Ouça este conteúdo
Sob o comando da presidente Caroline De Toni (PL-SC), a oposição teve um ano de avanços na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Uma parte das conquistas, no entanto, acabaram travadas pela presidência da Câmara, hoje comandada pelo deputado Arthur Lira (PP-AL).
De Toni usou a presidência da comissão mais importante da Câmara para aprovar pautas para: limitar as decisões monocráticas de ministros do STF e revertê-las no Congresso, facilitar o processo de impeachment de membros do Supremo, impedir que sem terra envolvidos em invasões tenham acesso a benefícios sociais como o Bolsa Família, garantir os direitos jurídicos dos fetos e assim dificultar a interrupção da gestação, entre outras.
Outra aprovação importante foi a da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dá poder ao Congresso de barrar empréstimos do BNDES. A proposta foi considerada uma derrota para o governo. Tanto Lula como Dilma usaram esse dinheiro como instrumento de uma tendenciosa política externa, pautada na ajuda a ditadores e governos então de esquerda como Cuba, Venezuela e Moçambique - que nunca quitaram suas dívidas com o Brasil.
Ao avaliar o andamento dos trabalhos, Caroline destacou o foco na relevância das pautas e não no número de aprovações. “Meu objetivo não era focar em aprovações em escala quantitativa, mas sim em projetos relevantes para a sociedade. E acredito que, este ano, fizemos boas entregas para o país”, disse a presidente à Gazeta do Povo.
Lira pouco interveio na tramitação da maioria desses assuntos, mas sempre sabendo que cabia exclusivamente a ele decidir no final se iria levá-los ou não para discussão em plenário após a aprovação na CCJ.
Mesmo assim a oposição comemora como vitória a conclusão da fase inicial de tramitação desses temas. Isso porque quando a CCJ era anteriormente comandada pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), no primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tais projetos nem começaram a ser debatidos.
As pautas que avançaram na CCJ em 2024, no entanto, acabaram mesmo temporariamente engavetas por Lira. O presidente da Casa tem o poder de escolher quais pautas serão levadas ao plenário, com aval dos líderes partidários. Também cabe a ele a decisão sobre a criação e instalação de Comissões Especiais para debater propostas de emenda à Constituição (PECs). Sua criação em geral é usada para postergar a análise de projetos e ganhar tempo para Lira.
Assim, as pautas aprovadas na CCJ, apesar de estarem engavetadas, ainda têm possibilidade de voltar a tramitar e virar leis. A maioria delas depende agora de decisões do próximo presidente da Câmara, que será escolhido em fevereiro de 2025. As PECs, por exemplo, ainda precisam ser apreciadas por comissões especiais que ainda não foram criadas antes de seguir para o plenário.
A criação de uma comissão foi, por exemplo, o artifício usado por Lira para frustrar a aprovação do maior objetivo da oposição no comando da CCJ: conceder anistia para os manifestantes presos nos atos de 8 de janeiro de 2023. Por meio de uma decisão dele, prevista no regimento da Câmara, o projeto foi retirado da CCJ e enviado para uma comissão especial que sequer iniciou os trabalhos. Ou seja, só será analisado em 2025 sob as novas presidências da Câmara e da CCJ.
Legado de Caroline De Toni foi avanço de pautas contra o ativismo judicial e de defesa da propriedade
Ao assumir a função, Caroline De Toni se comprometeu a pautar propostas para combater o ativismo judicial, as invasões de propriedades e para preservar o direito à liberdade de expressão.
Neste intuito, conseguiu avançar na análise de duas PECs e dois projetos de lei relacionadas ao chamado pacote antiativismo, no qual parlamentares tentam usar o Legislativo para reequilibrar os poderes do Supremo, que na prática ultrapassou seu papel de análise constitucional e passou a decidir sobre os principais temas do país.
“Acredito que o pacote pelo reequilíbrio dos poderes foi uma entrega importantíssima. Diferente da narrativa construída pela esquerda, esse pacote é parte da solução que buscamos para o fortalecimento da democracia”, disse a presidente.
