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A crise gerada pela crítica ao Exército feita pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pode acelerar a substituição do general Eduardo Pazuello, que comanda interinamente o Ministério da Saúde. Pazuello está na função desde que Nelson Teich – segundo ministro da Saúde a deixar o governo em meio à pandemia de coronavírus – pediu demissão, há exatamente dois meses.
A pressão pela substituição de Pazuello parte principalmente das Forças Armadas, que não querem ser associadas à política de enfrentamento da pandemia tampouco serem responsabilizadas pelas mortes – justamente a crítica verbalizada por Mendes. O Brasil se aproxima dos 2 milhões de casos confirmados de coronavírus, com quase 75 mil mortos.
Uma das alternativas cogitadas por militares de alta patente seria Pazuello ir para a reserva, o que blindaria a corporação de uma associação mais forte com o enfrentamento do coronavírus.
Mas Pazuello não parece disposto a ir para a reserva para continuar à frente do Ministério da Saúde. Ele tem dito que quer voltar ao comando da 12.ª Região Militar, no Amazonas, após deixar o ministério. Nesse caso, as Forças Armadas não veem outra alternativa a não ser a substituição de Pazuello. Por isso, há uma pressão para que o presidente Jair Bolsonaro escolha outro nome para a Saúde – o quanto antes.
Atualmente, além de Pazuello, há 20 militares em postos-chave do Ministério da Saúde, que substituem nomes técnicos que ocupavam as funções – 14 dos militares são da ativa.
Desde que assumiu o comando interino da Saúde, Pazuello concordou em mudar o protocolo de tratamento da covid-19 para permitir o uso da hidroxicloroquina – uma demanda de Bolsonaro que causou atritos e levou à demissão dos dois ministros da Saúde anteriores a Pazuello, que eram médicos. O militar também tentou mudar a metodologia e a forma de apresentação dos números nacionais da pandemia, mas teve que recuar depois de uma decisão do STF.
Críticas de Gilmar Mendes
No sábado (11), Gilmar Mendes criticou a atuação do Ministério da Saúde durante a pandemia de coronavírus no Brasil e disse que o Exército, que controla a pasta, está “se associando a um genocídio” no Brasil.
O Ministério da Defesa reagiu e pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma investigação contra o ministro do Supremo. A pasta usa como argumentos artigos da Lei de Segurança Nacional e do Código Penal Militar.
Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, a reação dos militares foi provocada pelo medo de serem alvo de uma investigação por genocídio de povos indígenas que poderia vir a ser realizada sob o argumento de que houve inação do governo federal diante da pandemia. Segundo o jornal, um general da ativa afirma que a declaração de Gilmar Mendes poderia levar um procurador ou um tribunal internacional a instaurar um procedimento para apurar o suposto genocídio.
Substituição de Pazuello deve ser acelerada
Na terça-feira (14), o vice-presidente Hamilton Mourão, um general da reserva, disse em entrevista à Globo News que "tudo indica" que Pazuello será substituído em um “momento próximo”.
O vice-presidente comentou a situação de outro militar no governo, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que pediu para passar para a reserva no início de julho. "Ele [Ramos] compreendeu que o ciclo dele dentro da Força havia se esgotado e que era o momento de ele passar para a reserva, que para nós, que fomos soldados a vida de inteira, é um momento doloroso. Já o caso do Pazuello é diferente, ele é interino. Está há dois meses no cargo. Tudo indica que, em um momento próximo, o presidente vai substituí-lo", declarou Mourão à Globo News.
Na mesma entrevista, Mourão destacou a tentativa de não misturar a imagem do governo com a das Forças Armadas e disse que "política dentro de quartel não é algo que seja saudável".
"Não queremos trazer as Forças, efetivamente, para dentro do governo. Nós não queremos a política indo para dentro dos quartéis e a discussão 'eu apoio o presidente', 'eu sou contra o presidente', independentemente de ele ser um militar, um antigo militar ou não", disse Mourão.
Insatisfação com situação de Pazuello é anterior ao caso do "genocídio"
A crise gerada pela fala de Gilmar Mendes deve acelerar a mudança no Ministério da Saúde, mas a insatisfação das Forças Armadas com a situação de Pazuello é anterior ao episódio envolvendo o ministro do STF. Os militares temem ser associados ao fracasso no combate à pandemia — desde que Pazuello assumiu o posto como interino, o número de óbitos explodiu, passando de 15 mil para quase 75 mil em dois meses.
Os militares pressionam para que Bolsonaro comece a avaliar candidatos para o Ministério da Saúde assim que acabar seu período de quarentena – o presidente foi diagnosticado com coronavírus recentemente e cumpre o período de isolamento. Mas Bolsonaro aparentemente resiste à ideia.
Pelas redes sociais, ele saiu em defesa do ministro interino da Saúde, nesta quarta-feira (15). Bolsonaro fez uma lista de ações de Pazuello nos últimos anos e o chamou de "predestinado". Entre os feitos, Bolsonaro destaca "40 anos de experiência em logística", participação na "gestão da Logística nas Olimpíadas Rio 2016" e atuação na Operação Acolhida na fronteira com a Venezuela. Por fim, Bolsonaro diz que Pazuello "levou apenas 15 militares para pasta" e que "sempre está no lugar certo para melhor servir a sua Pátria".
Em um gesto para apaziguar os ânimos, o jornal O Estado de São Paulo informa que o ministro Gilmar Mendes telefonou para o ministro interino da Saúde na terça-feira (14). Na ligação, Pazuello disse que colocava à disposição todas as informações do enfrentamento da pandemia para que o magistrado pudesse formar uma“opinião correta” sobre a situação do país.
O contato partiu de Mendes por meio da ligação de sua secretária. No momento, Pazuello estava em uma reunião e, por fim, retornou o telefonema. A conversa foi descrita por ambos, segundo seus interlocutores, como “cordial” e “institucional”. Não houve, porém, pedido de desculpas ou menção às suas declarações por parte do magistrado.