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Ele arrumou as finanças de seu estado, o Espírito Santo. Foi chamado pelo presidenciável Luciano Huck de “mestre Miyagi” – inclusive chegou a ser cotado para ser o vice do apresentador de TV. Também foi citado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um possível nome para a sucessão de Jair Bolsonaro em 2022. Mas o ex-governador capixaba Paulo Hartung rechaça a possibilidade de participar de uma nova corrida eleitoral. “Disputar eleição já é página virada na minha vida”, diz Hartung em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.
Paulo Hartung está sem filiação partidária desde o fim de 2018, quando deixou o MDB. Atualmente trabalha em uma empresa privada e mantém sua vinculação com a política por meio da aproximação de movimentos como o Agora! e o RenovaBR – dos quais Luciano Huck também faz parte. “Meu ciclo político já está concluso”, afirma. “Acho que eu tenho o dever, de certa forma, de partilhar essa experiência, esse treinamento de vida que eu passei, e eu tenho feito isso”, apontou.
O ex-governador acredita que o governo Bolsonaro “tirou o Brasil do despenhadeiro” ao aprovar a reforma da Previdência. Mas avalia que novas transformações estruturais são necessárias para um desenvolvimento sustentável. A principal delas, para Hartung, é o que ele chama de “reforma do RH do setor público”, que seria uma reformulação nas normas do funcionalismo.
As maiores críticas de Hartung à gestão Bolsonaro vão para o Ministério da Educação: “É uma área que não andou no país, e até retrocedeu”.
Leia a íntegra da entrevista de Paulo Hartung
Qual a avaliação do senhor do primeiro ano do governo Bolsonaro?
Paulo Hartung: Você vai encontrar elementos positivos e elementos negativos. Eu, como sou um otimista militante, vou começar pelas questões positivas. Acho que você tem aí uma condução positiva da agenda econômica do país. O país precisava sair da beirada do despenhadeiro. E isso só era possível com a reforma da Previdência. E eu acho que a gente foi bem-sucedido. É evidente que nós fomos bem-sucedidos com duas contribuições importantes, que não podem ser esquecidas. Primeiro, do Parlamento brasileiro. Que operou aí com muita competência. Os presidentes das duas Casas – o Rodrigo [Maia, DEM-RJ] e o Davi [Alcolumbre, DEM-AP] – mostraram aí uma capacidade de trabalho importante. E a outra contribuição veio da sociedade. Se você faz uma reforma da Previdência, você está tirando direitos das pessoas; está modificando leis que mexem com a vida das pessoas. Uma mudança previdenciária na França está gerando greves gerais, uma atrás da outra. Se não me engano, já está na quarta greve geral. Aqui, o brasileiro, você conversando na rua, ouvia muitas vezes as pessoas torcendo para que o Congresso, para que as coisas acontecessem o mais rápido possível. E aquela pessoa que está ali torcendo é aquela pessoa que vai ter que trabalhar mais quatro anos, mais cinco anos, mais dez anos [para se aposentar]. Então eu acho que tem uma condução do ministro Paulo Guedes correta, mas tem a mão forte e bem articulada do Congresso Nacional e tem um ambiente na sociedade que é diferenciado. Então, se pegar esse exemplo, é um exemplo bom. Eu confesso que a parte da reforma da Previdência ligada aos militares, acho que ela foi um passo em falso. E eu tenho que dizer isso porque é o meu pensamento. Ela, na verdade, deu prevalência a preceitos que estavam sendo revogados na outra reforma. Esse é um ponto fraco, mesmo da parte positiva da agenda. Era importante que o eixo de combate aos privilégios não excluísse nenhum segmento da sociedade. Essa parte da agenda foi positiva.
Mas você olha do outro lado da rua, vê o Ministério da Educação, e vê uma agenda negativa. O Brasil que precisa evoluir na educação, na educação básica, que precisa pensar a educação para esse tempo que nós estamos vivendo de grande impacto das novas tecnologias, inteligência artificial, muitas vezes máquinas substituindo humanos… Precisava de uma educação que, além de recuperar o tempo perdido no país, olhasse para o futuro. Olhasse para dar uma esperança à juventude, de um futuro melhor. De uma certa forma, essa é uma área que não andou no país, e até retrocedeu.
