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Apreensivos com os resultados das eleições de 2020, parlamentares de partidos médios e pequenos na Câmara buscam alternativas para um eventual retorno das coligações partidárias para 2022 – uma espécie de reforma da reforma política aprovada em 2017. A avaliação dos parlamentares é que o fim das coligações nas eleições proporcionais (ou seja, para cargos legislativos como vereador e deputado) concentrou, ainda mais, o poder de fogo dos partidos tradicionais como MDB, DEM e PT.
Deputados de legendas pequenas médias temem que pelo menos um terço das agremiações políticas possa ser extinta após 2022 por causa do fim das coligações e da chamada cláusula de barreira ou de desempenho, aprovadas justamente para limitar o número de partidos no país.
A cláusula funciona como uma espécie de funil, que usa como base de cálculo as eleições gerais, quando são escolhidos presidente, governadores, deputados federais e senadores. Na disputa de 2018, a exigência foi para que os partidos somassem ao menos 1,5% dos votos válidos em nove estados, com 1% dos votos em cada um deles. Em 2022, esse piso pulará para 2% chegando de forma progressiva até 3% na eleição de 2030.
As agremiações políticas que não atingirem o porcentual estabelecido perdem acesso ao dinheiro público dos fundos partidário e eleitoral, e ao tempo de divulgação gratuita em rádio e televisão, o que pode levar legendas menores à beira da inanição. A ameaça da cláusula e o fim das coligações fazem com que alguns partidos passem a discutir fusões.
A minirreforma de 2017 e o efeito Tiririca
Em 2017, o Congresso promoveu, por meio da proposta de emenda constitucional (PEC) 33, uma minirreforma eleitoral que acabou com as coligações nas eleições proporcionais (vereador, deputado estadual e deputado federal), mantendo-as apenas nas disputas majoritárias (prefeito, governador e presidente).
A intenção era acabar com o chamado “efeito Tiririca” – quando a votação expressiva de um candidato ajuda a eleger outros de uma mesma coligação (muitas vezes de um partido sem qualquer identificação ideológica com a legenda do "puxador" de votos).
O problema é que o fim da regra trouxe um efeito colateral na visão de vários parlamentares. Para eles, agora o receio é que nem mesmo os campeões de votos dentro dos partidos médios e pequenos consigam uma vaga na Câmara para 2022. Nas eleições de 2018, dos 513 deputados eleitos, apenas 27 atingiram o chamado quociente eleitoral – ou seja, o número mínimo de votos para não depender da votação da legenda ou coligação da qual eles faziam parte.
Na Câmara e Senado, deputados avaliam que, por causa do fim das coligações proporcionais, partidos como PCdoB, PTB, Pros, Solidariedade, PV e Cidadania possam literalmente fechar as portas ou se fundir com outras siglas em um futuro próximo por não conseguirem atingir a cláusula de barreira e por causa do fim das coligações. Atualmente existem 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A Gazeta do Povo apurou que, inclusive, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, já conversa com alguns desses partidos pensando em incorporá-los por causa das dificuldades que eles terão nas eleições de 2022 para a Câmara Federal e Câmaras Estaduais.
Dados das eleições 2020 mostram que o número de partidos com representação encolheu
Levantamento feito pelo portal G1 aponta que, nas disputas municipais de 2020, em 73% das Câmaras houve redução no número de partidos representados. Em 2016, metade dos municípios brasileiros (50%) elegeu vereadores de até seis partidos diferentes. Em 2020, foram apenas 18%.
Ainda conforme os dados do portal, em cidades com até 20 mil moradores, a média de partidos na Câmara local era de 5,9 em 2016. Esse número caiu para 4,1 agora.
Federação partidária e distritão voltam ao radar
Após a confirmação dos resultados do primeiro turno de 2020, deputados começaram a discutir em diversos grupos de WhatsApp das bancadas temáticas e dos partidos qual seria o melhor modelo a ser defendido a partir de agora.
