declaração ocorreu após Bolsonaro não reconhecer a derrota no pleito.
Costa Neto também defendeu que o ex-presidente fizesse uma fala direcionada aos manifestantes que protestavam contra o resultado das eleições, alguns dos quais estavam ocupando as rodovias - o que não ocorreu. “O Bolsonaro precisa falar com o povo dele”, disse o presidente do PL à época.
Relação de Valdemar da Costa Neto com Lula é antiga
O Presidente da República e o presidente do PL possuem uma relação antiga e já estiveram juntos no primeiro governo Lula. Em 2002, o PL fez aliança com o PT ao indicar o senador José Alencar (1931-2011) para a Vice-Presidência.
Apesar de estar no governo, Valdemar criticou a gestão petista, em 2004, após ficar insatisfeito com a política econômica do governo. Na época, ele defendeu as demissões de Antonio Palocci Filho (ministro da Fazenda) e Henrique Meirelles (presidente do Banco Central). A retração do Produto Interno Bruno (PIB) em 0,2% registrada naquele ano criou forte pressão sob o governo, tanto de aliados quanto da oposição.
"Na minha opinião, ele [Lula] tem de trocar o ministro Palocci por alguém que tenha competência para o cargo. O Palocci tem competência para ser prefeito de Ribeirão Preto [SP], não para ser ministro da Fazenda", disse Valdemar.
O escândalo do Mensalão, por outro lado, deu novos contornos à relação. Sendo acusado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) de ser um dos integrantes do esquema, em 2005, Costa Neto, que na época era deputado-federal, disse que os R$ 6,5 milhões que recebeu das empresas do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza foram usados para pagar dívidas da campanha presidencial do petista.
Apesar da confissão, ele isentou Lula de qualquer responsabilidade pelo escândalo. "O Lula é um homem honesto. O caixa dois (…) aconteceu sem o conhecimento dele", afirmou Costa Neto. Pelo seu envolvimento com o Mensalão, ele foi condenado pelo STF, em 2012, a sete anos e dez meses de prisão e multa de R$ 1,1 milhão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Assim como diversos investigados do Mensalão, Costa Neto recebe um um indulto.
Mais do que alinhamento ideológico, Bolsonaro também cobra lealdade de aliados
A compatibilidade de valores e ideais é um fator importante para Bolsonaro. No entanto, a fidelidade a seu projeto político e ao legado do seu governo parecem despontar como prioridade para o ex-mandatário. Durante seu governo, o ex-chefe do Executivo acumulou diversos atritos com integrantes do governo que não foram fiéis a ele.
A saída do General Carlos Alberto Santos Cruz, em junho de 2019, pode ser considerado um exemplo. Na época, o militar entrou em atrito com os filhos de Bolsonaro especialmente devido a Santos Cruz ser contrário ao uso de dinheiro público para fazer propaganda do governo.
Outro caso que marcou a gestão de Bolsonaro foi a saída do então ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro - atual senador da República. Em abril de 2020, ele alegou que o então presidente tentou fazer "interferências políticas" na Polícia Federal ao cobrar a troca do chefe da Polícia Federal no Rio de Janeiro e ao exonerar o então diretor-geral da corporação, Mauricio Valeixo, indicado pelo próprio Moro.
Apesar de não ter sido demitido, a situação de Moro se tornou insustentável dentro do governo. Em relatório publicado em março de 2022, a PF concluiu que não há elementos de crime na conduta de Bolsonaro.
Errata: A primeira versão desta reportagem citou erroneamente um vídeo em que o vereador de Guarulhos Lucas Sanches (PL-SP), quando era membro do Movimento Brasil Livre (MBL), teria dito a frase “primeiramente, fora Bolsonaro”. A frase foi retirada de contexto.
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