Então, se a gente for fazer um balanço [do governo Bolsonaro], tem coisas positivas, construídas a várias mãos, e tem coisas negativas. Mas o meu olhar é para a frente. Acho que dá para fazer as coisas que o Brasil precisa. Dá para fazer as reformas que o país precisa para modernizar a sua economia, para modernizar o Estado brasileiro, que é muito atrasado. Acho que é nisso que a gente deveria concentrar nossa ação.
O ex-presidente Lula disse que o senhor virou “assessor do Luciano Huck”, e que o senhor poderia ser candidato a presidente. Como o senhor recebeu a declaração?
Paulo Hartung: Primeiro, eu agradeci. Eu fiz uma notinha curtinha... Eu agradeci, porque o ex-presidente, com as suas palavras, valoriza a minha trajetória, o meu desempenho pessoal. Mas, na mesma notinha em que agradeço, eu trabalho a ideia de que nós não estamos numa época de prevalência de vaidades pessoais. Aquele tempo de que o jogo só é bom se for o meu, comigo no jogo, comigo na liderança, acho que esse tempo já virou a página. A gente tem que olhar a realidade com outra visão. É assim que eu vejo. E acho que não tem que ter obsessão com 2022. Eu tenho falado isso muito: para chegar em 2022 tem muito chão pela frente. Quem ficar obcecado com 2022 vai perder energias que podem ser usadas na direção certa para melhorar a vida dos brasileiros. E eu prefiro olhar para o dia a dia, para o que dá para fazer. Vou dar exemplos aqui: se a gente consegue modernizar o marco regulatório da área de saneamento, imagina como que nós vamos superar um atraso secular do país? Tem 100 milhões de brasileiros que não têm coleta e tratamento de esgoto no nosso país. Tem mais de 30 milhões que não têm acesso à água tratada, num país que tem um diferencial de água doce em relação aos países do mundo. Então o que a gente precisa olhar é o que dá para fazer. Dá para fazer uma reforma para modernizar o setor público brasileiro – o que eu tenho chamado de “reforma do RH do setor público”? [É possível fazer uma reforma para] mudar a reestruturação das carreiras, criar uma forma de valorizar o servidor por um caminho diferenciado? [Uma reforma] para o servidor que é produtivo poder ter um tratamento diferenciado daquele que está acomodado? [Uma reforma para] acabar com essa coisa de promoção automática no setor público? Por que promoção automática? Vamos avaliar o desempenho de cada profissional. É assim na vida. Por que nós vamos ficar com o setor público brasileiro funcionando como ele foi desenhado há 40, 50 anos? Isso não tem pé nem cabeça. Então, em vez de ficar obcecadamente pensando em 2022, eu acho que a gente tem que pensar no dia a dia, e o que dá para a gente fazer para transformar o potencial que esse país tem, que é muito grande, mas é um potencial que não se realiza, tanto que é o eterno “país do futuro”. Como a gente transforma esse potencial em emprego, renda e oportunidade, especialmente para os jovens? Porque os jovens, nos últimos anos, voltaram a desacreditar no Brasil. Como eles voltam a olhar o futuro dentro do nosso território, e não olhar o futuro pensando em ir para outra região do mundo?
Uma especulação que se vê com frequência é a de que o senhor seria vice de Luciano Huck em 2022. O que há de verdade nisso? Como é a relação entre vocês?