Integrantes de siglas como o PL, Pros, PCdoB, Avante, Solidariedade, Patriota, PTB, Podemos, vão além e já admitem colocar essa discussão na pauta de reivindicações para os próximos candidatos à presidência da Câmara, durante a campanha que vai se desencadear em janeiro.
Entre os modelos alternativos às coligações, os parlamentares estão analisando a possibilidade da implantação da chamada federação partidária ou mesmo legitimar a eleição majoritária nas disputas proporcionais. Os dois modelos, entretanto, já foram rejeitados pelos próprios congressistas no passado.
No caso da federação partidária, ela exigiria a união de partidos não somente durante a campanha, mas também durante toda a legislatura. Ou seja, uma coligação montada na campanha eleitoral teria de ser mantida na atuação parlamentar durante a legislatura. Na prática, o grupo de partidos funcionaria como uma só legenda.
Além disso, as federações somente seriam permitidas para partidos de mesma orientação ideológica e programática. Dessa forma, por exemplo, o PCdoB poderia se coligar com o PT, mas não com o DEM ou o PSDB.
No caso das eleições majoritárias para deputados estaduais, federais, essa mudança permitira que os congressistas com maior número de votos fossem de fato eleitos, extinguindo-se o chamado quociente eleitoral – regra que faz com que os eleitos sejam, a grosso modo, os mais votados dos partidos mais votados (candidatos bem votados de legendas de poucos votos frequentemente não são eleitos).
A ideia da federação de partidos é apoiada por siglas como Pros, PTB e Patriota. Já a proposta da eleição majoritária para cargos legislativos, tem apoio de siglas como Republicanos.
Mas ambas as ideias já foram descartadas em outras ocasiões pelo Congresso. A proposta da federação partidária foi derrubada em 2017, sob a alegação de uma falta de concretude ideológica dos partidos. Já a eleição majoritária para deputados, que se assemelha ao chamado “Distritão”, foi refutada pela Câmara, em 2015. Na época, o então presidente da Casa, Eduardo Cunha (MDB-RJ), defendia esse modelo.
Além do histórico que joga contra a aprovação dessas ideias, há a rejeição a elas dos grandes partidos, os principais beneficiários do fim das coligações nas eleições proporcionais. Caciques de partido como PSD, MDB, PT, DEM e PSDB já trabalham para impedir quaisquer mudanças relacionadas ao fim das coligações proporcionais.
Senado tem PEC que busca ressuscitar coligações
Ao menos no Senado, já tramita desde antes das eleições de 2020, uma PEC para trazer de volta as coligações partidárias. A proposta é de autoria do senador Ângelo Coronel (PSD-BA).
“É nítido que tal mudança [fim das coligações proporcionais] apenas fortalece os grandes partidos, prejudicando o pluralismo político e a formação de alianças e concentrando poder. Mesmo candidatos com boas votações de partidos pequenos podem não se eleger simplesmente porque o partido como um todo não teve votos suficientes para garantir cadeiras no Legislativo”, afirma Coronel na justificativa da PEC.
O líder da Frente Parlamentar da Segurança Pública, Capitão Augusto (PL-SP), afirma que os atuais deputados terão dificuldades para se reelegerem em 2022 e que, por causa disso, é provável que o Congresso busque alternativas. “Eu acredito que haverá mudanças, mas ainda não temos consenso sobre quais serão”, diz o parlamentar. “Lançar candidatos em chapa pura não é algo complexo. Em São Paulo, eu comando 160 diretórios. Nas eleições de 2020, conseguimos lançar candidatos em apenas 50 diretórios. Isso mostra que não é simples lançar chapas puras em todo o país”, afirma Augusto.
Mas há quem seja cético sobre a possibilidade de mudança. “A eleição em 2022, nas chapas proporcionais, será extremamente difícil. Mas eu não acredito que essa legislação [fim das coligações] seja alterada no Congresso”, diz o deputado federal Gastão Vieira (Pros-MA).