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Apesar do revés com a soltura do traficante do PCC André do Rap, as investigações contra a facção criminosa têm avançado no país. Só nos últimos três meses, a Polícia Federal (PF) deflagrou três megaoperações com o objetivo de asfixiar o braço financeiro do PCC no Brasil. A Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) também tem atuado em investigações envolvendo a facção paulista.
André do Rap foi solto no dia 10 com base em uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio. Apesar de a decisão ter sido revertida na semana passada pelo plenário da Corte, por 9 votos a 1, as chances de recapturar André do Rap, considerado como um dos líderes do PCC, são vistas como pouco prováveis por investigadores. A suspeita é que ele tenha fugido para a Bolívia ou Paraguai.
Asfixia financeira do PCC é estratégia da PF
A Polícia Federal já realizou dezenas de operações contra integrantes do PCC desde o início do ano. As ofensivas da PF tiveram como objetivo o asfixiamento financeiro da organização e a desarticulação de esquemas de tráfico de drogas e armas, de roubo a bancos e de veículos e contra integrantes da facção envolvidos no planejamento de atentados contra agentes de segurança pública em vários estados.
Entre as diretrizes da PF no enfrentamento ao crime organizado dedicado ao tráfico de drogas está a investigação das estruturas financeiras dos grupos criminosos. A medida busca causar impactos nos mecanismos internos das organizações, prejudicando a capacidade de articulação e a continuidade das atividades criminosas.
No mês passado, a PF deflagrou a operação Rei do Crime para desarticular um importante e sofisticado braço financeiro que opera há mais de dez anos em benefício da chamada "sintonia final" do PCC. Mais de 70 empresas foram interditadas R$ 730 milhões foram bloqueados em contas bancárias por ordens judiciais.
Durante a deflagração da operação, foram cumpridos ordens judiciais de sequestro de 32 automóveis, nove motocicletas, dois helicópteros, um iate, três motos aquáticas, 58 caminhões e 42 reboque e semirreboque, com um valor aproximado que ultrapassa R$ 32 milhões em bens.
Entre os alvos das medidas judiciais também estavam empresários do setor de combustíveis e uma pessoa que foi condenada pelo envolvimento no furto ao Banco Central do Brasil, ocorrido em Fortaleza, em 2005.
Durante a investigação, a PF rastreou movimentações financeiras e identificou a existência de uma rede de combustíveis, inclusive uma distribuidora, que atuava em benefício da facção, lavando ativos de origem ilícita, através de empresas com atuação sólida no mercado e de empresas de fachada ou compostas por laranjas.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) também forneceu relatórios de inteligência financeira à Polícia Federal apontando movimentações atípicas do grupo investigado, cujo valor ultrapassa a cifra de R$ 30 bilhões.
Antes disso, em agosto, já haviam sido deflagradas duas operações importantes para desarticular outro braço financeiro do PCC. A primeira foi a operação Caixa Forte, no início daquele mês, que identificou os responsáveis pelo chamado “Setor do Progresso” da facção, que se dedica à lavagem de dinheiro proveniente do tráfico.
A apuração mostrou que os valores obtidos com o comércio de drogas eram, em parte, canalizados para inúmeras outras contas bancárias da facção, inclusive para as contas do “Setor da Ajuda”, responsável por recompensar membros da facção recolhidos em presídios.
A operação Caixa Forte 2, no final de agosto, cumpriu 422 mandados de prisão com base nessas investigações. A PF identificou 210 integrantes do alto escalão do PCC, presos em presídios federais, que recebiam mesadas por terem ocupado cargos de importância na facção ou executado missões determinadas pelos líderes como, por exemplo, execuções de servidores públicos. A Justiça decretou o bloqueio judicial de até R$ 252 milhões.
Em julho, a PF havia deflagrado a operação Triumphus para desarticular uma célula do PCC, composta principalmente por estrangeiros, em Roraima. Ao todo, 18 venezuelanos foram presos suspeitos de integrar a facção. Segundo a PF, parte deles já teriam funções de liderança específicas identificadas dentro da organização, como a de coordenar um “tribunal do crime”, de gerenciar pontos de vendas de drogas ou a da guarda de armas e munições para o grupo.