Paulo Hartung: Vou responder na ordem contrária à que você perguntou. Eu conheci o Luciano pessoalmente há pouco tempo. No início de 2018, eu fui convidado pelo Armínio Fraga, que é um amigo de muitos anos. Coincidiu o período em que fui senador com o período em que o Armínio foi indicado para ser o presidente do Banco Central... De lá para cá nós criamos uma convivência fraterna... E aí eu fui convidado pelo Armínio para um jantar na casa dele, para conhecer o Luciano, e o Luciano queria também me conhecer. E isso no início de 2018. Então a nossa relação de amizade vem daí, quando nós nos conhecemos. O Luciano, no início de 2019, fez um encontro na casa dele, convidou a mim e ao Armínio, e nos chamou para participar do movimento Agora!. O Agora! é um movimento cívico que trabalha no sentido de formatar políticas públicas para o nosso país. Ideias, propostas, projetos. E aí discute, por exemplo, políticas públicas para as favelas, discute políticas públicas para a educação básica, políticas públicas para a saúde, como melhorar o SUS, políticas para a Amazônia e assim por diante. Nós aceitamos participar desse movimento cívico. Estamos participando, estamos dando contribuições. Eu também tenho uma outra participação, que é junto com o Luciano, que é no RenovaBR. O RenovaBR foi fundado pelo [empresário] Eduardo Mufarrej com o intuito de ser uma escola de formação política. Ou seja, formar novas lideranças políticas no Brasil, gente com preparo para fazer um bom debate, para fazer boas negociações, para ter capacidade de articular questões, para ter capacidade de fazer uma campanha eleitoral. É uma escola que debate todos esses temas. A relação minha com o Luciano está muito ligada ao trabalho do Agora!, que é um movimento cívico, e está muito ligada com o RenovaBR, em que nós dois somos do conselho. Então são duas plataformas: uma de formação de novas lideranças para o país, e eu acho que dialoga com essa escassez de lideranças que nós temos nos últimos anos. E o outro, com a ideia de formatação de políticas públicas. E você vê que essa coisa de formatar política pública é importante. No ano de 2018, o Armínio Fraga chamou o [economista] Paulo Taffner, autorizou o Paulo a contratar uma equipe e trabalharam juntos no desenho de uma reforma da Previdência. Esse trabalho que eles fizeram foi útil na hora que o ministro Paulo Guedes foi montar essa proposta de reforma da Previdência [do governo Bolsonaro]. Isto é importante: a gente ter propostas bem fundamentadas, políticas públicas feitas a partir de evidências, de fatos. Isso é uma coisa muito importante. É aí que nós temos conexão de trabalho. Quanto à segunda parte da sua pergunta, que foi a primeira, que eu inverti: eu tenho meu ciclo político resolvido. Eu disputei oito eleições. Fui eleito para oito mandatos. Exerci oito mandatos – praticamente uma vida. Fui deputado estadual, fui deputado federal, fui prefeito da capital, fui senador, fui governador três vezes. Então o meu ciclo político já está concluso. O que eu posso fazer é o que eu tenho feito. Eu sou muito grato aos capixabas e aos brasileiros por essas oportunidades que me foram dadas. Eu aprendi muito ao longo desses mandatos que exerci. Acho que eu tenho o dever, de certa forma, de partilhar essa experiência, esse treinamento de vida que eu passei, e eu tenho feito isso. Às vezes grupos de jovens me chamam – ontem mesmo [16 de janeiro] me chamaram para ir a Santa Catarina fazer uma palestra da minha experiência; e eu aceitei prontamente. Porque é uma forma também de eu retribuir essas múltiplas oportunidades que eu tive na vida. Passei por esses mandatos todos, oito mandatos, fui diretor do BNDES, tive uma experiência no maior banco de fomento do país, um dos maiores bancos do planeta. São experiências riquíssimas. O que eu puder partilhar, no sentido de a gente preparar uma nova geração… Nós estamos numa troca de guarda geracional. Se a gente puder preparar uma nova geração de bons políticos, não de tal ou qual posição, mas que tenham capacidade de debater com profundidade as coisas, que tenham capacidade de subir o sarrafo do debate... O debate precisa melhorar de qualidade no Brasil. Capacidade de negociar as coisas. Precisa negociar; não é o meu pensamento... Na sociedade humana tem que combinar o meu pensamento com os outros para viabilizar as coisas. Então, se a gente puder ajudar a treinar as pessoas, é isso que eu estou fazendo. Estou na vida privada e estou paralelamente com um trabalho voluntário. Estou no trabalho do Agora!, do RenovaBR, e no Todos pela Educação, com a Priscila [Cruz, presidente-executiva da instituição] ajudando a difundir a educação básica no nosso país. Disputar eleição já é página virada na minha vida, respondendo objetivamente.
O senhor saiu do MDB no fim de 2018 e indicou que não se filiaria mais a partidos. Mantém a decisão?
Paulo Hartung: Desde o segundo semestre de 2018 eu estou sem filiação partidária. E acho que, até para essas atividades de trabalho voluntário que eu tenho, a melhor posição é essa em que estou na atualidade.
Qual deve ser, na opinião do senhor, a prioridade do governo para o campo econômico?
Paulo Hartung: Fazer a reforma do RH do setor público. Essa reforma não foi apresentada ainda no Congresso. Ela está pronta. Os episódios do Chile fizeram com que o governo recuasse. Mas eu acho que já decantou esse assunto. Está claro que a realidade do Chile é uma; a do Brasil é outra. E a minha expectativa é que o governo coloque para tramitar no todo, ou em parte, um processo de modernização da máquina pública brasileira.