O pacote é composto por propostas que aumentam a capacidade do Legislativo de conter a atuação do Judiciário, evitando o chamado ativismo judicial. As PECs preveem que o Congresso poderá derrubar decisões do STF e limitar decisões monocráticas (individuais) dos ministros. Além disso, os projetos de lei aprovados na CCJ em 2024 ampliam as hipóteses de impeachment de ministros do STF. Sendo assim, poderão ser punidos caso usurpem funções do Legislativo ou façam manifestações públicas de caráter político-ideológico que prejudiquem a imparcialidade e a confiança no tribunal.
Sob o comando da deputada catarinense, em 2024 a CCJ também aprovou projetos voltados para a proteção da propriedade privada, como o que proíbe a concessão de benefícios do governo a invasores de terras e de prédios públicos. Os projetos têm o objetivo de limitar a atuação de grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Assim, quem invadir terras deixará de ter direito ao Bolsa Família e outros programas do governo.
Houve ainda a aprovação da chamada PEC da Vida, que garante a inviolabilidade desse direito desde a concepção. A proposta diz que uma pessoa passa a ter direitos garantidos pela lei no momento em que é concebida e não apenas a partir do momento em que nasce. Na prática isso dificulta que seja vítima de aborto de forma legal. A deputada Chris Tonietto (PL-RJ), vice-presidente da CCJ entendeu relatou a proposta entendendo que ela não fere os preceitos constitucionais. Por isso, poderá continuar tramitando.
Para a deputada De Toni, as vitórias obtidas em pautas defendidas pela oposição são vitórias do povo brasileiro. "Eu não considero vitórias da oposição propriamente ditas. Eu considero vitórias do povo brasileiro. O colegiado aprovou matérias que dão concretude aos comandos constitucionais: proteção da vida, da liberdade e da propriedade", afirmou Caroline.
Questionada sobre os principais desafios que a oposição enfrentará em 2025, Caroline disse acreditar que o grupo "tem muito mais força do que imagina". "A CCJ é um exemplo muito claro de que temos força para fazer avançar projetos que representam a vontade da maior parte da população brasileira", disse a deputada.
Mas a CCJ em 2025 deve passar a ser comandada por um partido do Centrão e pautas mais identificadas com a direita enfrentarão possibilidade mais reduzida de tramitar.
Apesar dos avanços, propostas ficaram pelo caminho ou dependem do presidente da Câmara
Embora uma série de propostas possam ser analisadas pela CCJ e seguir direto para a análise do Senado, outras precisam ser aprovadas por todos os deputados, no plenário. A pauta do plenário é definida pelo presidente da Câmara, que conta, em boa parte das vezes, com a anuência dos líderes dos partidos.
As Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que fazem parte do pacote antiativismo judicial, por exemplo, apesar de aprovadas na CCJ, agora se juntam a mais de 100 propostas que aguardam decisão do presidente sobre a criação de uma comissão especial. Neste total, há propostas como a chamada PEC da Bengala, aprovada em 2021 na CCJ, mas que até hoje não teve sua comissão especial criada. A PEC da bengala diminui de 75 para 70 anos a idade da aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal, dos tribunais superiores e do Tribunal de Contas de União.
A proposta que pode reduzir a maioridade penal também precisará de mais articulação da oposição para avançar. O projeto, que estava engavetado há mais de 20 anos e desde então aguarda análise na CCJ, chegou a ter relator designado em 2024 e receber parecer, mas acabou não sendo pautado.
Além disso, dos três projetos do chamado pacote anticrime, pautado pela presidente Caroline De Toni logo após assumir em março, somente um deles avançou. Ficaram sem votação o projeto que prevê maior punição para crimes de estelionato com exploração sexual e contra refugiados e a proposta que aumenta o tempo de prisão para quem pratica crimes de forma repetida.
