O youtuber Felipe Neto se tornou o garoto-propaganda da esquerda brasileira. Em um intervalo de menos de três meses, apareceu em um vídeo contra o presidente Jair Bolsonaro publicado no New York Times, em uma entrevista no programa Roda Viva, em uma longa reportagem no Jornal Nacional e em uma live com o ministro do STF Luís Roberto Barroso. Na semana passada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deu sinais de que quer usar o youtuber para popularizar o projeto de lei das fake news (PL 2630/20).
A estratégia de se apoiar em Felipe Neto para aprovar o PL tem sentido não só pelos 39 milhões de inscritos de seu canal do YouTube e por seus 12 milhões de seguidores no Twitter, mas pelo tipo de público que ele atinge. Os jovens que cresceram assistindo ao seu canal, criado em 2010, têm hoje idade para votar e participar politicamente. O esforço por vendê-lo como um comentarista legítimo da realidade política brasileira pode se traduzir em votos nas próximas eleições.
Bolsonaristas enxergam que isso pode ser uma ameaça, e têm lutado para derrubar a reputação de Felipe Neto. Para isso, recorrem sobretudo a seu passado. O influenciador digital foi um antipetista durante anos, fazia comentários que, hoje, seriam facilmente classificáveis como homofóbicos e machistas, e também era um crítico assíduo do discurso politicamente correto.
Nos comentários de um vídeo de 2010 em que Felipe Neto ataca humoristas politicamente corretos, o público ironiza a transformação do youtuber. “Ironia do destino: ele se tornou o senhor politicamente correto”, diz um usuário do YouTube. “Este Felipe Neto teria vergonha do Felipe Neto atual”, afirma outro.
Youtuber diz que precisou errar para aprender, mas não perdoa quem não se manifesta
Não se pode dizer que Felipe Neto não tenha deixado claro seu arrependimento pelo que fez no passado. Em diversas ocasiões nos últimos tempos, ele fez mea-culpa sobre o que dizia antes, alegando que era um jovem de vinte e poucos anos que cresceu em um ambiente conservador demais, e que os erros o levaram ao aprendizado.
Mas Neto não tem demonstrado com os outros a mesma compreensão que tem consigo mesmo. O youtuber tem sido implacável não só com bolsonaristas manifestos, mas também com quem silencia sobre questões políticas.
Em um vídeo de maio deste ano, ele aponta o dedo para influenciadores que não deixam claras suas posições políticas e diz de forma irritada frases como "se você ficar calado agora, você é cúmplice”, “quem se cala perante o fascismo é fascista” e “acabou minha tolerância”.
Depois do assassinato de George Floyd, quando várias celebridades se manifestaram em apoio ao movimento Black Lives Matter, Felipe Neto criticou via Twitter o silêncio do jogador Neymar sobre o tema. “Vidas negras importam. Mas nem todo o mundo se importa”, disse o youtuber, que apagou o post depois de ser criticado por integrantes do movimento negro por cobrar um negro sobre racismo.
Bolsonaro seria melhor que Dilma, disse Felipe Neto em 2016
O antipetismo era uma marca de Felipe Neto nos últimos anos do governo Dilma Rousseff. "Não interessa se do outro lado tem Bolsonaro, se do outro lado tem Aécio Neves, f-se. Um chimpanzé na presidência, hoje, seria melhor. Cadeia neste corrupto chamado Lula, neste safado, neste ladrão, neste delinquente desgraçado que afundou o nosso país”, disse em um vídeo de 2016.
No mesmo ano, afirmou que os eleitores do PT eram “capitaneados por imbecis da classe artística que de nada entendem sobre a realidade do Brasil e acham que o PT tirou o país da miséria e está tudo lindo”. Um desses personagens da classe artística era, para ele, Chico Buarque, “politicamente um imbecil”, segundo Neto.
O youtuber também acusou, na época, a influência de “jornalistas safados”, usando como exemplo a jornalista Cynara Menezes, conhecida como Socialista Morena. “Fica meu recado para a Cynara Menezes e para qualquer pessoa que defenda o PT neste momento: você é burra! Burra!”, disse Neto.
Em menos de cinco anos, a transformação foi radical. Em 2018, Neto disse ter votado em Fernando Haddad, candidato do PT, no segundo turno eleição presidencial. “Tudo mudou quando Bozo falou, AGORA, que vai varrer os opositores para fora do país ou para a cadeia. Em 16 anos de PT eu fui roubado, mas nunca ameaçado. Autoritarismo nunca mais!”, disse para justificar a opção.
Recentemente, em maio deste ano, Neto criticou uma reportagem da revista IstoÉ por usar o argumento de que PT e Bolsonaro são como cara e coroa. “A imprensa quer, de todo jeito, dizer que Bolsonaro e Lula são dois lados da mesma moeda. É tanto pânico da volta do petismo que não entendem que estamos combatendo um FASCISTA!”, disse via Twitter.
Além de relativizar os problemas do PT, Felipe Neto revela ter muita proximidade com o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), parceiro político de Lula e um dos principais nomes da esquerda brasileira hoje. “Eu sou bastante próximo do Freixo, uma amizade que eu tenho que transpõe a parte política, nós somos amigos, a gente conversa sobre tudo”, disse em uma entrevista recente ao Estadão.
Comentários politicamente incorretos eram marca de Felipe Neto
Felipe Neto começou a ganhar popularidade em grande parte por causa dos comentários politicamente incorretos que fazia em seu canal “Não Faz Sentido”.
Em um dos vídeos que o alçaram à fama, de 2010, ele critica a voz fina do cantor Justin Bieber, que era, então, um adolescente. Em outro, dedicado a atacar a saga Crepúsculo, Neto faz um comentário que, hoje em dia, poderia ser interpretado como homofóbico. “A história não foi feita para agradar uma mulher independente e madura – só menininhas, ou menininhos que queriam ser menininhas”, disse.
Em outro vídeo, do qual o próprio Neto se declarou arrependido em 2016, ele dizia que a patrulha do politicamente correto estava ficando tão agressiva que “daqui a pouco vai ser errado você ser heterossexual”.
No Twitter, ele também já fez comentários que seriam mal recebidos por boa parte do público que o tem elogiado ultimamente. “O movimento feminista está virando algo tão ridículo que já, já vão pedir para as mulheres só se relacionarem com outras mulheres”, postou uma vez. “Mulher que vira de bunda para tirar foto e depois reclama que é tratada como objeto. Why (Por quê)?”, tuitou em outra ocasião.
Hoje, Felipe Neto usa com frequência argumentos que costumam servir para embasar a perseguição contra o discurso politicamente incorreto. Recentemente, o youtuber elogiou a campanha do Sleeping Giants para derrubar a atuação de personalidades de direita nas redes sociais.
“Tem uma galera agora no Brasil achando que esse argumento das liberdades pode ser aplicado a qualquer coisa. Está havendo uma campanha e chega o Sleeping Giants, que é um movimento do Twitter que funciona superbem, os caras vão lá e fazem pressão para cortar os patrocinadores de projetos que disseminam discurso de ódio e fake news… Esses caras que são autores de fake news, propagadores de discurso de ódio violento para assassinato de reputação, vêm a público reclamar de censura”, afirmou.
Diante das frequentes acusações de contradição com o Felipe Neto do passado, o Felipe Neto do presente fez um desabado no Twitter na semana passada: “Tente imaginar a seguinte situação… De repente, você se torna famoso. E o país inteiro tem acesso aos últimos 10 anos de TUDO o que você postou na vida. Você se garante a ponto de usar o passado de alguém para condená-lo, mesmo sabendo de suas mudanças e correções?”
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