A outra prioridade, ela está nas duas Casas do Congresso: tem uma proposta na Câmara e outra no Senado para modernizar o sistema tributário brasileiro, que é caótico. Mas, evidentemente, além da proposta que está na Câmara e da que está no Senado, era muito importante que o Ministério da Economia também emitisse a sua opinião porque facilitaria, na minha maneira de pensar, muito a tramitação. Porque é um assunto delicado, que mexe com estrutura federativa do país; mexe com interesses dos municípios, dos estados federados. Então era muito importante a gente criar um pouco mais de coesão para essa matéria. Mas é uma matéria importante. Os números dos meus colegas economistas são de que uma reforma tributária bem-feita ajudaria muito o crescimento econômico nos próximos dez anos. Acho que a gente não pode perder essa oportunidade.
Tem mais três PECs [Propostas de Emenda à Constituição] que o ministro Paulo Guedes colocou no Senado no final do ano passado que também são relevantes. A mais importante é a PEC emergencial. Ela dialoga muito com os assuntos da governança dos entes subnacionais, estados e municípios, assuntos relativos ao pacto federativo, e assuntos relativos aos fundos.
Então, há uma agenda densa. Precisa ter a capacidade de organizar para que, passo a passo, a gente consiga evoluir. Talvez escolhendo uma ou duas prioridades na Câmara, uma ou duas prioridades no Senado, para que a gente possa ter capacidade para evoluir. O país perdeu muito tempo, todo mundo sabe disso. Nós ficamos para trás no desenvolvimento global. Nós precisamos recuperar o tempo perdido, e isso não é uma questão de grupo político, de facção, de partido. Isso é o interesse dos brasileiros e do Brasil. A gente tem que colocar isso como prioridade. Eleição, agora, está muito longe. E quem ficar fixado em processo eleitoral não vai dar a contribuição que pode dar, não vai colocar a energia certa na direção certa; vai colocar energia boa em coisa inútil. E colocar energia boa em coisa inútil é algo que a gente está cansado de ver no Brasil. Precisamos virar esse disco.
Qual a opinião do senhor sobre a proposta do governo federal de se extinguir os municípios com menos de 5 mil habitantes sem capacidade financeira?
Paul Hartung: É claro que o processo de criação de municípios no país foi um processo caótico, beirando o irresponsável. Determinados distritos, sem nenhuma condição, viraram municípios. E esses municípios não trouxeram benefícios para essas regiões, porque na verdade não têm renda própria, não têm receita própria, não tem capacidade de intervir na melhoria das suas populações. Acho que é um assunto que nós temos que tratar. Mas não acho que nesse momento. Acho que talvez o erro tenha sido colocar um tema desses num conjunto de prioridades. Também acho que isso pode ser feito com um nível de interlocução, de debate maior no país. Preparar o país mais para um assunto como esse. Mas, como a agenda nossa está muito densa, precisamos concluir a agenda de reformas fiscais do país para a gente ter segurança em relação à dívida pública, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), uma certa estabilização. Temos assuntos importantes, como o do saneamento. Temos na educação básica o Fundeb [fundo que financia o ensino], precisando ser rediscutido agora, porque ele perde validade. Estamos com muitas prioridades. Mesmo eu concordo que nós temos excessos de municípios e que temos municípios que não deveriam ser municípios, que não têm condições econômicas para isso. Acho que é um assunto que a gente poderia tratar um pouco mais à frente e focar naquilo que eu considero prioridade. Prioridade no saneamento, no Fundeb, na PEC emergencial, que é muito importante para dar governança a estados e municípios, e na proposta de reforma do RH do setor público. Acho que a gente não deveria perder a oportunidade de modernizar o setor público brasileiro. Isso é uma deficiência gravíssima que nós temos. Temos um Estado brasileiro que, além de pré-histórico do ponto de vista de tudo o que já aconteceu na vida e no mundo, o pior dele é que é concentrador de renda. Ele agrava o pior problema que nós temos no país. Somos um país absolutamente desigual. A desigualdade social é gravíssima no país. É um país com baixíssima mobilidade social. Uma pessoa que nasce numa favela via de regra mora na favela porque não tem oportunidade de evoluir na vida. E o setor público agrava o processo de distribuição de renda. Então precisamos modernizar o setor público brasileiro. Por isso é que a gente precisa ter um senso de prioridade nesse 2020. O que dá para fazer no Senado? O que dá para fazer na Câmara? [E o que dá] para a gente – imprensa, sociedade, parlamentares, governo federal, governos estaduais, lideranças do país – ajudar que essas agendas modernizadoras do país não fiquem paradas na gaveta? [O que dá para] que elas possam virar realidade e criar oportunidade para transformar potencial em emprego, renda e vida melhor para o nosso povo?