À Gazeta do Povo, Caroline De Toni enfatizou ainda a mobilização do governo ao direcionar esforços para barrar pautas relacionadas direta ou indiretamente à liberdade de expressão. Neste sentido, mencionou o esforço da base governista para barrar a oitiva do Michael Shellenberger, jornalista responsável pelo “Twitter Files Brasil”. O caso demonstrou como a Justiça brasileira ordenava à rede social X censura de comentários e perfis sem apresentar publicamente fundamentos legais para os pedidos.
Os governistas também conseguiram barra uma proposta da oposição tentou extinguir a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, órgão vinculado à AGU e que tem como objetivo combater a "desinformação", mas que na prática atua como um órgão de censura.
“A maneira mais prática de ilustrar o modus operandi dessa Procuradoria, é compará-la ao Ministério da Verdade, de George Orwell. Na prática, o que ela faz? Censura críticos do governo. Nós colocamos essa matéria em pauta e o governo mobilizou ‘Deus e o mundo’ para impedir essa aprovação. Nós não conseguimos avançar com o assunto na CCJ, mas acredito que o momento certo chegará”, disse Caroline.
Proposta de Anistia suspensa por Lira foi maior derrota da CCJ em 2024
A pauta da anistia para os presos pelos atos de 8 de janeiro foi o maior fracasso da CCJ em 2024. A proposta chegou perto de ser aprovada, mas diante da discordância do governo, o presidente Arthur Lira interveio, suspendeu a tramitação e a aproveitou o tema para barganhar apoio tanto da base de Lula como da oposição para seu candidato a sucessor na Presidência da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
A oposição foi ameaçada de que se o projeto fosse a plenário mesmo em novembro, possivelmente resultaria em uma vitória do governo. Já para os governistas, Lira disse que atrasaria o debate sobre o tema. Dessa forma o presidente da Câmara conseguiu unificar o apoio de governo e oposição sob seu candidato.
Na prática, Lira retirou a proposta da tramitação na CCJ e determinou a criação de uma comissão especial para sua análise. Com isso, a CCJ perdeu o poder de aprovar a matéria e o processo será mais demorado. Até o fechamento desta reportagem, a indicação de membros para a comissão, passo inicial da tramitação, não havia começado.
Negociações para eleição do presidente da CCJ em 2025
A presidência da CCJ da Câmara dos Deputados é um dos cargos mais disputados dentro do Congresso Nacional. Diante do papel da CCJ de avaliar a constitucionalidade das matérias legislativas, ponto inicial do rito das diferentes propostas que tramitam na Casa, o presidente da CCJ tem nas mãos a possibilidade de ajudar a travar ou alavancar projetos de interesse do governo, por exemplo.
No ano que vem, há indicativos de que a comissão deve seguir a linha de alternar o posicionamento dos deputados na presidência, seguindo os acordos firmados na Casa. Nos últimos quatro anos, o Partido Liberal, o União Brasil e o Partido dos Trabalhadores assumiram o comando da CCJ. (Confira a lista no final da matéria).
Nos bastidores, o nome do deputado Elmar Nascimento (União-BA) é o mais citado. Nascimento pretendia ser candidato à presidência da Câmara, mas acabou desistindo da disputa diante do apoio da maioria dos partidos ao deputado Hugo Motta (Republicanos-PA). Nascimento foi preterido inclusive pelo atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), com quem mantinha um relacionamento próximo.
Nascimento, no entanto, pode ceder o espaço ao colega de partido, deputado Mendonça Filho (União-PE). A decisão, no entanto, deve ser tomada somente em fevereiro, depois que o partido eleger o seu líder, cargo ocupado há dois anos por Elmar Nascimento.
Deputados que comandaram a CCJ nos seis últimos anos:
- 2019 – Felipe Francischini (União-PR) *O deputado fazia parte do PSL em 2019.
- 2020 - (não houve eleição dos presidentes das comissões em virtude da pandemia)
- 2021 – Bia Kicis (PL-DF)
- 2022 – Arthur Oliveira Maia (União-BA)
- 2023 – Rui Falcão (PT-SP)
- 2024 – Caroline De Toni (PL-SC)