Secretaria do Ministério da Justiça também atua contra o PCC
Também em julho, uma operação coordenada pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) prendeu mais de 80 pessoas em onze estados brasileiros na operação Flashback II. O objetivo principal da ação foi desarticular um grupo do PCC com base em Mato Grosso do Sul, de onde partiam as ordens para as ações dos "tribunais do crime" de todo país.
Além disso, atualmente a Seopi tem cinco servidores mobilizados em uma força-tarefa em Mossoró, no Rio Grande do Norte, numa ação contra a facção criminosa. O grupo atuou em investigações que resultaram em pelo menos três operações no estado envolvendo suspeitos de integrar o PCC. A pasta auxilia em investigações sobre a estrutura da facção no estado e sobre o planejamento de atentados contra agentes de segurança pública, por exemplo.
Prisão e isolamento de lideranças do PCC
Além de asfixiar financeiramente as facções criminosas, como o PCC, a estratégia das forças de segurança pública tem sido a prisão das lideranças desses grupos.
Em abril, a Polícia Federal (PF) comandou uma megaoperação para trazer de volta ao Brasil o traficante Gilberto Aparecido dos Santos, o “Fuminho”. Ele é considerado o número 2 do PCC e foi preso em Moçambique (África) após 21 anos foragido. O traficante estava na lista dos mais procurados do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ele foi enviado para um presídio federal, onde vai ficar preso.
Fuminho é apontado pela PF como responsável pelo plano de fuga de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, em 2018, um dos líderes do PCC preso na penitenciária federal de segurança máxima de Brasília. Também é apontado pela Polícia Civil do Ceará como o mandante das mortes de Gegê do Mangue e Paca, integrantes da facção.
Também em abril, a PF prendeu em Goiás um foragido que integra a cúpula do PCC no Rio Grande do Norte. Segundo as investigações, ele é um dos “Sintonias Gerais”, espécie de posição hierárquica de destaque no comando da facção. Também foram presos, em julho, líderes regionais da facção no Acre. A operação contou com o apoio da força-tarefa da Seopi em Mossoró (RN).
Além de prender os líderes das facções, uma das estratégias para enfraquecê-las é isolar essas lideranças em presídios federais de segurança máxima, para dificultar a comunicação entre elas.
Em 2019, o Ministério da Justiça auxiliou na transferência de 22 integrantes do PCC para presídios federais. Entre eles, estava Marcola. A operação de transferência começou a ser montada após a descoberta do plano para resgatar Marcola e outros integrantes da facção de um presídio em São Paulo.
Em maio, a PF prendeu um integrante do PCC em Roraima suspeito de planejar o assassinato de policiais. Segundo uma reportagem do portal G1, o suspeito teria reclamado em um interrogatório da fragilização do PCC em Roraima depois da intervenção federal no sistema prisional do estado, que teria dificultado o comando de dentro das unidades penitenciárias.
Mais participação de mulheres no comando da facção
As investigações da Polícia Federal e da Seopi ao longo de 2020 mostram um aumento na participação de mulheres em cargos de liderança do PCC. Em fevereiro, a PF deflagrou a operação Lâmpades para desarticular o braço feminino do PCC que coordenaria a atividade criminosa de mulheres na Região Norte do país.
Segundo as investigações, as mulheres estariam atuando em áreas tidas como estratégicas do grupo, tais como o controle e guarda de drogas e armas de fogo, o estabelecimento de relacionamento entre criminosos de dentro do sistema prisional com os de fora e, inclusive, a indicação de membros para outros setores específicos. A PF também observou o possível envolvimento de suspeitas com “tribunais do crime” – por meio dos quais se decide o assassinato de pessoas.
Segundo a Seopi, as diligências policiais apuraram que as mulheres seriam vistas pelo PCC como sendo menos expostas aos riscos da prática de crimes, como a prisão, e por isso passariam a receber papéis de maior relevância para o grupo.
Em julho, na deflagração da operação Flashback II, as investigações também apontaram um crescimento na ocupação de cargos de chefia por mulheres, chamadas de "damas do crime".