Um debate que sempre aparece, mas nunca se confirma, é o da reforma política. Nós deveríamos ter uma reforma política? E em que termos?
Paul Hartung: Primeiro, quero valorizar o que o Congresso fez. O Congresso conseguiu instituir uma pequena cláusula, uma tímida cláusula de barreira [para restringir a atuação de partidos pequenos e de aluguel]. É tímida, mas vai ser muito útil. E o Congresso tomou uma providência importante, que foi acabar com coligações no proporcional [eleições para deputados]. Essas são duas medidas de reforma política que, se não forem modificadas, e estou falando isso porque é muito importante que não sejam modificadas, elas vão produzir um início de reorganização político-partidária do Brasil. Não é possível um país com mais de 30 partidos. Isso não é uma estrutura partidária, isso é uma caça a um Fundo Partidário e ao tempo de televisão. É uma caça aberta, visível para a população. Eu acho que tem duas medidas tomadas. Isso ajuda, desde que não sejam revogadas. E eu torço para que não sejam. O que eu acho que, para o futuro, seria importante? A gente poder mexer nessa estrutura de uma maneira mais profunda. Precisamos nos preparar para um debate como esse. Porque algumas modificações não são apenas no sistema brasileiro. Vai olhar o sistema político na França, na Inglaterra, na Itália. Vai olhar que o sistema ficou defasado com o choque de tecnologia, principalmente tecnologia da informação e comunicação, que permite a conexão do cidadão participando de todos os debates, emitindo a opinião. Acho que, se eu tivesse que fazer uma organização do tema, primeiro é consolidar a cláusula de barreira firmada e o fim da coligação nas eleições proporcionais. E, em segundo, preparar uma reforma política que, aí sim, atualize as instituições democráticas buscando aproximar essas instituições da cidadania, da vida, do povo. Para que as pessoas se sintam mais representadas nas instituições políticas da democracia. Esse é um desafio que não é só nosso. A vantagem é esta: que a gente pode observar a reflexão e as providências que vão sendo tomadas mundo afora porque perdeu legitimidade essa relação [eleitor-eleito]. Precisamos retomar o nível. Retomar e reconectar o nível de legitimidade na relação das instituições políticas da democracia com o cidadão.
Como o senhor acredita que deve ser o financiamento das campanhas políticas?
Paul Hartung: Eu acho que nós podemos modernizar o financiamento de campanhas. Tem uma decisão tomada pelo Supremo que vedou a participação privada. A partir dessa decisão, o Congresso passou a fazer os fundos [com dinheiro público para financiar as eleições]. Acho que a partir da decisão do Supremo, da posição do Congresso e do Executivo – porque o Executivo mandou essa proposta de fundo para ser apreciada pelo Congresso – e da reação da população, nós podemos buscar aí uma convergência que modernize esse processo de financiamento de campanha partindo do princípio de que uma campanha tem custo, mas que a gente tem que buscar permanentemente diminuir o custo dessas campanhas. A filosofia tem que ser essa. Primeiro, entender que tem custo: tem custo aqui, tem custo na Itália, tem custo nos EUA. Segundo, como a gente pode diminuir o custo da campanha? Isso é uma coisa importante. E dar o pulo: como nós podemos financiá-la? É possível o financiamento privado? Na minha opinião, sim. Desde que a gente tenha uma boa regulamentação para ele. Não pode ser como foi no passado. Acho que isso tem mais aceitação popular; e a reação que a população mostra ao fundo para financiamento de campanha demonstra isso cabalmente. Precisamos desenhar bem um novo modelo. Essa é a prioridade das prioridades? Infelizmente, não é. Porque nós tiramos o país, com a reforma da Previdência, mesmo com o erro na reforma dos militares, da beirada do despenhadeiro. Mas ele ainda está perto do despenhadeiro. Precisamos continuar a consertar o problema fiscal do país e, junto com isso, consertar economia, a regulação, para atrair capital privado, infraestrutura, para educar melhor os jovens, aumentar produtividade, modernizar o setor público e ter carreiras que funcionem melhor e prestem melhor serviço para a população na educação, na saúde e na segurança. Temos um belo dever de casa.